Nasceu Camilo, em Lisboa, aos 16 de março de 1826,
onde estudou as primeiras letras. Órfão de pai e mãe aos dez anos, foi enviado
para Vila Real de Trás-os-Montes, em cujo termo habitava uma sua irmã casada
com um médico. Seguiu de Lisboa, por mar, em direção ao Porto, mas um temporal
obrigou o navio a arribar só em Vigo; daí veio Camilo, com uma criada que de
Lisboa o acompanhava, a Braga, ao Bom Jesus, em cumprimento duma promessa
daquela, seguindo depois a jornada aventurosa até Vilarinho de Samardã. Nesta
pequena povoação sertaneja, oculta num desfiladeiro e sobranceira ao rio
Córrego, passou Camilo boa parte da sua mocidade, mais de seis anos. Foi
durante essa estância que recebeu de sua irmã alguma educação doméstica e do
padre Antônio de Azevedo, cunhado de sua irmã, os rudimentos de latim e algumas
informações literárias, muito irregulares. Ali viveu à solta uma vida de
expansão do seu caráter, que ao formar-se claramente patenteava as feições
dominantes que iriam imperar durante a vida. Embalde sua irmã opunha a essa
soltura as pressões da sua autoridade. Camilo fugia de casa, obedecendo a uma
iniludível necessidade de indisciplina e de variedade. Foi na Samardã que ele
teve os seus primeiros amores.
Num desses devaneios, que ao despertar da
puberdade, são imperiosos como realidades, teria avançado inconvenientemente,
tendo os pães da namorada, uma camponesa de Friúme, recorrido ao matrimônio,
como meio de legitimar alguma irreflexão. Ou por falta de elementos ou por melindre,
e mais provavelmente por aquela do que por este, os biógrafos não têm
pormenorizado esse ponto. Parece-nos que só pela força dos fatos a irmã de
Camilo permitiria essa união entre pessoas de nascimento tão diferente, sendo
Camilo tão novo ainda e não tendo nenhum modo de vida independente. Desses
amores nascera um filho. Bem cedo Camilo se entediou da mulher e abandonou-a.
Dão os biógrafos por causa da separação exigências dos sogros, que não
permitiam que a filha saísse da sua companhia e que queriam que Camilo fosse
estudar para o Porto, e ainda incompatibilidades locais por ele contraídas, por
via duns versos satíricos, em que aludia a uma intriga muito falada na terra. O
certo é que Camilo abandonou, a mulher e a filha, que morreram durante a sua
ausência. E tão pequeno lugar ocupou na sua vida moral esse casamento que quase
o esqueceu. Entretanto fez uma breve passagem pelo Porto, onde cursou os
estudos preparatórios.
Foi também na Samardã que Camilo fez as suas
estreias literárias, poesia lírica no gosto arcádico e versos satíricos de
alusão às disputas entre dois irmãos nobres, a propósito do casamento dum
deles, que pretendia ligar-se a uma rapariga, de condição inferior à sua
linhagem. Esses versos, que obtiveram fácil êxito no povoado sabedor da
discordância familiar, inimistaram-no com o alvejado, como não podia deixar de
ser. Na perspectiva dum conflito, Camilo saiu para Lisboa, daqui para o Porto e
regressou à Samardã, onde teve novos caprichos amorosos. Da aldeia voltou para
o Porto, onde frequentou a Academia Politécnica, obtendo em 1844 e 1845
aprovação nas disciplinas de química e botânica, únicos estudos superiores de
que teve diploma. Era sua intenção seguir o curso de medicina, para o que ainda
frequentou anatomia, tendo transitado ao 2º ano, que perdeu por faltas.
Abandonando as aulas, regressou a Vila Real.
Assistiu à revolução popular e consequente guerra
civil da Maria da Fonte, presenciou alguns episódios e, levianamente, sentiu
suas inclinações pelo cabralismo até ao dia, em que por motivo duns artigos
adversos a José Cabral, foi por sua ordem fortemente sovado.
Em Vila Real travou relações amorosas com uma
mulher, que o acompanhou a Coimbra, e de quem houve uma filha. No Porto, a
requisição dum tio, que desejava coarctar essas relações, foi preso, e bem
depressa perdeu o entusiasmo impulsivo de pouco antes, esquecendo esse romance.
A filha internou-a num recolhimento, zelando pela sua educação até ao seu
casamento. Breve e inaproveitada foi a sua estada em Coimbra. Voltou a Vila
Real e estreou-se como autor dramático, na inauguração do teatro, com a peça,
Agostinho de Ceuta.
É em 1849 que Camilo se estabelece no Porto,
entrando de vez na vida literária e na boemia solta do tempo. Nesse ano,
publica o Marquês de Torres Novas, drama histórico, e em 1851 o seu primeiro
romance, O Anátema, aos 24 anos de idade.
Tinha encontrado a verdadeira via para a sua
vocação e o meio próprio para a expansão da sua sentimentalidade romanesca.
Pelo jornalismo, pela literatura e pela boemia se reparte então a sua vida.
Poucos foram os escândalos da vida portuense, do Café Gruichard, dos
Congregados, da Ponte de Pedra, do teatro de São João, em que Camilo não fosse
protagonista, comparsa ou cronista. Ficaram na memória saudosa dos velhos desse
tempo e nas alusões da literatura as loucuras da geração de poetas e estúrdios,
a que Camilo pertenceu e em que foi figura muito representativa. A par dessa
dispersão moral, o escritor não abandonava a arte, porque na maioria dos casos,
essa arte, toda feita de alusões, era sugerida por esse borboletear amoroso e
pela contemplação de muitas fantasias.
Um romance amoroso com uma senhora casada lançou-o
na cadeia, onde jazeu um anuo. Resolvido o processo movido pelo marido
ultrajado, e recuperada a liberdade pelos dois delinquentes, uniram-se ambos,
Camilo e D. Ana Augusta Plácido, inseparavelmente até ao fim da vida. Começara
esse amor em 1858, e só em 1888 se pôde legitimar pelo casamento.
Entretanto a obra literária ia prosseguindo, a
consagração chegava. Os seus livros, lidos avidamente e discutidos com paixão,
encomiástica ou detrativa, alcançavam ruidoso êxito de livraria. D. Luís em
1885 agraciava-o com o título de Visconde de Correia Botelho; o parlamento
dispensava-o do pagamento dos direitos de mercê e arbitrava uma pensão a seu
filho Jorge.
Envolvia-se em polemicas, que ficaram célebres pela
violência e qualidade dos contendores, e era proclamado, com Garrett, Herculano
e Castilho, um dos dirigentes do movimento literário.
Pela intimidade com D. Ana Plácido, compartilhara a
posse da casa de São Miguel de Seide, que fora do marido dessa senhora. Ali
passou o último período da sua vida, o mais fecundo literariamente. Entretanto
a doença dos olhos e miopia, de que sempre sofrera, ia-se agravando com a idade
e a fadiga do trabalho incessante. Cego incuravelmente, apesar das diligências,
em Lisboa, junto dos melhores especialistas, suicidou-se em 1 de junho de 1890.
O suicídio mais duma vez lhe tinha ocorrido, durante a vida, como solução a
males amorosos, mas só a realidade duma grande desgraça irremediável o
determinou a aceitar essa desesperada resolução.
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FIDELINO DE FIGUEIREDO
História da Literatura Romântica Portuguesa (1913)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2020)
FIDELINO DE FIGUEIREDO
História da Literatura Romântica Portuguesa (1913)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2020)
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