5/17/2020

Camilo Castelo Branco: aspectos biográficos



Camilo Castelo Branco: aspectos biográficos
Camilo Castelo Branco nasceu em Lisboa, numa casa do Largo do Carmo, em 16 de março de 1825, e foi batizado na igreja dos Mártires em 14 de abril do mesmo ano. A mãe morreu pouco tempo depois dele nascer e dos dez primeiros anos da sua vida apenas se sabe que em 1834 com o visconde de Onguela e seu irmão Ricardo Siles Coutinho, frequentou uma escola de João Inácio Minas Júnior, na Rua dos Calafates. “A meu lado — escreveu Camilo — no banco da escola de primeiras letras, em Lisboa, por 1834, sentavam-se dois meninos, filhos dum amigo de meu pai. Estou vendo, além, para lá da cerração de trinta e oito anos, aquelas duas crianças loiras e formosas, pedindo comigo a Deus que nosso mestre João Inácio Luís Minas Júnior fosse para a guerra. Porque o nosso professor era guerreiro por aqueles tempos. Com uma das mãos na palmatória e outra na espingarda, acudia pelo decoro do Lobato e pela restauração da monarquia representativa. Nas baterias de campo de Ourique devia de ser um bravo João Inácio; e, no gineceu modestíssimo da Rua dos Calafates, era um apaixonado fautor da religião do particípio e das outras não menos respeitáveis partes da oração. Isto vai há muitíssimos anos: era num tempo em que se aprendia sintaxe. Dos dois meus condiscípulos um chamava-se Carlos, o mais novo dos dois, que tinha seis anos. Daquela criança estou bosquejando hoje um perfil de biografia. Vai nisto o que quer que seja para cismar e entristecer. É a poesia melancólica — o funesto condão dos homens que vivem muito da vida introspectiva. Naquele ano de 1834 nos apartamos. Meu pai morreu. E, como eu já não tivesse mãe nem fosse inteiramente pobre, a desgraça deparou-me parentes em Trás-os-Montes onde vim a entender que não há lágrimas bastantes a deplorarem o destino de um órfão com oito anos de idade, e as faces quentes e úmidas dos últimos beijos e das últimas lágrimas de seu pai”.
Camilo não é sempre rigoroso em datas nas suas evocações. Manuel Botelho Castelo Branca morreu em 22 de dezembro de 1835; e o própria Camilo, no seu livro Duas horas de leitura, confessa, que foi efetivamente aos dez anos que ficou órfão de pai: “Aos meus dez anos — conta — levantou-se uma tempestade no seio da minha família. Uma vaga levou meu pai à sepultura, outra atirou comigo de Lisboa, minha pátria, para um torrão agro e triste do norte: e a outra... Não merece crônica a outra: arrebatou-me um esperançoso patrimônio. Foi bem pregada peça para que eu não tivesse a impudência de nascer, a despeito da moral jurídica, filho bastardo de não sei que nobre. Disseram-me que uma lei da Senhora D. Maria I me deserdava. A boa da rainha, se tivesse amado mais cedo um certo bispo, não legislaria tão cruamente para os filhos do pecado. Denominava-se —a piedosa, pela mesma razão que um rei nosso, soprando a fogueira de vinte mil hebreus, se chamou — o piedoso. A boa da história é uma trapalhona”.
Por deliberação do conselho de família, Camilo foi levado para Vila Real, entregue aos cuidados de D. Rita Emília da Veiga Castelo Branco, irmã de seu pai. “Embarcamos no barco a vapor chamado Jorge IV — conta ele no livro No Bom Jesus do Monte. Uma criada, que tinha ares de mestra de minha irmã, veio conosco, estipendiada por conta do nosso patrimônio. A senhora Carlota Joaquina não me esquece. Era uma mulher gorda, façuda e frescalhona, que bolsava os fígados do beliche abaixo, e gritava à del-rei de aflita com o enjoo. Era imundo, sujo a mais não poder, o Jorge IV. A câmara era comum dos dois sexos, com menos resguardo que os mosteiros dúplices da Idade Média; mas os ânimos dos passageiros pareceram-me a negação de toda a ideia monástica. Os homens do beliche do segundo andar conversavam com as mulheres dos primeiros diálogos entrecortados de vômitos. A senhora Carlota, que ficou à minha esquerda, praguejava contra o seu destino; e o meu vizinho da direita, sujeito de grandes barbas, saía do beliche em menores para lhe ter mão da testa. Esta caridade absolve a inconveniência da mistura. Dos passageiros nenhum falava inglês, e o criado da câmara, que também era fogueiro, atenta a negrura encarvoada da camisa e cara, quando lhe pediam chá, café, ou um caldo de galinha, dava sempre água por um canudo de lata. Carlota exclamava: — Eu morro! — Tenha paciência menina! acudia o homem das barbas. — Não há de morrer querendo os deuses. Devia de ser pagão o monstro! — Eu morro! rebramia ela. Quero confessar-me!... Não peça a confissão a estes brutos, observava-lhe o meu vizinho, que além de não terem Deus nenhum, se a menina lhes pede um padre, trazem-lhe água na lata surrada. Havia muito mar quando se avistou a barra do Porto; e por isso arribamos à Galiza. A nossa Carlota, assim que pôs os quatro pés e os dois estômagos na hospedaria de Vigo engordou outra vez. O pagão não saía da beira dela. No dia seguinte abalou a caravana para Tui por uns caminhos que Deus e a civilização já fizeram desaparecer da face do globo. Ao outro dia passamos a Valença; depois a Ponte do Lima, e de lá a Braga em romagem ao Bom Jesus.”

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Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2020)

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