Aspectos da poesia de Eugênio de Castro
Eugênio de Castro é, predominantemente, um artista,
um escritor de imagens. No seu espírito, todas as impressões e todos os
reflexos do mundo e da vida revestem, de preferência, valores picturais e rítmicos.
É o próprio de um artista. E a poesia participa de toda a Arte. Não é apenas,
porém, um notador de impressões diretas, um registro vivo de percepções
próximas. Atinge, como poeta, um grau superior da representação mental, de
concepção geral.
Essas duas qualidades explicam-lhe a obra; que por
seu lado, as prova; devendo acentuar-se, contudo, que mesmo as suas
representações mentais de grau superior se reduzem e transpõem, ordinariamente,
em imagens vivas, em vez de se exteriorizarem por meios de linguagem abstrata;
o que confirma, ampliando-a, a observação já feita acima.
Por isso que um pintor e um simplionista tenderá
sempre a traduzir as suas emoções em som e cor.
Por isso que é um representativo de generalidade
passará, naturalmente e de bom grado, da contemplação e realização de motivos
belos, concretos e dispersos à contemplação e invenção da Beleza, secundo uma concepção
idealista. E, assim, devia realmente exercer, como exerce, as aptidões
excepcionais que possui no sentido da criação sintética (aliando sempre a
intenção do detalhe artístico). E é ver: a sua composição é quase sempre quase
voluntariamente simplificada; elimina, de ordinário, o documento local, a
particularidade cronológica, o traço miudamente individuante; liberta-se, como
de estorvos, das condições do espaço e do tempo.
Com semelhante aptidão e tendência de composição
genérica, com uma tal forma de invenção, teria sido, noutro tempo, um clássico — tomando a palavra na acepção
e sob o ponto de vista em que deve aqui tomar-se: como correspondendo à
tendência de redução ao universal. E
viriam reforçar-lhe e completar-lhe essa tendência as suas qualidades, bem
latinas, da clareza, do gosto, da harmonia ordenada, assim como a sua
reconhecida predileção pelas personagens e figuras de espécie nobre, de casta
dominadora e prestígio hierático.
No nosso tempo, não deve admirar que ele
obedecesse, sob outra forma, a uma tendência, de invenção generalizadora e
universalista — uma vez que ela fosse sugestiva de produção artística e
plástica. Explica-se também, portanto, a ação exercida no poeta por essa
corrente do espírito moderno, que representa, talvez, um alargamento do universal clássico. Explica-se a influência
exercida na sua obra pelo Cosmopolitismo
(que — para desenhar todo inteiro este traço — terei de considerar conjugado
com a noção de cronopolitismo); pois se
o espírito cosmopolita não oferece, como o classicismo, uma integração de ideias
comuns, uma categoria ou seriação de caracteres normalmente belos oferece, no
entanto, na própria multiplicidade dos aspectos, um largo interesse de
objetividade humana e física. Enfim, é ainda pelas duas ordens de qualidades,
logo de princípio apontadas, que podemos explicar em Eugênio de Castro a fase simbolista.
Se por acaso o Simbolismo
significou para o nosso poeta a conciliação de duas disposições, cujo antagonismo
constitui um traço curioso — a conciliação dessa faculdade de idealização no universal e da sua fantasia
pessoalmente caprichosa, individualmente insubmissa — e, deste modo, lhe fez,
afinal, dos seus personagens humanos,
das suas estilizações da Espécie, personificações das próprias ideias e
sentimentos; o que, no fundo, significa para o crítico é, sempre, a afirmação
brilhante e decisiva da sua espécie de imaginação sensitiva, de seu poder de
invenção e realização plástica e rítmica. Se não, pergunte-se: o que distingue,
o particulariza o seu simbolismo? É
exatamente a sua beleza, de esplendor evidente, em que se aliam a síntese de
expressão e a notação do detalhe intencional (que não devemos confundir com o detalhe
característico — local e cronológico); é todo o real segredo de sugestão, que
se encerra sobretudo no prestígio decorativo das figuras; é, finalmente, o seu
virtuosismo tão extenso.
A sua arte literária, com efeito, combina e realiza
um caso curioso, um exemplo notável do que só poderei chamar — processão em som
e cor.
Não deverei também fazer notar aqui que Eugênio de
Castro tem um seguro e delicado ouvido musical, que revela aptidão excepcional
para a pintura, e que possui qualidades raras de decorador? Não me parece indiferente
mencionar esta circunstância. Mas, não obstante o predomínio daquele primeiro
traço, faz-se mister realçar os aspectos e qualidades da sua lírica.
— Nesta espécie mesmo, na própria poesia de
expressão direta, revelação contínua do revelado — é ainda o artista que
sobrenada e transparece.
Realmente, as suas líricas são uma confirmação e um
reflexo desse modo de ser: na riqueza da imagem e na elasticidade viva do ritmo;
são a prova decisiva de que ele possui, como poucos, o poder de transposição da
ideia num equivalente material. Ideias e sentimentos veem corporizar-se-lhe com
toda a cor, com todo o vigor da vida, como se nele as sensações primitivas das
coisas, ao tornarem-se simples imagens mentais, ainda lá guardassem todas as
vibrações do mundo físico.
Por isso as suas páginas nos fulguram aos olhos, e
nos cantam no ouvido.
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MANUEL DA SILVA GAIO
Coimbra, 25 de fevereiro de 1902.
Pesquisa e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2020).
MANUEL DA SILVA GAIO
Coimbra, 25 de fevereiro de 1902.
Pesquisa e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2020).
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