"Camilo Odiado": Uma crítica mordaz ao escritor
O tratamento da gangrena é o ferro em brasa; os grandes perversos
eram também marcados com o ferro em brasa na testa ou nas costas para
condenação permanente. Temos hoje de aplicar este tratamento na pessoa de Camilo Castelo Branco,
pela sua dupla qualidade de podridão física e degradação moral. Há muitos anos
que este galeriano se tornou o símbolo da torpeza de costumes, da indignidade
em todos os atos da sua vida, uma espécie de cadáver ambulante dentro do qual
vomita corrupção, um vampiro que exala o asco da sacristia, a atrocidade do
covil, a vilania do alcouce, e a linguagem desenfreada do açougue. A cara deste
monstro, ultraje da espécie humana, é a sua biografia; nela estão escritos os
vergões das chicotadas públicas que tem levado, e ainda se veem as manchas dos
escarros de desprezo que tem provocado. O amolecimento da espinha dorsal, a que
a natureza o condenou, é a história da crápula em que se tem revolvido; enfim o
idiotismo de que se está sentindo possuir arrasta-o para o abismo da
bestialidade de onde nunca teria saído, se o caso de uma infâmia o não
trouxesse de guardador de cabras em Vila Real para uma terra grande como o
Porto, que o tem tolerado como uma espécie de cloaca máxima, como o sumidouro
de todas as paixões abjetas que se manifestam às vezes em qualquer sociedade.
A cor lívida deste miserável que em França nem mesmo chegaria a
ser Cartucho, e na Itália seria engraxa-botas de Casanova, a sua cor lívida
representa a aliança com o patíbulo, se é que Camilo Castelo Branco valesse a
ponta do baraço necessário para o enforcar. Ele não vale nem mesmo esse pedaço
de corda. Deixamos estes traços da sua fisionomia; passemos a indicar os mais
característicos episódios da sua negra epopeia de iniquidades:
Quando Camilo Castelo Branco guardava cabras em Vila Real, causou
a ruína de uma pobre rapariga filha de um taverneiro; o pai da criança chamou-o
para ele casar com a filha.
Camilo aceitou a proposta com a condição de lhe dar o taverneiro
um fato novo e uma moeda. Recebido o ajuste, Camilo fugiu com o fato e o
dinheiro para a cidade do Porto, e aqui continuou o seu ciclo de imundas
aventuras. Começou desempenhando o papel de aprendiz de padre, recebendo apoio
dos jornais miguelistas e tendo só em vista uma cousa — o rapinar alguns cobres
ao bispo. Padres e miguelistas achavam em Camilo um inspirado, capaz de ser um
Ravailhac ou um Jacques Clemente; mas o ex-guardador de cabras sacrificou todos
os planos dos seus protetores a uma só cousa que tem sido o móvel de todas as suas
ações — comer e babujar. Com a raiva do asno que morde a albarda, Camilo anulou
a proteção destas duas influências descompondo uns e outros. Foi então quando
se sentiu uma potência, que tinha a força do mal para se fazer temer.
Explorou este novo esgoto que se lhe abriu na alma, e assentou
banca de descompostura por dinheiro: nas descomposturas que lhe pagaram contra
a consorte do conde de Bolhão, a par das libras também recebeu algumas moedas
de escarros na cara; nas descomposturas contra a Sra. Brown, recebeu também
nisso que de cara passou a ser lata, as públicas chicotadas vibradas por seu
filho Ricardo Brown.
Os diferentes romances obscenos que foi escrevendo eram uma
suporação desta necessidade de abocanhar; leram-se os romances para se
descobrirem os escândalos portuenses. Mas quando o público se viu cansado deste
desaforado histrião e os editores se não quiseram mais deixar roubar por ele,
Camilo Castelo Branco lançou-se numa empresa nova: explorou uma mulher casada
que tivera a desgraça de ter perdido o senso moral com a leitura frequente
desses romances a que aludimos. Todos sabem o caso da morte do infeliz marido,
e como Camilo Castelo Branco foi completar nas enxovias a educação que encetou
com as cabras em Vila Real.
Da cadeia começou Camilo a abrir brecha para a rapina na casa
Moré, mandando ali mostrar um Romance de descompostura ao digníssimo procurador
régio que não lhe tolerou certas obscenidades no cárcere; o amigo do procurador
régio, gerente da dita casa, teve de pagar o romance para poupar um desgosto ao
magistrado respeitável. Ainda não há muito tempo, que o Sr. José Gomes Monteiro
se refugiou no nosso Escritório para evitar o encontro de Camilo na loja Moré,
que ia ali armar uma escroquerie,
com o fim, dizia ele, de pagar uma décima. Livre da cadeia, porque a lei quase
que não admite prova no adultério, Camilo Castelo Branco devorou então os bens
dessa infeliz criatura do Senhor que arrastou à aversão pública. Depois de ter
comido o que pertencia à sua vítima, viu o que ainda pertencia ao filho dela,
cujos rendimentos eram utilizados pela mãe, que, por não ter passado a segundas
núpcias, ficara com a administração desse resto: nada mais natural que armar um
cerco a este dinheiro.
Em primeiro lugar não casou com a mulher a quem devia uma reparação,
para ela não perder a administração do filho; e em segundo lugar mandou agora a
criança para a África, na esperança dele ali morrer e então poder livremente
dispor desse resto de dinheiro. Alerta Sr. Curador geral dos órfãos. Por onde
quer que se olhe este monturo de crimes, que por aí infecciona os ares por
todos os lados Camilo Castelo Branco só mostra aspectos repugnantes;
ultimamente comprometeu a sorte de Vieira de Castro com a sua defesa; explorou
a desgraça do amigo com o drama o Condenado que
vendeu a dois indivíduos; e por último lucra ainda com a morte do homem de quem
se diz amigo, vendendo para o Brasil por 800.000 reis as cartas que esse
desgraçado lhe escreveu da África.
Para Camilo Castelo Branco as palavras honra, dever, amizade, são
como as partículas sacrossantas que tivessem caído em poder de um macaco;
privado do mínimo vislumbre de senso moral, a moralidade, a vergonha, o pudor
são para ele como as cores para um cego de nascença. Ultimamente aspirou a um
título de visconde, porque viu alguns negreiros e agiotas ornados com esse
distintivo; ele por tanto achava-se com maior direito para se distinguir pelo
seu cinismo. Como alguém do paço se opôs a que acabassem de degradar os títulos
nobiliárquicos, Camilo começou a insultar a Casa de Bragança. Mas como hoje as
suas diatribes sujas produzem o efeito contrário ao que ele mira, e como já
ninguém lhe pagava para pôr a sua pena ao serviço da calunia, ligou-se então
com um francês devasso chamado Ernesto Chardron, para a publicação de um cano
de despejo intitulado Insônias
de Camilo Castelo Branco. Este Sr. Chardron é aquele que violou a
casa de um seu compatriota, raptando-lhe a mulher, e aquele mesmo que estaria a
estas horas na cadeia, se o gerente da antiga casa Moré tivesse selado as
portas do estabelecimento quando este aventureiro saiu dali para traficar à
vontade. Os dois grilhetas acharam-se dignos um do outro; Chardron é o passador
dos latrocínios que o Camilo pratica sobre a honra dos que o desautoraram
perante a honestidade. Ora neste opúsculo nº 7 das Insônias de Camilo Castelo
Branco, com a sua autoridade de juiz de enxovia, onde já residiu,
diz que eu lhe roubei o livro Mosaico,
publicando-o contra a sua vontade. Este homem, que tem recebido dinheiro por
livros que nunca escreveu, recebeu de nós 14 libras para escrever o Mosaico, e mais 9
libras por outra comedela; quando nos viu com o livro em metade da impressão,
julgou ter-nos o pé no pescoço e exigiu mais dinheiro. Recusei-me a este logro
e exploração sórdida, e para não perder o que já lhe tinha dado publiquei o
livro na altura em que já estava. Camilo fez-me um arresto, mas o Tribunal da
Relação em vista dos documentos de letra do próprio Camilo, mandou-me entregar
o que era minha propriedade, por Acórdão de 31 de agosto de 1868. O desgraçado
pária, porque um Acórdão restabeleceu o meu direito, vem hoje chamar-me ladrão.
Não vamos aos tribunais, porque Camilo Castelo Branco manifesta já os primeiros
sintomas de demência, e porque um elogio da sua boca seria a maior afronta que
podíamos receber. Camilo lembrando-se ainda do tempo em que furtava os brincos
às criadas da casa onde morava, está agora com a monomania de que todos o
roubam; ei-lo ora nos jornais a acusar um garoto que o servia, ei-lo a
restabelecer-lhe os créditos, dando a entender que fora roubado pela amásia e
até pelo próprio filho! Ei-lo contando as colheres de prata que pertenceram ao
marido da sua vítima. Decididamente os amigos de Camilo têm razão para
caracterizar-lhe o estado de demência. Este larápio das livrarias dos fidalgos
de província, empulhando-os com livros de hipiátrica, e rindo da sua lorpice,
este vendilhão acobertado com o pseudônimo de Jorge Correia, tem a audácia da
rameira, para chamar aos outros aquilo que o distingue. Assim como Alexandre
Herculano o pôs fora de sua casa, a sociedade devia expungi-lo, ficando à conta
do município o recompensar aquele que lhe deitasse a bola.
A nossa vingança está breve: ir-lhe-emos regar a cova com o que
ele sabe, e temos a certeza que assim como se guardam os exemplares dos
notáveis aleijões, a memória ominosa de Camilo Castelo Branco há de
conservar-se por muito tempo na execração pública como uma das grandes
aberrações morais da espécie humana.
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ANSELMO DE MORAES
Porto, 22 de julho de 1874.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2020)
ANSELMO DE MORAES
Porto, 22 de julho de 1874.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2020)
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