Está publicado em livro este romance
humorístico do Sr. Aluísio Azevedo, o jovem e corajoso escritor maranhense, a
quem sem dúvida está reservado um auspicioso futuro, na comunhão das letras
brasileiras.
Em Filomena
Borges há páginas de uma felicidade inaudita; estamos certos que mais
tarde, quando o autor afirmar definitivamente os seus créditos de romancista,
vencendo a camada espessa da indiferença do público por todas as questões de
arte, esse livro voltará à tona, e se fará em volta dele certo rumor literário,
muito diverso do barulho especulativo que o precedeu.
A educação de Filomena é um traço de
costumes nacionais; aquele caráter que, pela característica do gênero que se
filiou a obra, a muitos parecerá exagerado, mas que é filho de uma observação
muito rigorosa, aquele caráter, dizíamos, é o produto lógico, fatal, do sistema
de educação adotado por D. Clementina, a mãe de Filomena.
Esta — dada a diferença da estética de
Cervantes e da estética do Sr. Aluísio Azevedo — pode-se dizer que é o D.
Quixote do romantismo, e o João Borges, um marido-escudeiro cheio de bom senso
e de passividade, é naturalmente o seu Sancho-Pança.
Em verdade, que foi Nápoles para
Filomena mais que os moinhos de vento para o cavalheiro da triste figura? Que
foi para o Borges a jaula do urso ou o seu cômico disfarce em botocudo mais que
a ilha da Barataria para Sancho?
O próprio asno anônimo da Serra-Morena
tem o seu símile no urso, o cão e, mas e de uma fidelidade tão comovente e
absoluta, que fora inverossímil se se não tratasse de um cão.
Filomena, naquele impagável episódio
de Espanha, à caça de aventuras românticas, faz insensivelmente lembrar, para
honra do Sr. Aluísio Azevedo, D. Quixote à caça de aventuras de cavalaria.
Acresce que o lugar da ação é o mesmo, e — franqueza! — o do romancista nada
perdeu neste arriscado pulo transatlântico.
A muitos ouvi perguntar de que
moléstia faleceu Filomena Borges. A esses poderá responder o autor com uma
frase em que envolverá todo o seu orgulho: — Matou-o a mesma doença que matou
D. Quixote.
Não consta que o herói de Cervantes
fosse auscultado, ou que se queixasse algum dia do fígado ou do baço.
Tanto um como outra morreram desta
moléstia terrível — a desilusão.
Só quem nunca sentiu a mão gelada da
realidade entrar-lhe na alma e arrancar lá de dentro, uma a uma, as ilusões,
essas douradas partículas do ser.
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O Mequetrefe, 20 de fevereiro de 1884.
O Mequetrefe, 20 de fevereiro de 1884.
Pesquisa
e adequação ortográfica: Iba Mendes (2020)
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