Considerações sobre a obra de Camilo Castelo Branco
O Movimento do Romantismo em Portugal
afirma-se numa corrente de banalidades que dão em literatura a nota da suprema
inépcia. Mas todos os crimes e todas as faltas, melhor todas as excrescências dessa
evolução de sentimentos se resgatam e afundam no esquecimento misericordioso,
se acertamos em ver a toda a luz, a obra colossal do homem de gênio que entre
nós consagrou o romantismo e que o mantem, quarenta anos volvidos, nos domínios
do romance português, em plena força indestrutível e em plena gloria
incontestável.
Vieram, com grandes esperanças, algumas
tentativas de implantação de novas fórmulas e de processos novos. Não escasseou
o talento, menos ainda a observação, com todo o brilhantismo expositor. Mas
faltou a paixão — desculpe-se a velha definição do facto eterno e
insubstituível. Foi pela paixão que triunfaram os raros e grandes triunfadores
da geração de ontem. Surgem os excessos de analise, as subtilezas, as
minudencias, a cátedra para os sentimentos, mas a inferioridade do efeito é
manifesta. O sucesso relativo do romance moderníssimo está nas belezas do
descritivo e nos pormenores libérrimos até aos domínios da pornografia. Mas
é raro que dos detalhes saia o grande traço emocional, a forte cena
dramática que convulsiona, a grande síntese psicológica que se impõe e que
ilumina como uma revelação.
Um lúcido e poderoso espírito que
nós perdemos e choramos e cujo nome deixaremos vinculado a este singelo estudo
— o poeta Cesário Verde — apresentava-nos um dia diversas definições muito
rápidas e muito seguras de vários escritores portugueses. Tendo de referir-se a
Camilo Castelo Branco, apresentou a seguinte definição — “é o mais literato de
todos” — completo: é no terreno do estudo severo a erudição beneditina apoiada
no bom-senso profundo; é o sacerdos magnus nos domínios da
língua portuguesa; é o humorista Sterne combinado com o humorista Henri Heine,
e das amarguras deste têm muito as suas amarguras. A nota plangente que faz
estremecer e soçobrar os espíritos na desolação ou que os redime pelas
lagrimas, fere-a o grande escritor com a sinceridade do momento — que é toda a
força da paixão. Em hora de zombaria serena assimila os processos novos e
desmascara-lhes a impotência e a inferioridade; logo, corrigindo a ironia,
dá-nos em duas páginas que adiante serão transcritas a cena mais artisticamente
executada da galeria do romance português.
***
Quando o Crime do Padre Amaro e o Primo Basílio de Eça de Queirós estalaram como gritos de
guerra nos domínios das letras portuguesas, fez-se à volta do recém-chegado um
clamor de admiração, que, para ser justo, só precisava de ser consciente. Quem
isto escreve aplaudiu e deu a razão do aplauso. O romancista felicitou o
crítico pela compreensão do trabalho e dos intuitos. Estes processos desusados
tiram à crítica a feição protetora e fixam a independência da
arte no sentido elevado e puro da palavra independência.
Mas de par com as saudações criticadas surgiram
as aclamações insensatas da turba multa e a exploração pérfida do sucesso do
romancista.
A perfídia consistia em jogar os livros
de Eça de Queirós como uma catapulta contra a obra de Camilo Castelo Branco.
Provocado o velho leão, não moribundo por mal dos agressores, saiu a terreno — zombando.
O Eusébio Macário e a Corja são tiros
certeiros contra a matulagem; não prejudicam nem visam a prejudicar os
processos novos dos mestres da última geração; mas põem a nota de bom senso na
conta do que se dirimia entre a velhacaria e a ignorância e restabelecem a
situação no seu terreno sob o ponto de vista da boa crítica.
Mas fora dos dois livros de ironia buscaremos
espécime de soberba execução artística, alheia aos antigos processos do grande
romancista. É do livro A Brasileira de Prazins. A galeria do
romance português não apresenta quadro mais vigoroso, nem mais surpreendente
colorido trágico, com todas as nuances de uma observação que
se evade à fadiga pelos primores incomparáveis dos seus moldes.
***
É de Lisboa o grande romancista. Nasceu
a 16 de março de 1826. Órfão aos dez anos de idade, foi transportado a Vila
Real (Trás-os-Montes) donde passou ao Porto. Foi nesta última cidade que ele se
afirmou literariamente, e no Porto ou a breve distancia tem vivido, salvo
alguma ausência limitadíssima, a sua vida de combates e de triunfos.
***
Não vale a pena mencionar distinções
honoríficas, desdenhosamente aceitas por Camilo. Citaremos apenas a distinção
que ele recusou; registro de um castigo. É de 1862, na Revolução de
Setembro de 19 de março daquele ano e refere-se ao Instituto de
Coimbra.
***
As obras de Camilo Castelo
Branco, manuseadas por duas gerações, durante os últimos quarenta anos
decorridos (tem a data de 1847 o Agostinho de Ceuta) não figuram
completas em algum catálogo publicado. Coligimos, todavia, os dados ao nosso
alcance para a formação de mais completa lista bibliográfica da obra do grande
escritor. Vejamos:
Abençoadas lágrimas! (drama em três atos), Agostinho de
Ceuta (drama em quatro atos), Agulha em palheiro; Amor de perdição; Amor
de salvação; Amores do diabo (tradução); Anátema; Ao anoitecer da vida (poesias); Anos de prosa; Esboço biográfico
de D. Antônio Alves Martins, bispo de Vizeu; Aspirações; O bem e o mal; No bom Jesus
do Monte; Os brilhantes do brasileiro; A bruxa de Monte Córdova; Cancioneiro
Alegre; Carlota Ângela; O carrasco de Victor Hugo José Alves; Cavar em ruínas;
A caveira da mártir; O clero e o Sr. Alexandre Herculano; Coisas espantosas; Coisas
leves e pesadas; Condenado (drama em três atos), Coração, cabeça e estômago;
A Corja; Correspondência epistolar entre Camilo Castelo Branco e José Cardoso
Vieira de Castro; Curso de literatura portuguesa (em parceria com Andrade
Ferreira); A cruz (semanário
religioso); O demônio do ouro, Dicionário Universal de educação e ensino (tradução); Divindade de Jesus e
tradição apostólica (com
uma carta dirigida ao autor pelo visconde de Azevedo); A doida do Candal;
Doze casamentos felizes; Duas épocas da vida (poesias, incluindo o folheto Hossana); Duas horas de leitura; A enjeitada;
Esboços de apreciações literárias; A espada de Alexandre; Corte profundo na
questão do homem-mulher e mulher-homem, por um sócio prendado de várias
filarmônicas; Lágrimas abençoadas; O livro de consolação; O livro negro, (continuação
dos Mistérios de Lisboa); Luta de gigantes; O Marquês de Torres
Novas (drama em cinco atos); Os mártires (tradução); Memorias do
Cárcere; Memórias de Fr. João de S. José de Queirós, bispo do Grão Pará (com
uma introdução e muitas notas ilustrativas); Memorias de Guilherme do
Amaral; O Morgado de Fafe em Lisboa (drama em dois atos); O Morgado de
Fafe amoroso (comédia em três atos); Mosaico e silva de curiosidades
históricas, literárias e biográficas; A mulher fatal ;Mistérios de Fafe; Mistérios
de Lisboa; A neta do Arcediago; Noites de insônia; Noites de Lamego; Novelas do
Minho; O Olho de vidro; Espinhos e flores (drama em três atos); O
esqueleto; Estrelas propícias; Estrelas funestas; Eusébio Macário; Fani
(tradução); A filha do Arcediago; A filha do Dr. Negro; A filha do regicida;
A freira no subterrâneo (tradução);
Gazeta literária do Porto; O gênio do Cristianismo (tradução); História
de Gabriel Malagrida (tradução);
O homem de brios; Horas de paz (escritos religiosos); A imortalidade,
a morte e a vida (traduzido e com um prefácio); O inferno
(tradução); Inspirações (poesias);
O judeu; Justiça (drama em dois atos); Onde está a felicidade?; Poesia
ou dinheiro (drama em dois atos); Poesias; Poesias e prosas inéditas de
Fernão Rodrigues Lobo Soropita (com
uma prefação e notas); Purgatório e Paraíso (drama em três atos); Quatro horas inocentes; O que fazem
mulheres; A queda dum anjo; O Regicida; Romance de um homem rico; Romance de um
rapaz pobre (tradução); O
santo da montanha; O sangue; Cenas contemporâneas; Cenas da Foz; Solenia verba:
Última palavra da Ciência; Cenas inocentes da comédia humana; O senhor do Paço
de Ninães; A sereia; Teatro cômico; A morgadinha de Val de Amores (em um ato) Entre a flauta e
a viola (entremez em um ato); As três irmãs; O último ato (drama em um ato); Um homem de
brios; Um livro (poesias); Vaidades
irritadas e irritantes; Vida de D. Afonso VI; Vinte horas de liteira; Vingança;
As virtudes antigas, ou a freira que fazia chagas e o frade que fazia reis; O
visconde de Ouguela; Voltareis, ó Cristo?; O general Carlos Ribeiro; O
Cancioneiro Alegre; Os Críticos do Cancioneiro Alegre; D. Luís de Portugal; O
vinho do Porto; Maria da Fonte; Ecos humorísticos do Minho; Serões de São
Miguel de Seide; Brasileira de Prazins; Boemia do Espírito; Vulcões de Lama; Luiz
de Camões — Carta de Guia; Vida de D. Afonso VI.
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ANTÔNIO DA SILVA PINTO
Camillo Castello Branco (1889)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2020).
ANTÔNIO DA SILVA PINTO
Camillo Castello Branco (1889)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2020).
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