MANUEL
VIEIRA DO PARAÍSO
(1882-1927)
Manoel
Vieira era natural de Guarabira no Estado da Paraíba. Vivia da agricultura.
Fazia versos com alguma facilidade, e vendia nas feiras aos seus admiradores
copias em traslado desses versos.
Em
1918 apareceu nos sertões grande quantidade de raposas atacadas de hidrofobia,
tendo diversos sertanejos sido vítimas de dentadas desses animais
O
poeta Manoel Vieira conta esse acontecimento, na poesia seguinte:
RAPOSA QUE MORDE GENTE
Leandro Gomes de Barros
No tempo em que vivia
Escrevendo os seus folhetos
A todo mundo dizia:
Que tempo ainda chegava
Que até raposa mordia.
E o tempo chegou
De forma danada,
Não é caçoada
O que se passou,
O sertão se trancou
Todo amedrontado
E aperreado
Que faz pena e dó
A sorte cotó
Do amolestado.
A carestia danou-se,
A guerra apertou o nó,
O querosene subiu
Que nem cobra de cipó,
E a barriga do pobre
Já subiu para o gogó.
Que praga tirana,
Meu Deus verdadeiro,
Pelo Juazeiro
Salva a raça humana,
Que ainda se engana
E cai no mondé,
Aumentai a fé
Que está enfraquecida,
Melhorai a vida
De quem vosso é.
Chita de dois e quinhentos
Hoje está custando seis;
Algodãozinho de pataca?
É insulto do freguês,
Pois o lojista inda diz:
Matuto seja cortês...
O pobre se aperreia
E o preço reclama,
O matuto exclama:
Ó carestia feia!
E se resgateia
Mais algum tostão
Que o algodão
Além de roubado
E de mal pesado
É pago em prestação.
É um clamor em geral
Do brejo até o sertão;
Só se fala nas raposas,
Fazendo aumentação,
Uns com medo, outros mordidos,
E outros fazendo oração.
E nesse vai-e-vem
Não se tem abrigo,
Para o castigo
Que do alto vem;
No Juazeiro tem
Mais de mil mordidos,
Fora os escondidos
Pelo Padre Santo
Que não faz espanto
Dos acontecidos.
Essa praga começou
Devido a um nova-seita
Que dançando em um baile
Mandou pedir uma receita
Ao padre do Juazeiro
P’ra fazer dança perfeita.
O padre respondeu
Que o que ele queria
Breve chegaria.
E como prometeu
Não se arrependeu,
Fez sua oração
Com tal contrição
E muito fervor,
E logo o clamor
Encheu o sertão.
Tinha uma velha no Açu
Que curava todo vivente,
A raposa apareceu lá
A velha passou-lhe o dente,
A raposa saiu mordendo
Com veneno qual serpente.
Ganhou o tabuleiro
Danada, correndo
E foi se mordendo.
Em seu desespero.
Mordeu um vaqueiro,
E um porco brabo
Arrancou o rabo
De um novilhote,
E deu um pinote.
Levou o diabo.
Bem perto de Carapebas
Estava um samba formado:
Há dois dias que dançava
O povo muito animado,
Quando uma raposa entrou
E fez um sarceiro
danado.
Quando foi chegando
Logo no terreiro,
Mordeu o porteiro,
E foi avançando.
Doida, espumando,
Foi ao tocador,
Mordeu um dançador
Que deu castanhola
Partiu-se a viola
Naquele horror.
Correu gente na capoeira
Que nem preá em macambira.
Saia ficou em mulambo.
Camisa ficou em tira,
Aroeira p’ra um desses
Era mole como embira.
Mordeu uma grelha,
Um coco furado,
Um banco quebrado.
Ali de uma velha
Rasgou a orelha.
Saltou um baú,
Mordeu um tatu,
E uma galinha
E a bacorinha
De um tal Mandu.
Perto dali oito léguas
Ficou o mato empestado:
Calangro mordia rato.
Sapo mordia veado,
Maracajá mordeu porco,
Lagartixa mordeu gado.
E o nova-seita
Que estava dançando,
Foi logo avançando
P’ra banda direita,
Mordeu uma sujeita
De um beiradeiro,
Partiu o candeeiro,
Ficou renitente
E passou o dente
Até num rafeiro.
Uma velha tinha um filho
Há oito anos doente
Em cima de uma cama,
Gemendo danadamente.
Sendo mordido ficou
Mordendo que nem serpente.
Pulou do jirau,
Mordeu o esteio,
Pegou o correio,
Que ia p’ra Macau
E um Nicolau
De Barro dos Reis
E mais um freguês
Chamado Camilo
E um tal Murilo
Da Silva Cortez.
Do Açu para o Jardim
A mordedeira é igual,
De Macau ao Siridó
Não escapou um curral
E tudo isso por causa
De um Nova-Seita infernal
Um bode doente
Mordeu um poldrinho,
E este um vizinho
Da mãe do agente,
Aí de repente
A velha saltou.
Firmou-se e inguiçou
A cerca de arame
Com tanto vexame,
Que descadeirou.
A velha ficou no chão
Sem poder se levantar,
O que passava por perto
Ela tentava pegar
E quando nada mordia
Se danava p’ra rosnar.
Depois criou aza
E se levantou,
Primeiro pegou
O povo da casa,
Mordeu logo a brasa,
Dum tição de fogo,
Um pinto com gogo,
Um teju-açu,
Dali p’ra o Açu
Não teve mais rogo.
Mordeu um tal seu Toinho
E este ficou danado
Mordendo o povo na rua
De modo desesperado,
Que onde o dente passava
Ficava o rombo formado.
E desembestou
Doido e mordendo,
O povo dizendo,
A desgraça chegou
Ele ali tomou
Rumo da estação
Mordeu um irmão
D’um tal Porfiro
E este com um tiro
Botou-o no chão.
E assim dessa maneira
O sertão está empestado,
Tanto gente como bicho
Tudo está amolestado,
O povo não come carne
Nem de caça e nem de gado.
Que ano de guerra
Carestia e peste,
Aqui no agreste
Desgraçou a terra,
Todo povo berra
Contra a lagarta
E ninguém se farta
Só com 0 dinheiro,
Que p’ra o Juazeiro
Todo o povo parta.
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Fonte:
Fonte:
Francisco Chagas Batista: “Cantadores e Poetas Populares” (1929)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2020)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2020)
Vieira do Paraíso era potiguar de Nova Cruz. Veio para Guarabira ainda criança e viveu no sítio Tananduba até 1928 quando faleceu. Foi amigo de Leandro Gomes de Barros.
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