MANOEL
CABECEIRA
(1845-1914)
Manoel
Cabeceira, natural do Rio Grande do Norte, tendo emigrado com alguns membros de
sua família, no ano de 1870, veio fixar residência no município de Bananeiras,
do Estado da Paraíba. Era cantador repentista; rimava com espantosa facilidade,
sabia ler e escrever. Seu irmão, José Cabeceira, também cantava, porém não
tinha o talento e a veia poética de Manoel Cabeceira, que era um verdadeiro gênio
da poesia popular. Era ele um tipo vermelho e de cabelos enroscados; tinha
muita coragem e não era malvado; gostava da luta.
Nunca
um agressor puxou uma arma para o ferir, que não se visse desarmado imediatamente.
Cabeceira, que não era um perverso tomava-lhe as armas num abrir e fechar de
olhos; dava-lhe algumas quedas e o mandava ir embora. Quando algum Capitão de
Campo não conseguia prender um escravo fugido, era Manoel Cabeceira quem ia
amarrar o negro.
Certa
vez, na feira de Goiana, um delegado de polícia chegando-se a Cabeceira
disse-lhe: “Esteja preso!”. Cabeceira, fazendo um rápido movimento com as mãos,
disse: “E eu o matei!”. O delegado deu um grande pulo e Cabeceira, rindo-se fugiu
por entre a multidão dos matutos feirantes.
Em
1908 tive ocasião de ouvir Manoel Cabeceira cantar na vila de Serraria. Ouvi-o
com grande admiração cantar repentes, meia hora em sextilhas, fazendo as estrofes
todas em rimas fechadas, como fez Camões nos Lusíadas.
Publico
em seguida a celebre peleja de Manoel Cabeceira com Manoel Caetano.
Cabeceira
estava cantando na fazenda “Pedra d’Água”, quando recebeu uma carta do Capitão João
de Melo, de Chã do Moreno, avisando-o de que o Moreno estava tomado pelo
cantador Manoel Caetano.
Cabeceira
ao receber a carta, seguiu imediatamente para Moreno, afim de defender o lugar de
sua residência. Despedindo-se do povo de “Pedra d’Água”, com o seguinte improviso:
O Moreno está tomado
Eu volto e vou defendê;
Mas, se eu apanhar do negro,
Dez anos ninguém me vê.
Ao
chegar em Moreno, foi recebido por Manoel Caetano com a seguinte estrofe:
Manoel
Caetano — Deus vos guarde, meus
senhores,
Que estou cantando bem;
Quem é o Manoel Cabeceira,
Dos cavaleiros que vêm?
Pode ser cantor de fama,
Mas, p’ra mim não é ninguém!
Manoel
Cabeceira — Negro Manoel Caetano,
Focinho de Papa-vento,
Tanto eu tenho de vermelho
Como tu tens de cinzento:
Por que entraste em Moreno
Sem o meu consentimento?
Manoel
Caetano — Não preciso de licença,
Para cantar no Moreno:
Eu para dar em cantor
Ocupo qualquer terreno;
Homem que rouba cavalo
Passa a noite no sereno.
Manoel
Cabeceira — Negro, trate com
respeito,
Não seja tão atrevido;
Passo a noite no sereno
Atrás de negro fugido;
Você pode ser cativo
E andar aqui escondido.
Manoel
Caetano — Senhor Manoel Cabeceira,
Pode inchar o seu “gogó”.
Quanto mais estremecer
Mais eu lhe dou de cipó;
Hoje eu lhe trago apertado
Como rato no quixó.
Manoel
Cabeceira — De
onde veio esse negro
Do cabelo pixaim?
Que está parecendo ser
Da família de Caim?
Nunca gostei de mulato
Porque é gente ruim!
Manoel Caetano — Você me chama de negro
Do cabelo pixaim?
Meu cabelo leva banha
E o seu leva toicim;
Me diga “seu” sarará.
Quanto você deu por mim?
Manoel
Cabeceira — Negro,
encurta essa língua,
Vai conhecer teu lugar;
Olha que eu sou homem branco
Que nasci para mandar;
Eu não sou da tua igualha,
Muleque pé de “xambar”.
Manoel
Caetano — Me comparou com a cabra
Sem eu ser do seu chiqueiro?
Está me chamando negro '
Sem eu custar seu dinheiro?
Se quiser ser respeitado,
Respeite o negro, primeiro.
Manoel
Cabeceira — Negro, podes ir embora,
Porque de ti não preciso;
Tu não podes cantar mais
No terreno em que eu piso;
Aqui, na Chã do Moreno
Caso, confesso e batizo.
Manoel
Caetano — Você a mim não batiza,
Porque já sou batizado,
Não confessa e nem me casa,
Porque eu já sou casado;
Quedê a tua batina
Vigário descoroado!...
Manoel
Cabeceira — Senhor
Manoel Caetano,
Eu sou Manoel Cabeceira,
Tenho montes elevados
Que ninguém sobe a ladeira;
Hoje aqui você verá
Isso, quer queira ou não queira.
Manoel
Caetano — Senhor Manoel Cabeceira,
Mais alta é a Borborema,
Mas eu subo em qualquer canto
Sem temer que o peito gema;
Quanto mais você que é baixo
E que já tomei-lhe a extrema.
Manoel
Cabeceira — Manoel Caetano, eu agora.
Preciso te declarar
Que no assunto cantoria
Nunca achei, tomara achar
Um cantador de viola
Que me fizesse calar.
Manoel
Caetano — Então eu vou dar um pau
Para você se atrepá,
No tronco, eu boto: uma onça,
No meio um maracajá.
Em cada galho um inxu
E no olho um arapuá.
Manoel
Cabeceira — Eu passo fogo na onça
E derrubo o maracajá,
Chamusco os inxus a faixo,
E queimo o arapuá;
Deixo o pau limpo indefeso
P’ra você nele trepá.
Manoel
Caetano — Saiba,
senhor Cabeceira
Que eu vinha em sua batida
Como caetetu por lóca,
E mosquito por ferida;
Você caiu-me nas unhas,
Vai encontrar grande lida.
Manoel
Cabeceira — Saiba,
senhor Caetano,
Que eu andava em sua fama
Como macaco por coco,
Como traíra por lama;
E o peixe aonde se mata
No mesmo lugar se escama.
Manoel
Caetano — Hoje aqui há de vê
Como Caetano dá nó,
Como Cabeceira cai
Como peixe no anzó;
Já que não podes comigo,
Vai caximbá
que é mió.
Manoel
Cabeceira — A
ponte de Caxangá,
Foi feita por girigonça;
Peia é comer de negro,
Negro é comer de onça;
Te prepara p’ra apanhar
Negro da cabeça sonsa.
Manoel
Caetano — A ponte de Santo Antônio
Foi feita por certa escala;
Bacalhau comer de cabra,
E cabra comer de bala;
Você pensa que me dá
Mas você arrasta a mala.
Manoel
Cabeceira — Manoel, vi tua família
Em Punaré de Bondó;
Tua mãe vendia tripas,
E o teu pai mocotó;
Teu avô vendia azeite
Lambuzava tua avó.
Manoel
Caetano — Também vi tua família
Lá no porto de Macau:
Teu pai era um cabra velho
Tocador de birimbau:
Tua mãe uma curuja
Morava em oco de pau.
Manoel
Cabeceira — Ontem eu vi tua mãe
Deitada dentro de um ninho;
Mais tarde foçando a lama,
Com uma argola no focinho,
Manoel
Caetano — Eu também vi tua mãe
Na capoeira amarrada,
Comendo capim de planta
Se espojando encabrestada;
Parece muito contigo,
Tem até a cor rudada.
Manoel
Cabeceira — “Seu”
Capitão João de Melo
Dê licença, sem demora,
E veja eu rasgar um negro
No cachorro da espora!
Manoel
Caetano — Senhores que estão na casa
Do capitão João de Melo
Venham ver como é que um negro
Estraçalha um amarelo!
O
dono da casa, vendo que os cantadores queriam brigar, mandou suspender a
cantoria e procurou evitar o conflito.
Os
dois contendores olharam-se, compreenderam que ambos eram bons repentistas e
tinham coragem igual. Então, apertaram-se as mãos e se tornaram bons camaradas.
Cantaram, juntos diversas outras vezes, mas, nunca mais em desafio.
Nota:
Manoel
Caetano residia em Barra de Santa Rosa, no Estado da Paraíba. Fora cativo;
tendo se dedicado a vida de cantador o seu senhor dera-lhe a carta de alforria.
Caetano teve uma outra peleja com o cantor Rio Preto, que também era negro como
ele; tendo Manoel Caetano vencido o Rio Preto.
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Fonte:
Fonte:
Francisco Chagas Batista: “Cantadores e Poetas Populares” (1929)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2020)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2020)
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