LEANDRO GOMES
DE BARROS
(1868-1918)
Leandro
nasceu no município de Pombal, no Estado da Paraíba. Até aos quinze anos de
idade, residiu na vila do Teixeira, mudando-se então para a cidade de Vitória,
em Pernambuco, onde iniciou a publicação dos seus apreciados folhetos em
versos. Também residiu alguns anos em Jaboatão, transportando-se afinal para o
Recife, onde viveu muito tempo. Foi o fundador da popular literatura poética de
cordel no Nordeste. Escreveu cerca de mil folhetos de versos populares, tendo
tirado dos mesmos mais de dez mil edições. Leandro manejava a sua veia poética
com fantástica facilidade. Foi um escritor que viveu exclusivamente de sua pena
— caso raro no Brasil.
Não
teve outro negócio a não ser o de fazer versos e vendê-los. Muitos outros
folhetistas surgiram depois de Leandro, mas nenhum o igualou. Era o poeta do
povo. Os seus folhetos ainda hoje são os mais procurados. Além de muitos
outros, escreveu os seguintes romances em versos: “História de Alonso e
Marina”, “Rosa e Lino de Alencar”, “Os sofrimentos de Alzira”, “A Índia Neci”, “A
mulher roubada”, “O Príncipe e a Fada”, “A Filha do Pescador”, “O Boi Misterioso”,
“João da Cruz”, “João Lezo”, “A Órfã Abandonada”, “Canção de Fogo”, etc., etc.
O seu gênero principal era a crítica mordaz e a pilhéria. Gustavo Barroso (João
do Norte) referindo-se a Leandro Gomes, escreveu no seu livro o seguinte:
“Repito
o que disse de outras canções anteriores: dificilmente se encontrarão, em
qualquer Folclore do mundo, motejos em versos mais bem feitos de que estes,
devidos à inspiração do grande cantor popular dos Sertões do Nordeste, — Leandro
Gomes de Barros, um verdadeiro Catulo da Paixão Cearense, daqueles ásperos
rincões”.
O
escritor refere-se ao “Debate do urubu com uma nova seita”, escrito por
Leandro.
Leandro
foi na realidade, o rei dos poetas populares do seu tempo.
Neste
livro, inseri algumas poesias do gênero crítico de Leandro. Que o leitor as
analise e faça o seu conceito do talento desse imortal poeta.
A
obra de Leandro, esse inolvidável vate popular do Nordeste ainda está por analisar
com o carinho e critério a que sua inteligência fez jus.
A
custa de seus versos surgiram centenas de cantadores e folhetistas empavonados,
onde ao menor lance de vistas, ressalta a autenticidade do seu gênero poético.
Dá
uma prova disso a galeria de Leonardo Mota onde o cunho da sua poesia não podia
e nem pôde ser oculto.
O FILHO DA
CAIPORA
Eu sou o filho mais velho
Que produziu a Caipora;
Tive por pai o desgosto,
Por mãe a minguada hora,
Por berço o centro da rua.
Por mamadeira uma pua.
Por cobertor a poeira,
Por pano de bunda o chão.
Tive a neve por timão,
E por colo o largo da feira.
Na noite em que eu nasci
Nem uma estrela brilhou,
O sol do dia seguinte
Lá do nascente, voltou;
O mar sentiu um desfalque,
Sofreu a terra um ataque,
O vento não quis soprar!...
A lua escureceu,
A atmosfera gemeu.
E a chuva pôs-se a chorar...
Eu já tinha doze anos
Quando comprei uma calça;
Guardei-a, no outro dia
Foi comida pela traça;
Um cururu meu vizinho
Fez do meu chapéu um ninho.
E engoliu meus sapatos;
Já não tenho o que vestir,
E, à noite, se vou dormir,
Sou ruído pelos ratos.
E o meu irmão mais moço
Inda mais caipora tem,
Esse quando fala em mim,
Diz que passo muito bem:
De noite, lhe doe um braço.
De manhã o espinhaço;
Sustenta as tripas num gancho!
Seus olhos querem saltar;
Chegam-lhe até a negar
A cadeia por arrancho!...
***
O CASAMENTO
O CASAMENTO
Quem é que casa-se agora
Vendo o mundo como está?
_ Tudo ficou as avessas,
De dez anos para cá;
Farinha de mil e quinhentos,
Feijão de mil e duzentos,
Carne a dez tostões o quilo;
Pois não há quem não se vexe
No rio não há mais peixe.
Caça no mato? nem grilo!
Case-se num tempo desse.
Vá constituir família.
Logo o que primeiro compra
É a roupa e a mobília;
Há de preparar a casa
Que é onde o pobre se arrasa:
É preciso fingir-se nobre;
Dizem, e eu certifico,
Que não há defunto rico
Nem pode haver noivo pobre;
Casar-se, fazer-se chefe
De um exército, incorrigível!
Fazer cruz cravar-se nela
Lutar com gênio impossível!
Trabalhar lutar com a sorte,
Cativar-se até a morte;
Isso é o que acho cascudo,
Acho bom que o povo diga:
Não és mestre de bexiga,
Como aguentas o canudo?
Casamento é um ato sério
Que tem o que analisar.
Sustentar uma mulher
Do que ela precisar;
Fazer compras no mercado
Comprar-lhe roupa e calçado.
Leque, chapéus, extratos.
E agora ninguém fale
Em festa de igreja e baile
Reuniões e teatros.
Vamos agora na casa
Ver o que tem precisão,
Vamos entrar na cozinha
Principiar do fogão.
Precisa comprar chaleira,
Uma grelha, uma assadeira.
Caçarola p’ra guisar,
Compra isso já a força.
Diz a mulher; compre louça,
Não tenho em que cozinhar.
Compra aparelho de louça
Para a mesa de jantar,
Compra enfeite para a sala
Para ninguém censurar,
Conserva jarro enfeitado.
Copo que não seja usado.
Sustenta a maldita pompa
Ela os mais velhos dá fim.
Diz sorrindo: só assim
Um novo agora se compra.
Antes de haver este mundo
Tudo do nada constava,
Nem terra, nem luz, nem ar.
Nesta época flutuava;
Deus sem precisar de estudo
Em seis dias formou tudo
Que hoje vemos existir.
De cada bicho um casal.
A Adão não deu igual
Para ele não se afligir.
Adão se vendo criado
A tudo superior,
Mas, não tinha companhia
Fazia queixa ao Senhor,
Deus o fez adormecido
Sem que lhe fosse sentido.
Tirou dele uma costela
E dela fez a mulher.
Dizendo está o que quer,
Se arrume agora com ela.
Adão julgou-se tão rico
Que não soube calcular,
Eva era gorda e formosa
Digna de Adão a amar.
Depois qual o resultado?
Eva com pouco cuidado
Comeu da fruta privada,
Por causa dessa comida
Acabou Adão a vida
No conduru da enxada.
Se Deus o tem feito agora
Ele não casava assim,
Embora ele amasse a Eva
Mas via o tempo ruim.
Havia de imaginar
Primeiro ia se arrumar.
Por outra qualquer maneira.
Ou talvez esmorecia;
Que em tempo de carestia,
Mulher não é brincadeira.
***
O PESO DE UMA MULHER
Não há fardo mais pesado
Do que seja uma mulher
E nem há homem que tire
As manhas que ela tiver.
O que pensar ao contrário
Pode dizer que está vario
E desesperado da fé,
Caiu na rede enganado
Um mês depois de casado
Ele sabe o que ela é.
O rapaz vê uma moça
Fica por ela encantado
Sedutora e feiticeira,
Parece um sonho dourado;
Os lábios parecem mel
Mas tendo a taça de fel
Guardada no coração,
O homem passa e não ver
E só chega a conhecer
Depois que está na prisão.
Pede-a em casamento e casa
Pensa que leva uma joia
Mas, leva é um carcereiro
Que o prende e não dar-lhe boia;
Se a mãe dela for também
Ele vera muito além,
Por onde a fortuna passa
Exclama, fiquei sujeito!
Só a morte me dá jeito
A sair dessa desgraça.
As seis horas da manhã
O homem vai ao mercado
Faz as despesas do dia
Julga que está descansado,
Compra farinha e feijão
Carne, açúcar, café, pão.
Verdura, fruta e toucinho;
Ela diz: não se lembrou?
Por que foi que não comprou
Alho, pimenta e cominho?
Não tem carvão, falta água,
A manteiga se acabou;
Caiu gás dentro do sal,
O açúcar se derramou;
Eu não sei isso o que é,
Inda não coei café
Porque não achei o pano;
A casa não se varreu,
A vassoura se perdeu,
Não achei mais o abano.
A vizinha me tomou
O caldeirão emprestado,
Foi derreter chumbo nele
Quando trouxe-o foi furado,
Tomou-me a colher de pau
Para mexer um mingau.
Trouxe agora sem o cabo
Outra tomou o papeiro;
Empestei o fogareiro,
Este, levou o diabo.
Mas ela diz: Não se zangue
Isso são coisas do mundo;
A jarra ontem furou-se
O coco largou o fundo;
O bule já está sem aza,
A chaleira nova vaza,
A toalha foi no lixo,
Minha máquina de coser,
Mandei mamãe a vender
Para jogar-se no bicho.
Sim, eu vou dizer-lhe logo
Antes que você dê fé,
Você se casou a pouco
Não sabe casa o que é:
A velhinha lavadeira
Chegou-me de uma maneira
Que já vinha sem sentido,
Eu com essa natureza.
Dei-lhe a toalha da mesa
Para fazer um vestido.
Vá comprar outra toalha,
A mesa já está sem forro,
E em mesa sem coberta,
Quem come nela é cachorro;
Eu vou dar-lhe uma notinha:
Preciso também de linha
Para coser e bordar.
Compre um cartão de colchetes,
Uma carta de alfinetes.
Agulha pente e dedar.
Quando for leve a vasilha,
E traga banha com cheiro,
Sim, eu já estava esquecida
De lã para travesseiro,
E encomende um pilão;
Não tem toalha de mão,
É necessário comprar;
Na compra das encomendas
Traga dez metros de rendas
E galão para enfeitar.
Diz a mãe dela: — Menina,
Creio que tu já supunhas
Que tinhas pedido tudo.
Falta com que corte as unhas;
O homem já está se vendo
Com o coração ardendo
Qual pimenta malagueta.
Diz a mulher: é verdade,
Não fiz crochê ontem à tarde
Porque perdi a caneta.
Veja se quando voltar
Não me chega sem dois pentes,
Eu me esqueci de lembrar lhe
Os galfos já estão sem dentes,
Os pires já estão rachados,
E os pratos arranhados.
A sopeira foi embora,
Está a casa em tal grandeza
De não se por mais a mesa
Se chegar gente de fora.
E se o marido disser-lhe:
Mulher não empreste tanto,
Ela aí fica zangada,
Se amua logo num canto,
Pega a maldizer a vida.
Diz que vive sucumbida
Quer ir ao baile não vai
E diz: mamãe foi casada,
Nunca fez conta de nada.
Emprestava até papai.
Mamãe conta que a mãe dela
Era muito bem casada.
Vovô era muito bom
Dava-lhe a vida folgada,
Ela em todo canto ia,
Passeava divertia,
Ia a samba a qualquer hora,
E vovô nem se importava.
Tanto que ela passava
Cinco, seis meses por fora.
Vai consultar a mãe delia
Essa ouve o que ela diz,
Se for uma sogra boa
Diz-lhe faça como eu fiz:
— Seu pai
também tinha isto
Quis fazer de mim um Cristo,
Eu fui quem crucifiquei-o
Você se finja doente,
E gema constantemente
É esse o único meio.
Assim fazem as da praça,
As da civilização.
As roceiras inocentes
Fazem cortar coração:
Casa-se Joana dos porcos
Com Zé de Mané dos tocos
Vão viver em harmonia,
Joana fica em liberdade.
Deita-se logo de tarde
Acorda no outro dia.
Zé bota inhame no fogo
Chama ela para ceia,
Joana ainda ergue a cabeça
Mas com a cara tão feia.
Diz Joana: — Eu s’tou doente
Sinto o corpo todo quente,
Vou tomar um vomitório.
Finge até que vai morrer
Que é para o Zé trazer
A ceia cá no zidório.
Vai o Zé de madrugada
Ao roçado trabalhar,
Diz: — Joana faça almoço
Dez horas hei de chegar;
Joana fica deitada
No zidório
estirada,
E Zé com cuidado nela.
Dez horas ele chegou.
O cachorro que ficou,
Foi quem lavou a panela.
Chega Zé bate na porta
Pergunta: Joana o que tem?
Diz ela: — Estou quase morta,
Não enxergo meus ninguém.
Assim que você saiu
Minha cabeça tiniu,
Não pude me levantar,
E amanheci de um jeito,
Que ainda não tem fogo feito,
Nem fiz o que se almoçar.
Chega seu Zé tão cansado
Inda vai para o fogão;
Coa café, assa carne,
E vai escolher feijão;
Joaninha em cima da cama
Estira a perna reclama
Que o almoço está custando,
Com frases de paciente
Exclama: — Além de doente
A fome está me acabando.
Zé fica quase a chorar
Quando vê dela o vexame,
Toca fogo na panela,
Descasca logo o inhame,
A carne já está assada,
A batata cozinhada,
Vai ver mais lenha no mato,
Prepara logo a farinha,
Diz à cachorra: — Tainha
Negrinha, lave este prato.
Ora Joana que criou-se
De casa para o roçado.
Bota o marido no bolço
Deixando — o impressionado;
E essas civilizadas!
Que já são disciplinadas,
Que faz uma dessa então?
Faz o homem se torcer,
Este sim, pode dizer
Que sofre perturbação,
O indivíduo solteiro
Não sabe a vida o que custa.
Passa por cima da crise
Tempo mau não o assusta,
Mas quando quer se casar
Primeiro tem que comprar
Tudo que a casa precisa,
Dali logo vai sabendo
O que outros s’tão sofrendo,
Porque mulher não alisa.
***
GÊNIO DAS MULHERES
Leitor, eu fui estudar
A conduta feminina,
Encontrei toda matéria
Que pode ter uma mina;
Descobri alguns brilhantes.
Rubis, cristais, diamantes,
E fosforo em quantidade,
Salitre enxofre e carvão,
A mulher no coração
Tem disso uma imensidade.
A língua é contaminada
De matérias inflamáveis.
De muitos fluidos eléctricos,
E corpos desagradáveis;
Tem no peito um gavetão
Deposito de ingratidão,
Ódio, amor e mau costume.
No pé do pulmão esquerdo
Tem um enorme torpedo
Donde dispara o ciúme.
Tem na face duas joias
De um brilho diamantino
Mais belas do que a lua,
Tão fortes como o destino.
No peito um subterrâneo,
E bem no centro do crânio
Um motor que é o juízo,
Nos lábios, o magnetismo
Que atrai para o abismo,
O homem por um sorriso.
Tem bem no pé da laringe
Uma válvula de amargura.
Por onde despede a ira
E entra a maldade pura;
Então ao baço encostado
Tem um cofre preparado
Para cálculos de iludir,
Junto do rim um deposito
Formado ali a proposito
Para o homem consumir.
Foi o que pude estudar,
Nesse gênero de beleza
Há muitas coisas ocultas
Que só sabe a natureza,
Porque vemos na história,
A mulher como uma glória
E um pesadelo eterno.
De manhã é um verão
De tarde é tempo de inverno.
Nas jovens de quinze anos
Encontrei facilidade,
Nas de dezoito e de vinte.
Namoro sem amizade.
Encontrei nas de quarenta,
Quarenta e cinco e cinquenta.
Raio, corisco e trovão,
Muitas espécies de drogas,
Tem se encontrado nas sogras
Com pequena exceção.
A mulher alva e pequena.
De olhar vivo e ligeiro,
Esta faz mais medo ao homem
Do que trovão de janeiro!
A morena magra e alta,
Essa se julga sem falta
Sendo a mais pecaminosa,
Essa do olhar zarolho.
De uma belida no olho,
Jesus! como é perigosa!
Essas magras e pequenas
Dos cabelos mastigados
O homem que a possuir
Tem os dias desgraçados;
E depois se for idosa,
Jesus! como é preguiçosa
E danada por enredo,
Se for uma alva e amarela
O homem que tiver ela
Abra o olho e tenha medo.
Uma dessas se casando
Com homem magro e pequeno
A saliva deles junta
Forma o mais forte veneno,
É pior do que cicuta,
Pois tem força absoluta
E gênio de satanás
Com esta espécie de droga
Quando uma dessas for sogra
Faça ideia ela o que faz!
***
O INFERNO DA VIDA
O INFERNO DA VIDA
Há três tormentos na vida
Que o homem tem porque quer,
Que é um menino enjeitado,
Uma sogra, uma mulher,
Um avô velho também
Ninguém nota o que ele tem,
Mas, só em fazer sermões
E lembrar-se da mocidade.
Aflige a humanidade
Com essas lamentações.
A mulher é uma chaga
Que o homem tem sobre o
Não há remédio que a cure
Só a morte dá um jeito,
É um asmático vexado,
Que traz o homem atacado
Como a tísica pulmonar,
É um aneurisma forte,
Que só por meio da morte
Tem-se alivio desse mal.
A mulher é um peso enorme
Que o homem sempre conduz,
Tem mais peso que o madeiro
Onde cravaram Jesus.
Sogra representa Anás,
O sogro é um Caifás,
Contrário do Salvador;
Os cunhados a multidão
Acusando sem exceção
Cristo nosso redentor.
Uma doença nos olhos,
Uma mulher bem gasguita,
Uma sogra linguaruda,
Haverá quem as resista?
Sogro velho cachaceiro,
Um cunhado caloteiro,
Uma mãe velha importuna.
Qualquer um que assim se vir
E isso tudo possuir
Não diga que tem fortuna.
Se for uma sogra boa
Dessas a quem chamam mãe,
Não deixa sempre de unhar
Embora de leve arranhe;
Mas dessas que tomam o folgo,
Que chamam prova de fogo,
Faz doer membro por membro,
Talvez que mais medo meta,
Do que aquele cometa
Que se esperava em novembro.
Esta recomenda a filha:
— Você não
confie na sorte,
Não consinta seu marido
Calar-lhe o pé no cogote;
Seu pai era um perigoso.
Tão ciumento e maldoso,
Que era um lobo carniceiro,
Veio a mim, eu fui a ele,
Fiz rédea das barbas dele.
Está manso como um cordeiro.
Quando a moça é doméstica,
Diz a velha: — Tu és mole
Vejas não te arrependas,
Quando ninguém te console;
O homem é como o gato.
Deita-se ao formar o salto
Para o rato não fugir,
E com essa macieza
Crava-lhe as unhas e a presa
E trata de o consumir.
A moça sendo de raça
Não é preciso ensinar,
Ela por si desenvolve-se
Pois tem muito a quem puxar,
A mãe era uma serpente
Ferina e incandescente,
Que todos têm medo dela;
Vive o homem neste risco
Morando com um corisco.
Ou com o cometa Biela.
Veja se o pobre diabo
Com uma mulher bem esperta,
Com a sogra dentro de casa,
Esse infeliz não aperta?
A mulher fica enjoada,
Por nada chora zangada.
Diz que ainda deixa o marido,
E a velha na paixão.
Diz a ela: — Tens razão
Pois ele é muito atrevido.
O caso bem imaginado
Uma mulher pesa muito!
E se ela já foi viúva
E trouxe filho do defunto?
Isto é que acho canudo,
O homem suprir de tudo
A quem na miséria achou;
Tem que apertar o cinto
Para poder criar pinto
Que outro galo gerou.
***
A ESPERANÇA DO POBRE
O pobre nasce em um prólogo,
Cria-se sempre lutando,
Aprende quase correndo
E morre ainda esperando,
Planta feijão em janeiro.
Planta milho em fevereiro,
Na fé de matar a fome;
Trabalha que seca o braço.
Chega-lhe a lagarta em março,
Tudo que ele plantou come.
Se faz negócio se enrasca,
Se vende fiado perde,
Se o pai tiver reumatismo,
Não há força que o deserde,
Se planta a chuva lhe falta,
Se chove chega a lagarta,
A formiga e o besouro
Vem tantos que a terra cobre,
Pois, a galinha do pobre
O ovo que põe é goro.
Consulta com a mulher
O que poderá fazer,
Ela diz: — plante um roçado,
Se Deus nos deixar colher,
Apura-se um dinheirinho.
Você compra um cavalinho.
Negocia mesmo pouco.
Ele faz o que ela diz,
E se for muito feliz,
Talvez ainda compre um porco.
O pobre tem a mania
Desde seus antepassados
De dizer: Cristo foi pobre,
Mas foi pai dos desgraçados;
Diz ao filho não se empalhe
Lute na vida e trabalhe.
Tenha animo não se aflija
Pode Deus nos ajudar
Eu uma noite sonhar
E tirar uma botija.
Faz mais de dez mil promessas
Afim de viver melhor,
Não sei se os santos se enganam
Que cada vez fica pior,
Não blasfema, se consola
Do pouco que tem dá esmola,
E cada vez mais se atrasa
Diz-lhe a mulher: Meu marido!
Você está quase perdido
E foi caipora da casa.
Menino pobre e viúva
Qualquer pessoa os engana,
Viúva com casamento,
E menino com banana.
O pobre é fácil enganar,
Com projeto de enricar;
Engana-o como de fato,
Meu avô sempre dizia.
Sempre sempre repetia
Todo homem pobre é pato.
Há um dogma na doutrina
Que nos trata da pobreza.
Há outro também que diz,
Que no céu há bem riqueza.
Os santos não eram pobres
Só se fala em santos nobres
Em São Luís rei de França,
Só o pobre é que se arrisca.
Tendo São Lázaro por isca
Para pegar esperança.
Dizem os padres que esmola
Bota no céu velho e moço,
Diz outro: esmola é vassoura,
Que nos deixa limpo o bolso.
Ouvir missa é devoção.
Presta se toda atenção
A missa, terço e novena,
Pode-se ganhar a palma,
Trabalha-se, salva-se a alma,
Mas a algibeira faz pena.
Por isso digo, a pobreza
Não pode ser boa coisa.
Morre vai para o chão puro;
Tem o monturo por lousa.
Ao passo que o rico morre,
E tudo após dele corre
Lhe oferecendo seu préstimo;
Entretanto morre o. pobre
Tudo de prazer se cobre.
Ri-se até o dia sétimo.
***
A VIDA ALHEIA
A VIDA ALHEIA
O tempo está como vemos,
A crise ainda mais feia,
Só se quer comprar fiado
E falar da vida alheia;
Tudo isto é profissão
Vadiar fazer, plantão.
Fumar beber aguardente
Eu não tenho o que fazer.
Vou ao menos me entreter
Na vida de algum vivente.
Nestes oitões de conventos,
Aonde faz sombra a tarde
Reúne-se cinco, seis,
E o couro da gente arde,
Por vendas velhas quebradas
Quitandas inutilizadas,
Lugar que se toma banho,
Sentam-se dois, três, na areia
Ali sai da vida alheia
Lapos de todo tamanho.
Beira de rio, e bilhar.
Feira e loja de barbeiro.
Ajuntam-se os faladores
Vê-se ali o mundo inteiro
Em fundo de padaria
Matadouro e olaria;
Pedras que se lavam roupa
Ali formam uma sessão
No fim da reunião
Couro de gente da soupa.
Eu como temo o, inferno
Fujo dessas sinagogas,
Não quero que o povo diga
Que eu tenho a língua das sogras;
Embora que eu veja alguém
Que nunca procedeu bem
Tudo que é ruim tem consigo
Furta, bebe, joga e mente,
E um destes certamente
Não se parece comigo.
Desde de muito criança
Que eu abomino enredo
Conto às vezes certas coisas,
Mas é pedindo segredo
Contei uma ocasião
Que o vizinho era ladrão
E uma velha namorava,
Foi apenas o que contei
Ah! agora me lembrei
Disse que um padre roubava.
Uma vez eu conversando
Porém quase em caçoada
Descobri uma viúva
Dessas de caixa encourada,
Rompi a crônica de um frade,
Descobri mais um abade
Que andava com bisouragem
Assim não é ação feia
Que em falar da vida alheia
Nunca pude achar vantagem.
Minha avó era mulher
Que só vivia na calma,
Quem a conheceu, diz hoje,
Os anjos te cuspam n’alma
Tinha o melhor coração
Não deixava confissão,
Toda vida confessou-se
Não dispensava um jejum.
Falso só levantou um
Por ele o pai enforcou-se.
Minha tia que criou-me
Era mulher santa aquela!
Nunca ofendeu neste mundo
A um pinto sendo dela,
Era mansa como ovelha,
Trabalhava como abelha.
Frequentava casas boas
E o que via se passar
Ela podia contar
A oito ou nove pessoas.
Porém estas que hoje vejo.
Têm as línguas de jornal,
Não guardam segredo algum,
Credo em cruz, pelo sinal:
Não são como a minha tia
Que como santa vivia.
Só do céu tinha lembranças,
Não dispensava um jejum,
Pecado só teve um
Foi matar duas crianças.
---
Fonte:
Fonte:
Francisco Chagas Batista: “Cantadores e Poetas Populares” (1929)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2020)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2020)
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