JOSÉ GALDINO
DA SILVA DUDA
(1866-1931)
Nasceu
em 1866
Era
filho da povoação de Salgado, no município de Itabaiana do Estado da Paraíba.
Foi
almocreve durante alguns anos, tendo se dedicado a profissão de cantador, fixou
residência em Recife.
Quase
todos os cantores contemporâneos o chamavam de “Mestre dos Cantadores.”
PELEJA DE JOSÉ DUDA COM MELQUÍADES
José Duda — Senhores Paraibanos,
Hoje é chegado o dia,
Do cantor da Borborema
Me dizer em cantoria,
Qual é o melhor fundamento
Das bases da poesia.
Melquíades — Duda eu lhe aviso
Como amigo e companheiro;
Você vem desafiar-me
Como um cantador guerreiro;
Depois não saia correndo
Em busca de Limoeiro.
José Duda — Eu te corto
de rebenque
Si me botares defeito,
Procure palavra boa
Para me tratar com jeito,
Quem vier cantar comigo
Tem que andar muito direito.
Melquíades não me sujeito
A cantor de capoeira,
Se quer se bater comigo
Saia fora da trincheira.
Luto no campo da honra
Sem pilhéria ou brincadeira.
Melquíades — Este
cantador goteira
Está me fazendo raiva,
Pois eu já cantei na sala
Do senhor coronel Paiva;
Ele me achou sabido
Como o Marquês da Gaiva.
José Duda
— O conselheiro Saraiva
No Brasil foi grande vulto,
Mais eu não ocupo frase
Que tem o sentido oculto.
Cantador de meia cara
É quem vive do insulto.
Melquíades — Não quero
pedir indulto,
Segundo o que me disseste,
Eu nunca levei em conta
Os cantores do nordeste.
Não respeito a outro homem
Quanto mais a um cafajeste.
José Duda — Nem eu a cantor da peste
Que quer cantar no menor,
Em vez se dirigir
Cantando em termo maior,
Quer cantar o que não pode
Para se tornar pior.
Melquíades — Eu só não canto melhor
Porque não acho com quem,
Ouvi dizer que Zé Duda
Estava cantando bem,
Como vive embriagado
Não vale mais um vintém.
José Duda
— Melquíades vamos adiante
Nesta peleja teimosa;
Os povos deste planeta
Têm história amorosa.
Têm notícia comovente
Que acho muito penosa.
Melquíades — Me achei em guerra raivosa
Na linha do Batalhão,
Caí de fome nos campos
Porque me faltou o pão;
Onde vi meus companheiros
Rolarem mortos no chão.
José Duda
— Não fui a revolução
Porque não era soldado,
Mas, sabia da notícia
Do combate ensanguentado
O soldado na campanha
Fica logo flagelado.
Melquíades — Onde o combate era dado
As carroças na rodagem
Formigavam carregadas,
Como quem leva bagagem
A carga era defuntos
Em estado de putrefagem.
José Duda
— O exército com coragem,
Com armas e munição,
O general manda estender
Em linha de posição.
Então se trava o combate
Em defesa da nação.
Melquíades — Mudamos de direção
Que eu quero lhe mostrar:
Uns trabalhando em terra
E outros vivendo no mar
Que para ganhar a vida
Precisa o povo lutar.
José Duda
— Por
hora vamos cantar
O passado e o sofrimento,
Enfrentar o oceano
É lutar com o tormento,
Quem vive a custa do mar
Estuda seu movimento.
Melquíades — Conhecer rumo de vento
Quem sabem são pescadores
Dividem o mar em zonas
Pelos ventos sopradores;
Sem ter estudo de letras
Disso são conhecedores.
José Duda
— O mar é cheio de vapores
Que têm seus comandantes,
Guarnecido por marujos
Que são os seus tripulantes;
Pois o comercio marítimo
É feito por navegantes.
Melquíades — Os heróis são triunfantes
Quando enfrentam o inimigo,
Levados pela coragem
Mergulham para o perigo;
E depois brilha no peito.
As glórias que têm consigo.
José Duda
— Eu sou cantor mais antigo
E Melquíades é recruta.
De vez em quando me ataca
Com uma façanha bruta.
Por causa de Barrabás
Dimas foi preso na gruta.
Melquíades — Um tufão de
força bruta
Levou Manuel Caetano
Junto com seu companheiro
Nas ondas do oceano,
Deixou os dois pescadores
Na jangada sem remo e pano.
José Duda
— Melquíades me diga o ano
Que se deu esse tufão,
Que levou os pescadores
Com violento empurrão;
E depois diga se os náufragos
Ainda escaparam ou não.
Melquíades — Foi em
quinze a aflição
Que Caetano sofreu,
Com quatro dias de fome
Seu companheiro morreu,
E na canoa quebrada
A jangada apareceu.
José Duda
— Sempre no mar ocorreu
Grande tormento fatal.
Infeliz do pescador
Quando cair temporal
Fica perdido nos mares
Bordejando sem canal.
Melquíades — Diversas
vezes Caetano
Com muita fome partia,
Para comer o defunto
Que na jangada jazia,
Quando apalpava o cadáver
A vista lhe escurecia.
José Duda
— Melquíades a cantoria
Está ficando penosa,
Vamos discutir ciência
Ou história amorosa,
Cantoria comovente
Vem se tornar desgostosa.
Melquíades — Durante os
oito dias
Nosso triste pescador,
Comia a roupa do corpo,
Com ova de voador,
Chegou na praia arquejando
Com quatro dias falou.
José Duda
— Quando havia imperador
Em tempos da antiguidade.
Tinha poder de matar
A nossa humanidade.
Os monarcas eram lobos
Com muita ferocidade.
Melquíades — Governo e perversidade
Cortar pescoço a facão.
Lobo homem no poder
Havia em toda nação.
Matavam o povo enforcado
Por ter autorização.
José Duda
— No
tempo da escravidão
Quando se ouvia falar,
Num homem inteligente
O rei mandava matar
Para não inventar coisa
De fazer admirar.
Melquíades — Zé Duda eu até aqui
Inda não tinha cantado,
Mas agora abra seu olho
Que o serviço vai pesado,
Vou lhe botar num estilo
Que você sai apanhado.
José Duda
— Cantador precipitado,
Se tu tens obra escolhida
Carrega em cima de mim
Que tem de ser repelida.
Tu queres botar-me um cerco
Tua vontade é perdida.
Melquíades — Você ainda
duvida
Que eu não tenho talento,
Vou cantar a atmosfera
E todo o seu movimento,
Discutindo sobre a chuva
E a monarquia do vento.
José Duda — O vento aqui no nordeste
Quando vem do ocidente.
Queima as flores mata as plantas
E deixa a terra doente
Aonde esse vento sopra
Quem plantar perde a semente.
Melquíades — O vento que é do levante
É o terceiro cardeal,
Tem seus dois colaterais
Como clima natural,
Lés-nordeste e lés-sueste
São bom como o principal.
José Duda — O quarto vento
cardeal
Na linha do ocidente,
Faz produzir meteoros
É úmido e friamente
Faz aumentar bem as flores,
A lavoura grandemente.
Melquíades — Zé Duda
o vento norte
Nos faz grande oposição
Porque não consente as nuvens
Soltar chuva no sertão.
Salvo quando o vento sul
Vai fastando a empurrão.
José Duda — Melquíades você pensava
Me açoitar no salão.
Mais perdeu o seu trabalho
Agora preste atenção,
Porque descrevendo a lua
Vou passar-lhe uma lição.
Melquíades —No mesmo livro da lua
É que eu quero lhe pegar,
Na lua de cada mês
Faça favor me explicar,
No crescente e no minguante
O segredo aonde estar?
José Duda
— A lua no mês de janeiro
Quando é no quarto crescente
As mulheres deitam galinha,
Os homens plantam semente
E mergulham as manivas
Lavoura da terra quente
Melquíades — As primeiras trovoadas
De janeiro é fertilidade
De pastagem pelo campo,
Nos bosques esterilidade,
Água e vento doentio
Contra o povo há novidade
José Duda
— Na lua de Fevereiro
Quando ouvires a trovoada
É morte de homem rico,
Ano de muita geada,
É bom mudar laranjeira
Onde a terra é temperada.
Melquíades — No crescente em mês de março
É tempo de semear
Melão, morango e pepino
Milho e linho p’ra tratar
É ano de muito vento
Se ouvires trovejar.
José Duda
— Na lua crescente de abril
É tempo de se plantar
Toda espécie de hortaliças,
Os cortiços é bom limpar,
É nos primeiros trovões
Que as uvas vão prosperar.
Melquíades — No crescente
da lua em maio
É tempo de se castrar
Bezerro carneiro e bode
Para poder aumentar;
No minguante se faz louça
De barro para aturar.
José Duda
— No minguante da lua em junho
Vai se bater o feijão,
O povo está preparando
As vazantes no sertão;
Se planta fumo nos brejos
Para colher no verão.
Melquíades — Zé Duda
vamos parar
Por hoje a cantoria,
Eu aqui fico esperando
Que você venha outro dia,
Para cantarmos a lua
Na mesma cosmografia.
José Duda — Eu esbarro a
cantoria
Porque tenho precisão
De viajar muito cedo
Para minha região,
Mas eu inda venho aqui
Findar a nossa questão.
Melquíades — Eu fico em meu quarteirão
Esperando com cuidado,
Quando quiser pode vir
Porque eu sou traquejado
Quem peleja contra mim
Nunca tira resultado.
---
Fonte:
Fonte:
Francisco Chagas Batista: “Cantadores e Poetas Populares” (1929)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2020)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2020)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...