GERMANO
ALVES DE ARAÚJO
“GERMANO LAGOA”
(1842-1904)
Germano
da Lagoa, assim chamado por que residia em Lagoa de Dentro, (Teixeira) nos
limites com o Pajeú. (Pernambuco), era oriundo dos Leitão, cujo tronco
principal foi João Leitão, primeiro donatário dali e dos Nogueira Campos, íncolas
do Pajeú.
Entre
seus ancestrais, encontram-se inteligências poéticas, como a que iluminava ao
seu tio Antônio Nogueira Campos de quem um seu contemporâneo, Joaquim Lopes,
contava anedotas, e relembrava versos.
Uma
feita, estando ele numa festa, o Lopes o interpela, obtendo prontas respostas:
Quem afugenta o demônio?
— Antônio!
Quem é a flor da Ribeira?
— Nogueira!
Quem anda sempre amplo?
— Campo!
E ele glosou:
Abra-se o céu em relampo
E brade a voz do trovão
Que a alegria do sertão
É Antônio Nogueira Campo.
Germano
da Lagoa foi um grande repentista sua especialidade em cantoria era a estrofe
em dez versos, que os cantadores chamam versos dez linhas.
Neste
gênero era ele respeitado pelos outros cantadores. Ninguém, como Germano, fazia
com tanta rapidez e facilidade uma estancia de dez linhas.
Quando
o vigário Bernardo de Carvalho Andrade, em 1888, foi obrigado pelos seus
inimigos políticos, que lhe moveram um processo injurioso, a emigrar da vila do
Teixeira para a cidade de Vitória, em Pernambuco, Germano, que era parente do aludido
vigário, escreveu uma poesia de sátiras terríveis contra o Coronel Delmiro
Dantas, que havia assinado e publicado alguns escritos contra aquele sacerdote.
Vê-se, nos versos a seguir, que Germano da Lagoa não só era um bom poeta como
não tinha medo de atacar os seus inimigos, mesmo que fossem ali homens de alta
posição, como o era Delmiro Dantas.
O VIGÁRIO TEIXEIRA
Não deve ser maltratado
Quem tem bom procedimento,
Quem desde o seu nascimento
É do povo apreciado;
Só tu o tens agravado
Com tua língua grosseira;
Abandona essa carreira
Que tu mesmo compreendes
Que és malvado se ofendes
Ao vigário do Teixeira.
Raça de animal anfíbio.
Conhecido cangaceiro,
Assassino e desordeiro,
Coração perverso e tíbio,
Fala de um de teu calibio;
Que tenha a tua maneira;
Tua língua traiçoeira
Até aos santos maltrata,
Somente tu achas falta
No vigário do Teixeira.
Caçando nos quatro ventos
Que compreendem o Brasil,
Não há animal tão vil
Que tenha os teus pensamentos,
Que são mais sanguinolentos
Do que a cobra mordedeira.
Aranha caranguejeira,
Coração de iniquidade,
Abusaste da bondade
Do vigário do Teixeira.
***
DO CÉU TERÁS O CASTIGO
Agora ficou provado
Que procedes de Caim;
Nunca vi um tronco ruim
Dar um fruto apreciado.
Tens um instinto malvado.
Do direito és inimigo!...
Eu em verdade te digo
Que o diabo é teu sócio;
Tu com Deus não tens negócio;
Do Céu terás o castigo!
Alma que o diabo enjeitou,
Língua que a terra não come;
Maldito seja o teu nome;
Na terra que te criou,
O diabo te atentou,
Tomaste ele por amigo;
Eu te renego e maldigo!
Coração vil e tirano,
Se permaneces no engano,
Do Céu terás o castigo!
***
O CASAMENTO DE UM GALANGRO
Foi um calangro na casa
De seu tio papa-vento.
Tomou-lhe a benção e disse.
Antes de tomar assento:
Venho lhe pedir a mão
De sua filha em casamento.
Papa-vento respondeu-lhe:
Tua linhagem descobre
Que inda és meu parente.
Descendes de sangue nobre.
Mas não te dou minha filha
Porque tu és muito pobre.
Bem conheço que sou pobre,
Não é preciso que diga,
Mais não se fala em pobreza
Quando um forte amor se liga,
Vai mais que o senhor me a dê
Do que haver uma intriga.
Papa-vento respondeu-lhe:
Em vista do teu assunto
Eu como pai de família
Uma coisa te pergunto:
Se fora do dia de hoje,
Com ela já andaste junto?
Calangro lhe respondeu:
Meu tio deixe de asneira,
Que fora do dia de hoje
Temos feito é muita cera
E temos andado juntos
Uma semana inteira.
Papa-vento disse: Isto
Que me diz é uma afronta,
Você é um atrevido
E minha filha uma tonta;
Pode ir botar os banhos
Que a dispensa eu dou pronta.
Calangro saiu aos saltos
De tanto contentamento,
Não parava mais em casa
Não trabalhava um momento,
Passava dias e noites
Em casa do papa-vento.
Papa-vento, quengo velho,
Mestre na velhacaria,
Disse a mulher: — Que vem ver
Calangro aqui todo dia.
Tome cautela com ele,
Viva com a noiva de espia.
No outro dia Calangro
Foi de novo ver a prima,
Achou-a longe de casa
Trepada em um pé de lima
Calangro falou embaixo
Ela respondeu-lhe em cima.
Disse ela então ao Calangro;
Não sabes, meu namorado?
Que esta noite, eu vi papai
Paliando bem agastado,
Calangro disse me conte
O que por lá foi passado.
Papai disse a minha mãe
Que queria lhe pedir
Para que você deixasse
De tantas vezes lá ir,
E se ele isto fizer
Só tem de ver eu fugir.
Calangro olhou para a prima
Achou-a muito amarela,
Foi ao papa-vento e disse:
Fique com sua donzela
Que eu não sirvo p’ra remendo,
Cace outro e case ela.
Papa-vento disse: — Isso
Não é coisa que se faça
Se seu pai não der um jeito
Você não gosta da graça;
Ou casa comi minha filha
Ou se acaba a nossa raça.
Foi a noiva se queixar
Ao pai de seu namorado
Disse ao velho: — Meu tio
Tenha dó de meu estado
Pois eu não sou cão sem dono;
Calangro está enganado.
Se o senhor não der um jeito
Eu me queixo ao delegado,
Meu pai tem dinheiro e gasta
E é feio o resultado;
Seu filho está bem moço
Poderá ser recrutado.
O pai de calangro disse:
Não tenho jeito a lhe dar;
E a noiva, dali mesmo
Saiu para se queixar
Ao capitão cururu
Delegado do lugar.
Cururu ouviu a queixa
E saltou fora do poço,
Dizendo entusiasmado,
Vamos ter barulho grosso;
A Excelentíssima volte
Que eu mando prender o moço.
Tocou logo uma buzina
Que ficou tudo assombrado,
Numa hora o alagadiço
Estava cheio de soldado,
Tudo gritando a um tempo
Às ordens! seu delegado!
— Vão em casa
do juiz
Para passar o mandado
Ao oficial de justiça
Quero o Calangro intimado
E se ele resistir
Venha morto ou amarrado.
O cabo disse ao sargento;
— Bote os
soldados na frente,
Eu não vou que sou casado,
Calangro é homem valente.
Se ele pegar nas armas
Mata hoje muita gente.
Aí disse o oficial,
Vão indo devagarinho,
Primeiro, cerca-se a casa,
Empiqueta-se o caminho,
Vocês segurem o cerco
Que eu pego o homem sozinho.
O oficial era o gato
Que conduzia o mandado,
Calangro quando ouviu
Dizer que estava cercado
Disse de dentro p’ra fora:
— Não deixo
vivo um soldado.
O gato aí respondeu-lhe:
— Quem vai dar leva seu saco;
Saia fora, vamos ver
Quem de nós dois é mais fraco.
Nessas palavras calangro
Veio a boca do buraco.
O gato pulou de cá
E pegou-o pelo rabo,
E foi dizendo se renda
Se não eu já o acabo,
Calangro grita estou preso;
Vá acabar com o diabo.
Nesta luta que tiveram
Deixaram o calangro nu
E assim mesmo o levaram
À vista do cururu
Que o interrogou dizendo:
— O que é que
fizeste tu?
Disse o calangro o que fiz,
É coisa que não ofende,
Eu quis casar com a prima
E... o senhor bem me entende
Julgo até que não tem crime
Quem com tempo se arrepende.
Cururu disse: — o senhor
Caiu num feio artigo;
E para punir a honra
Sou rigoroso consigo;
Ou se casa, ou senta praça,
Ou a forca é seu castigo!
Eu não queria casar
Porque me vejo em atraso
E não quero assentar praça
Para ser soldado raso;
Em vista do que me diz
Se hei de morrer, antes caso.
Disse o cururu: — Vão ver,
P’ra casa do papa-vento
O padre tamanduá,
E deem à festa andamento.
Por que de hoje a três dias
Se fará o casamento.
Convidem dona Raposa
P’ra da noiva ser madrinha,
Ela veja se arranja
Por lá alguma galinha
Para ajudar na festa,
Que a outra despesa é minha.
Foram ver o teju-açu
P’ra do noivo ser padrinho;
Esse, disse ao portador
Quando vinha no caminho:
Se houver ovos, eu vou.
Por que hão bebo vinho.
E outra coisa, também,
P’ra eu não ir enganado:
Sabe se o major cachorro
P’ra festa foi convidado?
Se foi, eu volto daqui.
Que ele é meu intrigado...
Finalmente se juntaram
A raposa, o teju-açu,
O papa-vento e a mulher,
A seriema, o urubu,
Padre, noivos, convidados.
Só faltou o cururu.
Urubu foi cozinheiro;
Fez um comer muito ruim,
Adquiriu para o padre
Uns pedaços de cupim,
E ele comia dizendo
É pouco, só dá pra mim.
Quando estava posta a mesa
Um guarda, a porta espiava;
E foi então avisar
Que o cachorro chegava
Teju-açu levantou-se
E disse que não ficava.
Disse a raposa: — Eu não saio
Deixando o meu prato cheio,
Teju-açu disse: — Eu corro
Que o barulho aqui é feio.
Nisto o cachorro pegou-o
E cortou-lhe o rabo ao meio!
Saiu o teju-açu
Danado pela floresta
Levando pedras e paus
Tudo de eito na testa;
Encontrou cameleão
Que inda vinha p’ra festa.
Cameleão quando ouviu
De seu parente a zuada,
Assombrado perguntou-lhe:
— O que há meu
camarada?
Temos barulho na festa,
Ou me vem com caçoada?
Caçoada, o que seu mano,
Foi um barulho do diabo;
Major cachorro chegou
Pior do que um leão brabo,
Botou-se primeiro a mim
Olhe o que me fez no rabo!
Numa luta sanguinária
Se empenharam os convidados
Os que escaparam com vida
Fugiram ensanguentados;
Desde esse dia ficaram
Os animais intrigados.
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