FRANCISCO
ROMANO
(1840-1891)
Romano,
natural do saco da Mãe d’Água, no município do Teixeira, onde sempre residiu,
era filho natural de um dos membros da família Caluete. Foi pai do talentoso
cantor Josué Romano e era irmão do cantador-cangaceiro Veríssimo.
Foi
o mais célebre cantador do seu tempo. Deixou dois discípulos: José Patrício e Silvino
Pirauá Lima.
As
suas principais pelejas foram: o seu desafio com Manoel Carneiro, em Pindoba,
no Estado de Pernambuco, e seu martelo com Ignácio da Catingueira, na cidade de
Patos.
Destas
duas pelejas existem diversas cópias que não são as autênticas, — são versos
feitos por outros cantadores e que erradamente se atribuem a Romano. Assim, não
é verdadeiramente de Romano e Ignácio o desafio publicado no “Cancioneiro do
Norte”, de Rodrigues de Carvalho, que foi escrito por Ugolino; como também não
é de Romano e Ignácio a peleja publicada no livro “cantadores” de Leonardo Mota,
que foi escrita e publicada em folheto por Leandro Gomes de Barros, em 1910.
Também
é de outro autor, — dizem que de Germano da Lagoa — a “Porfia”, publicada no
livro “Violeiros do Norte”, de Leonardo Mota, atribuída a Romano e a Carneiro.
As
mais originais dessas pelejas de Romano com Ignácio da Catingueira e Romano com
Carneiro, são as que vão aqui publicadas, cujas cópias foram fornecidas por
Silvino Pirauá, o ''discípulo amado'' de Romano, que tinha cópias de todas as
suas poesias. Publico, abaixo, a peleja de Romano com Ignácio da Catingueira,
realizada em Patos, no ano de 1879 na casa do mercado, com a assistência de quase
toda população dessa cidade.
MARTELO DE ROMANO COM IGNÁCIO
Romano — Ignácio,
vieste a Patos
Procurando quem te forre,
Volta p'ra
traz meu negrinho
Que aqui ninguém te socorre;
E quem cai nas minhas unhas
Apanha, deserta ou morre.
Ignácio — Romano, eu vim a Patos
Pela fama do senhor,
Que me disseram que era
Mestre e rei de cantador;
E que dentro de um salão
Tem discursos de um doutor.
Romano — Ignácio, meu pai foi pobre.
Por isso eu não estudei.
Porém, as primeiras letras
Na escola as decorei;
Mas, à falta de recursos,
Meu negro, eu não me formei.
Ignácio — Eu bem sei que “seu” Romano
Sabe ler, sabe contar.
E não é como o Ignácio
Que não sabe assoletrar;
Mas nasceu com dote e sina
No mundo para cantar.
Romano — Ignácio, O meu martelo,
Por bom ferreiro é forjado;
Tanto ele é bom de aço,
Como está bem temperado;
A forja onde ele foi feito
É toda de aço blindado.
Ignácio — “Seu” Romano, eu lhe garanto
Que resisto ao seu martelo;
Ao talho do seu facão.
Ao corte de seu cutelo;
Se eu não morrer na peleja.
Lhe vencerei no duelo.
Romano — Ignácio, eu quando me zango
Tenho a força do zebu;
P’ra gente de tua cor,
Sou pior que canguçu;
Rasgo, estraçalho, devoro.
Mato negro e como cru.
Ignácio — “Seu” Romano, eu me zangando,
Devoro, sem compaixão.
Corto mais do que navalha.
Furo mais do que ferrão.
Queimo mais que fogo em brasa,
faço tremer coração.
Romano — Ignácio, se tu pretendes
Contra mim te armar em guerra,
Verás eu tirar-te a vida.
Deixar-te inerme, na terra,
E botar no teu cadáver.
Serra por cima de serra.
Ignácio — ‘‘Seu” Romano, eu tenho visto
Cantor que diz que é sabido,
Vir pelejar contra mim,
Mas, quando se ver perdido,
Chora pedindo desculpas
Dizendo: — Eu estava iludido.
Romano — Ignácio as tuas façanhas,
Eu delas não faço conta,
Tu te opondo contra mim
Dás murro em faca de ponta;
Eu monto no teu cangote
Mas no meu ninguém se monta.
Ignácio — “Seu” Romano não faz conta
Porem eu hoje desmancho
Tudo o que o senhor fizer:
Toco-lhe fogo no rancho.
Cuide em si que o negro velho
Dá-lhe um serviço de gancho.
Romano — Ignácio, eu estando irado,
Faço estremecer o sul!
Solto bomba envenenada
Com raios de fogo azul;
Tenho a força de Sansão
E a coragem de Saul.
Ignácio — E se Ignácio se zangar
Se abala o sol, o mar geme;
Estremece a atmosfera,
Cai estrela, a terra trem e;
Pega fogo o mundo em roda
E nada disso o negro teme...
Romano — Hoje aqui tem de se ver
Relampos de caracol,
Os nevoeiros pararem
E eclipsar-se o sol;
Secarem as águas do mar
E eu pescar baleia de anzol.
Ignácio — Hoje aqui tem de se ver
Como o ferreiro trabalha,
Como se caldeia o ferro,
Como o aço se esbandalha;
Como se broqueia a pedra
Como se estoura a metralha.
Romano — Ignácio, olha que eu tenho
Força e inteligência,
Não me falta no meu estro
A veloz reminiscência;
Muitas vezes tenho dado
Em cantor de alta ciência.
Ignácio — “Seu” Romano eu só garanto
É que ciência não tenho,
Mas para desenganá-lo
Cantar consigo hoje venho;
Abra o olho, cuide em si,
P’ra não perder seu desenho.
Romano — Meu Deus, o que tem Ignácio
Que no cantar se atrapalha?
Sustenta o ferro na mão,
Que estou.na primeira entalha,
Teu ferro está se virando
E o meu não mostra falha.
Ignácio — Meu Deus, que tem “seu” Romano
Parece que está doente?
Está temendo a desfeita,
Ou o bote da serpente,
Ou está com medo de Ignácio
Ou com vergonha da gente.
Romano — Ignácio, eu tenho cantado
Com muito homem de tino;
No sul, com Manoel Carneiro,
No Sabugi, com Ugolino,
Como não canto contigo
Que és fraco e pequenino?
Ignácio — “Seu” Romano, abra os olhos
Com esse preto moreno
Tenha medo da botada
Da serpente e do veneno;
Eu já tenho visto grande
Apanhar d um fraco e pequeno.
Romano — Ignácio, a tua fama
É só lá na Catingueira,
Para o saco da mãe d’água,
Tu não sobes a ladeira;
Juro com todos dez dedos
Que tu não vais ao Teixeira.
Ignácio — Meu branco não diga isso
Que o senhor não me conhece,
Veja quando o sol sair
Com a luz resplandece
Olhe para os quatro lados
Que o negro velho aparece.
Romano — Ignácio eu inda me abalo
Lá da serra do Teixeira,
Levo meu mano Viríssimo
Vamos dar-te uma carreira.
Dar-te uma surra em martelo
E tomar-te Catingueira.
Ignácio — Meu branco, eu dou-lhe um conselho.
Se voimincê
me atende;
Se for para nós brincarmos
Pode ir que não me ofende,
Mas p’ra tomar a Catingueira
Não vá não que se arrepende.
Romano — Ignácio, tu nunca viste
Eu mais meu mano em serviço.
Somos como dois machados
No tronco de um pau maciço;
Um é raio abrasador,
Outro é truvão inteiriço.
Ignácio — Eu bem sei que ‘‘seu” Veríssimo
No martelo é rei c’roado;
Mas, leve ele à Catingueira
Muito bem apadrinhado,
E verá como é que apanha
O padrinho e o afilhado.
Romano — Eu já tenho dado em touro
Que quando ronca estremece.
Tenho domado leão
Até que ele me obedece;
Já dei em muitos cantores,
Mas nunca achei quem me desse!
Ignácio — Com touros e com leões,
“Seu” Romano já brigou,
Mas se o povo se acalmar
Eu hei de mostrar quem sou;
Quero dar em “seu“ Romano
Que diz que nunca apanhou.
Romano — Meu Deus, que tem este negro
Que no cantar se maltrata!
Agora, Romano velho
Canta um ano e não se mata;
Quanto mais canta mais sabe
E nó que dá ninguém desata.
Ignácio — Eu bem
sei que “seu“ Romano
Está na fama dos anéis;
Canta um ano, canta dois,
Canta seis, sete, oito e dez;
Mas o nó que der com as mãos
Eu desato com os pés.
Romano — Latona, Cibele, Reia,
Ires, Vulcano, Netuno,
Minerva, Diana, Juno,
Anfitrite, Androqueia,
Vênus, Climene, Amalteia,
Plutão, Mercúrio, Teseu,
Júpiter, Zoilo, Perseu.
Apolo, Ceres, Pandora;
Ignácio desata agora
O nó que Romano deu!
Ignácio — "Seu” Romano, deste jeito
Eu não posso acompanhá-lo;
Se desse um dó em martelo
Viria eu desatá-lo;
Mas como foi em ciência
Cante só que eu me calo.
Romano — Ignácio, eu reconheço
Que és bom martelador,
Mas, agora que apanhastes.
Dirás que tenho valor;
Porque eu em cantoria
Não temo nem a doutor.
Ignácio
da Catingueira, era analfabeto, nasceu cativo; o seu senhor o fazendeiro Manoel
Luiz, vendo o seu talento poético, deu-lhe a carta de alforria.
PELEJA DE ROMANO COM CARNEIRO
Carneiro — Romano há muito
tempo
Que eu estou bem informado
Que você é bom cantor,
Eu vivia preparado
Para ouvi-lo, felizmente
Nosso dia foi chegado.
Romano — Carneiro eu não sou tanto
O quanto o povo lhe diz
Mas, queira Deus que você
Comigo seja feliz;
Desde já faça seu plano
Porque o meu eu já fiz.
Carneiro — Romano eu
desejava
Saber qual foi a razão,
Que obrigou a você
Descer lá do seu sertão:
Se vem à mata cantar
Ou traz outra precisão?
Romano — Carneiro eu vim à mata
Pela precisão que tinha
De comprar para negocio
Umas cargas de farinha,
Se não fosse o interesse
De passeio eu cá não vinha.
Carneiro — Porém, porque o senhor
Não procurou um lugar
Mais perto de seu sertão
Onde pudesse comprar;
Suas cargas de farinha
E de lá mesmo voltar.
Romano — Carneiro a minha resposta
É curta porem exata,
Eu quis vir até Pindoba
Por ser mais dentro da mata;
Há abundância de roça
E a farinha é mais barata
Carneiro — Romano você me diga.
De Pindoba quando sai;
Se volta quero saber
Se segue p’ra onde vai,
Não é feliz o cantor
Que nas minhas unhas cai.
Romano — O que eu pretendo fazer
Nunca gostei de contar.
Mesmo o senhor não é padre
Nem eu vim me confessar.
E eu não sou réu de polícia
P’ra o senhor me interrogar.
Carneiro — Romano
chegou o dia
Que eu hei de ficar ciente
Se você é bom, cantor
Como me diz muita gente,
Eu hoje sei se o povo
Me fala a verdade ou mente.
Romano — Carneiro você mais tarde
Tem disso provas sobradas,
Não se esqueça do rifão
Que onde há campo e espadas
Para quem quer combater
As razões são escusadas,
Carneiro — Romano eu
em cantoria
Possuo fama e valor,
O meu nome é respeitado
Por todo e qualquer cantor;
Este lugar me pertence
Dele só eu sou senhor.
Romano — Francisco Solano Lopes
Teve a fatal ilusão.
De propor guerra ao Brasil
Perdeu a vida e a ação
E deixou o Paraguai
Sujeito à nossa nação.
Carneiro — Romano se
este é seu plano,
Eu lhe juro que ele erra,
Pois lenho força e coragem
P’ra defender minha terra;
Sou um desses marechais
Que se distrai com a guerra.
Romano — Napoleão Bonaparte
Foi sem par como guerreiro,
Mas pelo exército inglês
Foi feito prisioneiro!
Isto que se deu com ele
Hoje se dá com Carneiro.
Carneiro — Romano eu
para cantar
Tenho bastante estudado,
E hoje então já me acho
Em Pindoba entrincheirado;
Aqui nunca entrou cantor
Que não saísse apanhado.
Romano — Tudo depende da sorte
A fortuna é lisonjeira,
Tem se visto general
Abandonar a trincheira!
Eu de apanhar não me lembro
Minha vitória é certeira.
Carneiro — Romano
este terreno
Onde eu moro é circulado
Por um muro muito forte
Que nunca foi abalado.
Eu quero lhe prevenir
Que você veio enganado.
Romano — O forte de Humaitá
Causava a todos, terror
Mesmo assim não impediu
Que ali passasse vapor;
Eu enganado não venho
Quem se engana é o senhor.
Carneiro — Romano a
minha casa
É dentro de um grande forte,
Que quem se atrever tomá-lo
Diga que nasceu sem sorte;
Cantador que eu prendo nele
Só se liberta por morte.
Romano — Já tem se visto paredes
De pedra e cal aluírem,
Por força superior
Tombar, pender e caírem!
Abrir-se fortes prisões
E os presos delas saírem.
Carneiro — Romano eu
nunca encontrei
Quem me pusesse embaraço,
O meu martelo é de bronze,
O cabo dele é de aço...
Nunca aqui veio cantor
Que fizesse o que eu faço.
Romano — Carneiro eu não conheço
Quem com prozas me admire,
Não há bronze que eu não tore,
Nem aço que eu não vire,
Nem cantador de seu jeito
Que numa hora eu não tire.
Carneiro — Romano não
resta duvida
Que você está iludido,
Garanto que seu orgulho
Desta vez é abatido.
Nove meses me abarraco
Mas não me dou por vencido.
Romano — Carneiro eu não tenho orgulho,
Sou manso como um cordeiro,
Porem ninguém com parolas,
Não me convence ligeiro.
Me abarraco nove meses
Até vencer o Carneiro.
Carneiro — Romano
você não sabe
Quem eu sou quando me assanho,
Não deixo na minha terra
Prosar cantador estranho;
Eu sou um Carneiro velho.
Que morre pelo rebanho.
Romano — Carneiro e eu costumo
Em qualquer parte que chego
Obrigar cantor valente
Se humilhar, chegar-se a rego.
Você é Carneiro velho
Mas hoje fica borrego.
Carneiro — Romano
você perdeu-se
Nesta viagem que fez,
Fatalmente o meu colega
Tem de deixar desta vez:
Os filhos na orfandade
E a mulher na viuvez.
Romano — Do dizer para fazer
Vai muita coisa Carneiro,
Você pretende vencer-me
Mais eu o venço primeiro;
É quando vira o feitiço,
Por cima do feiticeiro.
Carneiro — Romano
você me diga
Por quais terras tem andado,
Quantos livros já tem lido
Que tempo tem estudado.
Quantos anos tem de idade,
Que cantores tem tirado?
Romano — Tenho trinta e cinco anos,
Sou muito pouco corrido.
Quase nada estudei
Poucos livros tenho lido,
Vinte cinco cantadores
De fama tenho vencido.
Carneiro — Romano eu até aqui
Não achei competidor,
Sou um Carneiro orelhudo,
Meu chifre causa terror;
Minha lã é uma couraça
Que assombra cantador.
Romano — Minha vinda nesta terra
Só foi pegar-lhe, Carneiro,
Cortar-lhe a lã e o chifre
Deixá-lo prisioneiro,
Assiná-lo para sempre
Desterrá-lo do chiqueiro.
Carneiro — Romano eu
não desconheço
No cantar sua eloquência,
Porém não é em martelo
Que o cantor mostra ciência;
Nas letras é que se sabe
Quem é que tem competência.
Romano — Carneiro vamos então
Em um ABC completo:
Com o A escrevo Anacleto
André, Augusto, Abraão,
Amaro, Atanásio, Antão,
Apolinário, Adelino,
Agostinho, Alexandrino,
Aprígio Antero, Adriano,
Anastácio, Aureliano,
Aleixo, Ambrósio, Avelino.
Carneiro — Romano, eu
devo ser franco
Pois, não sou absoluto;
Confesso que desse jeito
Não lhe acompanho um minuto;
Me considero vencido;
Cante só que eu o escuto.
---
Fonte:
Fonte:
Francisco
Chagas Batista: “Cantadores e Poetas Populares” (1929)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2020)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2020)
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