ASTRO DA RUA
Fazia
ontem já tarde um nevoeiro espesso.
—
Que insônia em mim produz este úmido vapor!
Eu
vinha enfastiado, ou turvo, enfim confesso,
Dos
fumos do café, da luz e do rumor.
Um
fantástico véu cobria as longas praças;
E
o gás ria através da grande cerração
Que
em lágrimas descia ao longo das vidraças
E
em flocos de alva neve umedecia o chão.
Eu
mesmo achava em tudo um tom maravilhoso.
Dispus-me
a crer no céu a amar este ideal:
De
súbito eis que passa um astro radioso
Luzindo-me
através do mágico cendal!
Que
vaga exalação ó coisas vis que adoro!
Que
belo olhar de Deus, deixai-me assim dizer!
Pelo
sulco de luz julguei um meteoro,
Pelo
aroma sutil sonhei uma mulher!
Passou
porém, fugiu: no fim eis em resumo
A
sua breve história! O sonho é sempre assim!
Há
coisas que ao passar ainda deixam fumo:
Aquela
só deixava um vácuo dentro de mim.
Arcanjos
caminhai, que eu espero o grande dia
Da
nossa atirou vingança, ó déspotas do céu!
Nossa
alma anda algemada à vossa tirania
Mas
há de erguer-se a escrava... — Assim dizia eu
E
a mesma aparição de novo a deslumbrar-me!
De
novo a mesma aurora o espaço a iluminar!
Agora
pude vê-la e posso recordar-me
Dos
abismos de luz que havia em seu olhar.
O
astro vinha envolto em nuvens de escumilha:
De
resto era uma fada, eu mais não sei dizer.
Deixava
atrás de si um aroma de baunilha
De
um louco se abismar de um pobre enlouquecer!
Quem
quer que sejas tu, que sejam sempre belos
Teus
céus sem vendaval, teus dias sem revés!
Feliz
de quem puder beijar os teus cabelos
E
aos lábios aquentar os teus pequenos pés!
—
Dizendo caminhei. Porém novo prodígio!
Ainda
a perseguir-me a mesma aparição
E
eu ainda sentia o lúcido vestígio
Que
há pouco em mim deixara a outra exalação!
Mas
agora reparo, atento na sua chama!
Que
olhar tão insolente, o céu não luz assim!
Na
gaze que ela arrasta há um debrum de lama,
Na
face macerada uns traços de carmim!
Oh!
astro! Enfim conheço a órbita que traça
O
teu curso veloz! Bem sei onde tu vais!
Prossegue
no teu giro em volta dessa praça
E
Deus te dê mais luz e menos lamaçais.
QUANDO MARTA MORRER
Quando
Marta morrer, depois do extremo arranco,
Não
tratem de orações;
Desprendam-lhe
o cabelo e vistam-na de branco
À
moda das visões.
Desejo
vê-la então passar desta maneira
Depois
de tal revés,
Por
entre a chama azul e tênue da poncheira
No
fumo dos cafés.
Aquele
bom país das pálidas quimeras,
Monotonia
azul;
Não
temam que ela vá no fogo das esferas
Queimar
o véu de tule.
Assusta-a
muito o frio, a chuva, o sol dos trópicos
A
nuvem triste e vã,
E
podem-lhe prender os pés tão microscópicos
As
névoas da manhã!
De
noite ela virá com seus trajes singelos,
Arcanjo
doutros céus,
Nos
suspiros febris dos meigos violoncelos
Dizer-nos
mal de Deus.
Contar-nos
porque foge à doce transparência
Que
o céu formoso tem,
Meiga
filha gentil da mesma decadência
Que
é nossa boa mãe.
Se
as lágrimas de luz que chora o firmamento
Em
noites de luar,
Ao
seu pescoço nu pudessem, num momento,
Cingir-me
num colar;
Decerto
ela daria ao pálido cometa
E
à estrela trivial,
A
mesma adoração que dava à cançoneta
Que
amou até final!
E
à saída do circo, ao astro romanesco,
A
noite iria, então,
Contar,
ainda a sorrir, o ardor funambulesco
Do
lívido truão!
Assim,
não quer ouvir aos coros invisíveis
Um
hino de enfadar,
Cantado
por milhões de arcanos insensíveis
Sem
um que a possa amar!
E
não lhe esquecem nunca os rápidos instantes
Do
que ela amava mais:
—
a vida iluminada à luz dos restaurantes
Num
sonho de cristais!
AS VÍTIMAS
Eu
vejo muita vez e raro já me assombro
—
minha alma tanto afiz às tristes comoções!
Na
rua, junto a mim, passar ombro com ombro
No
trânsito penoso as longas procissões,
De
vítimas da sorte e vítimas do mundo!
Umas
boas, gentis, outras feias, cruéis,
Envoltas
num sudário ou num burel imundo;
Nas
pompas teatrais, nas galas dos bordéis,
Não
são filhas do sonho ou criações quiméricas
Da
mente alucinada, ou vagos ideais;
São
magros peitos nus, são faces cadavéricas,
São
as tristes, as vis desolações carnais.
São
pequenos sem pão que vão pedindo esmola
Nas
lamas encharcando os regelados pés:
Que
dormem nos portais, que nunca vão à escola
—
flores que enfeitarão a noite das galés!
São
aquelas gentis e pobres costureiras
De
peito comprimido; anêmica expressão;
Que
passam a tossir, cansadas, com olheiras,
Ganhando
em todo o dia apenas um tostão,
Curvadas
a coser o lânguido veludo,
O
irritante cetim dos grandes enxovais,
Das
princesas do Banco, herdeiras disto tudo;
Depois
indo morrer nos tristes hospitais!
São
os pobres heróis que os seus irmãos combatem;
Que
morrem sob o peso enorme dos canhões,
E
o cortejo de mães pedindo aos reis que as matem
E
os reis fazendo rir das suas maldições!
São
da lúgubre noite umas flores sem nome
Batidas
muito já dos grandes vendavais,
Que,
porque sentem frio ou porque sentem fome,
Derramam
pelo seio aromas triviais
E
fingem depois ser aparições divinas,
Erguendo
um pouco a saia, a fímbria sensual,
Abrindo
um vil leilão de beijos, nas esquinas,
Aos
apetites vis da multidão brutal!
São
mineiros sem luz; são velhos britadores,
Que
o contato da pedra um dia endureceu,
Queimados
pelo sol, gelados nos horrores
Do
túmulo cruel que em vida os recebeu!
São
aqueles heróis, enfim, dos grandes sonhos,
Que
sentiram na terra as vastas corrupções
E
às turbas apontando uns mundos mais risonhos
Tentaram
espedaçar os últimos grilhões
E
que passam também um tanto contristados,
Talvez
cheios de tédio, ao verem que hoje, nós,
Os
deixamos seguir ainda apedrejados
Não
raro desprezando a sua augusta voz!
E
a grande multidão de mártires sublimes,
De
tristes seminus, constante a caminhar,
Aos
céus erguendo as mãos, queixando-se dos crimes
Dos
déspotas que aos pés não cessam de os calcar!
A
fila tenebrosa, a procissão de vítimas,
Aumenta
mais e mais; não deixa de crescer!
E
do estigma cruel das penas mais legítimas
Em
muita fronte bela um traço podeis ver!
Caminhe
muito embora: a sorte é sempre vária
E
a turba sofredora, ó grandes bem sabeis,
Podia
dividir a túnica cesárea
Lançando
aos que estão nus a púrpura dos reis!
EVOCAÇÃO
Levanta-te
Romeu do túmulo em que dormes
E
vem sorrir de novo à boa, à eterna luz!
De
noite, ouço dizer que há sombras desconformes
E
as noites do passado, oh, devem ser enormes
Na
atonia fatal das larvas e da cruz!
Conchega
gentilmente ao peito carcomido
Os
restos do teu manto: — assim, que bem que estás!
Na
terra hão de julgar-te um grande Aborrecido
Que
busca desdenhoso o centro do ruído
Nas
horas vis do tédio e das insônias más.
O
mundo transformou-se; aquele fundo abismo
Do
antigo amor fatal, fechou-se duma vez,
E
tu filho gentil do velho romantismo,
Tu
vens achar dormindo o rude prosaísmo
No
berço onde sonhava a doce candidez!
No
entanto podes crer; faz muito menos frio
À
luz do novo sol; do gás provocador;
E
o século apesar de gasto e doentio,
Não
pode já escutar o cântico sombrio
Que
fala de ideais e coisas sem valor!
Em
paz deixa dormir a terna Julieta
Que
aos céus ainda por ti levanta as brancas mãos;
E
enquanto por mim corre a tétrica ampulheta,
Da
musa alegre e vil da torpe cançoneta
Saudemos
a nudez a par dos bons pagãos!
Nas
praças, tu bem vês; a turba prazenteira
Inunda-se
na luz de mil constelações!
E
os arcanjos da rua assomam na poeira
Que
exala o macadame, trazendo em cada olheira
O
astro criador das grandes sensações!
E
quando a cotovia à estrela matutina
Mandar
a saudação. Lá fora, em pleno céu,
Romeu
tu beijarás, que é tua eterna sina,
A
trança da beleza anêmica e franzina
Que
entre os fumos da festa, a amar, adormeceu!
BOAS NOITES COVEIRO
Boas
noites coveiro: a tua enxada
Não
cessa há tanto tempo de cavar?!
Cavaleiro
da morte, ó fronte desolada,
Não
sentes a mão trêmula e cansada
De
tanto trabalhar!
Tu
esperas hoje as legiões sombrias
De
mortos, que eu suponho ao longe ver?
Os
felizes caídos nas orgias
E
os tristes que além todos os dias
O
gelo vem colher?!
Que
imensa vala aberta! São medonhos
Os
risos dessa boca infame, alvar!...
Descansa
dos teus dias enfadonhos!
—
Eu cavo a sepultura dos teus sonhos
Não
posso descansar!
FLOR DA MODA
Alice,
o turbilhão das salas elegantes,
Começa
a entristecer; ninguém sabe porquê!
Aquela
flor doente amava muito dantes
As
festas, o ruído, as coisas deslumbrantes,
Agora
é desolada e penso que descrê.
Que
tédio se abrigou na vaga transparência
Dum
todo tão sutil, aéreo, divinal,
—
moderna criação da santa decadência,
Que
alia gentilmente às pompas da regência
Os
indecisos tons dum ar sentimental?!
Arcanjo
por quem és! Desvenda esse mistério
Das
vagas opressões da tua insônia má,
E
diz-me o teu sonhar visão do baixo império,
Vestal
que amas o gás e tens o fogo etéreo
Na
conta duma coisa um tanto usada já!
No
idílio pastoril das noites venturosas
Não
sonhas tu decerto, e raro o hão de sonhar
Num
mundo todo nosso, as belas desditosas
Que
em trinta anos de fogo as suas velhas rosas
Nos
grandes vendavais sentiram desbotar!
E
quando a augusta voz do mar ou das florestas
Abala
o coração dos justos e dos bons,
Bem
sei que tu não vais, fugindo às grandes festas,
No
amor das castelãs cismar entre giestas
Com
medo que te acorde a bulha dos wagons!
Eu
sei talvez teu mal! A febre que hoje sentes
Abrasa
a geração de lírios ideais
Que
passam, como tu, galantes e doentes,
Dum
amor desordenado às causas dissolventes,
Às
vozes da guitarra e aos cantos sensuais!...
E
tem de os consumir a grande nostalgia
Dum
mundo mais à moda e menos trivial,
Onde
haja um grande caso, ao menos, cada dia
E
se possa esquecer a vil monotonia
De
tudo que nos cerca: — Alice eis o teu mal!
No
entanto eu sei que és boa: apenas das insônias
A
febre, mãe cruel de estranhas sensações,
Na
fria placidez do gás e das begônias
Constrói
na tua mente as grandes babilônias
Dum
mundo extraordinário e monstro de visões!
Tocou-te
um mal galante: és tênue e caprichosa:
És
boa e fazes gala em que te julguem má.
E
sentes sobretudo uns tédios cor-de-rosa
E
os êxtases cruéis duma mulher nervosa:
Se
existe a mulher-flor, tu és a flor de chá!
E
chame-te o bom Deus ao foco aonde brilha
Aquela
eterna luz, amor dos imortais,
Que
tu amortalhada em rendas e escumilha
Achar
deves, talvez, da moda, ó terna filha,
O
céu modesto um pouco e os anjos triviais!
Ó MÁQUINAS FEBRIS!
Ó
máquinas febris! Eu sinto a cada passo,
Nos
silvos que soltais, aquele canto imenso,
Que
a nova geração nos lábios traz suspenso
Como
a estância viril duma epopeia de aço!
Enquanto
o velho mundo arfando de cansaço
Prostrado
cai na luta; em fumo negro e denso
Levanta-se
a espiral desse moderno incenso
Que
ofusca os deuses vãos, anuviando o espaço!
Vós
sois as criações fulgentes, fabulosas,
Que,
vibrantes, cruéis, de lavas sequiosas,
Mordeis
o pedestal da velha Majestade!
E
as grandes combustões que sempre vos consomem
Começam,
num cadinho, a refundir o homem
Fazendo
ressurgir mais larga a Humanidade!
A CRISTO
Precisamos
Jesus, se não Te sentes velho,
Que
cinjas novamente o resplendor da luz
E
venhas explicar a letra do evangelho
A
muitos que hoje vês prostrados ante a cruz!
Ainda
não cessou, de todo, essa contenda
Que
um dia, há muito já, tentaste debelar:
E
aqueles que são bons e adoram Tua lenda
Desejavam
também ouvir-Te hoje falar.
Apenas
ressoasse o Teu verbo indignado,
O
látego febril das grandes corrupções,
Iria
atrás de Ti um mundo revoltado
Que
sente na consciência a luz das redenções.
E
embora não houvesse, aqui, outra alma gémea
Da
Tua, e tão ungida em bálsamos dos céus,
Havias
de encontrar essa alma de boêmia
Que
sonha uma justiça e sente em si um Deus!
Mas
não, não voltes cá: Teu corpo combalido
Não
pode suportar os gelos da manhã.
Precisavas
de pão, de abrigo e de vestido
E
a vida aqui é cara e longo o macadam!
Terias
de encontrar, decerto, mil estorvos
No
mundo revolvido, e escuta-me Jesus:
Se
não fosses, enfim, comido pelos corvos
Talvez
Te fuzilasse um cura Santa-Cruz!
Serias
apontado a dedo, muitas vezes,
Como
um simples bandido, um agitador feroz,
E
haviam de esconder seus ouros os burgueses
Apenas
ressoasse, ao longe, a Tua voz!
Depois
vinhas achar a par do proletário,
Ao
pé do que se inunda em bagas de suor,
Aquele
velho Pedro, agora milionário,
E
triste por pensar que já esteve melhor!
E
perto do ócio vil à sombra do qual medra
O
egoísmo feroz que extingue o coração,
Lutando
todo o dia o britador de pedra
A
quem à noite espera, em casa, um negro pão;
E
uns pequenos sem cor; talvez cheios de fome,
Com
pouca luz no olhar; atrofiados, nus;
Abrindo
os olhos muito à côdea que ele come
E
indo-se deitar sem roupas e sem luz!
Assim
deixa-Te estar. O Teu cadáver triste
Recende
uma fragrância etérea e divinal,
Enquanto
o mundo segue e vai de lança em riste
Sem
tréguas combatendo as legiões do Mal!
Tu
foste o paladino, o trovador sagrado,
Que
falaste do amor, da paz e do perdão,
E
o ferro que varou Teu corpo lado a lado
Contudo
inda reluz altivo em muita mão!
Nós,
hoje, quando em luta erguemos sobre a liça
O
gládio vingador das opressões cruéis,
Soltamos,
num sorriso, o nome da Justiça,
E
há quem saiba morrer sem bênçãos nem lauréis!
Descansa
pois Jesus! Bem basta que Tu sintas,
Nesse
velho sepulcro, o imenso vozear
Dos
mineiros sem luz, das legiões famintas,
Que
nunca, um dia só, deixaram de lutar,
Mas
que hão de enfim vencer, porque a suprema essência
A
jorros cai do céu nas mãos dos Prometeus,
E
tanto vai subindo a vaga da consciência
Que
um dia há de abismar-se em nós o próprio Deus!
EU TIVE UM SONHO ESTRANHO
Eu
tive um sonho estranho: ouvi que vou dizê-lo.
Era
em praia deserta, em frente a um longo mar:
Nos
céus havia a névoa, a mãe do Pesadelo,
E
o vago, o incerto, o informe em tudo a oscilar!
De
súbito surgiu, na praia, uma criança
De
olhar profundo e bom, de angélica expressão,
E
o mar contemplou com tanta confiança
Que
nem que visse nele o berço dum irmão!
Mas
a vaga subindo, em cada extremo arranco
Levando
ia consigo aquela flor dos céus!
E
em breve só boiava um tênue vulto branco
No
mar onde flutua o espírito de Deus!
Mais
tarde à beira-mar chegava a pura imagem
Da
mais casta mulher que em vida pude ver.
Detinha-se
distante: — a espuma da voragem
Só
meia extenuada aos pés lhe ia morrer!
O
imenso mar, porém, crescia a cada instante
Mais
turvo e mais veloz! Depois... Não quis ver mais.
Ergui-me
e caminhei de vale em vale errante
Pensando
tristemente em coisas ideais!
Ao
longe, muito além, na serra desviada
De
súbito encontrei — ó estranha aparição!
Uma
pobre velhita enferma e desolada
Trazendo
já no olhar a grande cerração!
Que
ideia me assaltou não sei dizê-lo agora.
Aonde
iria o espectro, aquela sombra vã?
Iria
aonde vai o que ontem foi aurora
E
aonde irão também as rosas de amanhã?...
Dos
meus instantes bons, ó lúcida quimera,
Bem
vês que os sonhos maus são fáceis de esquecer!
Que
importa a grande noite em plena primavera,
Que
importa o que tu foste, o que és, e o que hás de ser!!
O GRANDE TEMPLO
Eu
não trajo o burel do magro cenobita
Nem
me posso infligir cruéis macerações;
Mas
não rio de alguém que busca a paz bendita
No
seio casto e bom das grandes solidões.
Bem
sei que há na montanha aromas penetrantes
E
certas vibrações que podem fazer mal;
Mas
se é preciso Deus, direi que é melhor antes
Amá-Lo
com fervor no templo universal!
Enquanto
sobre o altar das serras azuladas
Mil
lâmpadas do céu derramam toda a luz,
Nas
velhas catedrais, já meio arruinadas,
O
tempo — o grande verme! — até devora a cruz!
Depois
é fácil ver, por entre os arabescos,
Que
a arte sensual traçou com tanto amor,
As
vezes, o sorrir dos Sátiros grotescos
Pungindo
cruelmente a face do Senhor.
Ou
mais; podemos nós voar todos cativos
Do
sereno ideal, daquele sumo bem,
Ao
vermos tanta vez os Faunos mais lascivos
Olhando
de revés a virgem nossa mãe?!
E
ainda mil traições: as músicas, as flores,
Os
lindos serafins voando todos nus;
Da
seda que se arrasta os lânguidos rumores,
Do
incenso as espirais; os turbilhões de luz!
Oh!
Visto haver de tudo; aromas e decotes,
O
vinho cintilante, a viva luz do gás;
Que
a vossa rouca voz, pomposos sacerdotes,
Não
cante apenas Deus; que solte alguns hurras!
O
fumo dessa festa, a mim, pouco me assusta.
Se
eu quero alguma vez fugir do pó, voar,
Eu
tenho o vale profundo ou a floresta augusta,
As
montanhas, os céus, e o belo, o vasto mar!
Da
casta natureza ó templo gigantesco,
Tu
és mais amplo, sim; mais livre, muito mais!
O
meigo e doce olhar do Cristo romanesco
A multidão gentil não chama aos teus umbrais.
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