ENIGMAS DA VIDA
Quantas vezes pressentimos
Um fato que se vai dar,
E que choramos, ou rimos,
Sem saber o que contar...
Tão triste estava eu então,
Que me disse a virgem bela:
— Triste está? Por que razão?
Era uma dúvida, filha
Do meu entranhado amor:
Vinha duma maravilha...
Mas se assim é? se assim for?
Essa tristeza se exala
De mim, sem mesmo eu querer:
Ela então me disse: —
fala;
De tudo eu quero saber...
Tu me pareces tão boa,
Mulher que eu amo: pois vá:
Não sei quem me não perdoa?
Só se tu és muito má.
Tenho um desejo... Quimera?
Porém quimera não é;
Tenho fé na primavera;
Nos teus olhos tenho fé.
Esse desejo... Mas temo!...
Loucura... enfim eu sei lá...
Dar-me-ia um gozo supremo...
Decerto tu não és má...
Deixa em pouco o olhar
severo:
Zombarias? Também não;
Isto que eu quero, e não
quero,
Só quer o meu coração.
Meu coração dissoluto,
Não está direito... não está:
Meu coração... eu reputo
Que o agita dúvida má...
Ou sou eu acaso um louco?
Acaso somos nós dois?
Ou cada qual é um pouco?
Qual deles mais louco é pois?
Põe de lado o olhar severo...
Em que estás pensando tu?
Que ele quer, e eu também
quero
Ver todo o teu corpo nu?
É blasfêmia o que te peço?
É crime? mas crime assim?
Mas não é crime, eu confesso:
Não... não é crime isso em mim.
Olha, eu sonhei que tu tinhas
Nos ombros brancos, gentis,
Duas pequenas asinhas...
Por isso vê-las eu quis.
Meu coração, que suspeita!
Eu suspeitava também!...
Aceita a dúvida... aceita:
Quem ver não deseja? Quem?
Despir-te um pouco é preciso,
Olhar-te, ver quem tu és...
Vi... Tu és do paraíso:
Mulher, já estou aos teus
pés.
Que ganho agora, anjo
austero,
Em ver-te as asas reais?
Não fiques nua, não quero...
Não quero ver nada mais.
O coração suspeitava...
Duvidava o coração...
Só eu é quem certo estava,
Que mulher não eras, não.
Tem teu noivo o paraíso:
Tens asas: o céu te quer...
Bem me dizia o juízo,
Que tu não eras mulher...
Todos a choram agora...
Se morreu... por que a
chorar?
Asas abriu, foi-se embora:
Era no céu o seu lar.
Toca o sino o campanário:
Está em festas a tanger?
Ou é toque funerário?
Quem à cova vai descer?
Todos a choram no entanto...
Ninguém mais sorri...
ninguém...
Lavam-se os olhos em pranto:
À boca os soluços vêm.
Foi uma mulher amada;
Foi a mulher que eu amei...
Não foi mulher, não foi
nada...
Foi só um anjo: —
é que eu sei.
Toca o sino, dobra o sino,
Dobra o sino a funeral,
É do céu o peregrino,
Que nunca a ninguém fez mal.
Talvez a Virgem Maria,
As Virgens, tochas na mão,
A esperassem noite e dia,
Os astros em procissão...
***
Numa noite muito escura,
Alumiada a fuzis,
Foi que essa virgem tão pura,
Levá-la ao céu Deus o quis.
Ninguém viu as luminárias,
Nem ouviu canções ninguém:
Estas festas solitárias
Passam-se além... muito além
Lançava gritos o vento,
E a chuva torrencial
Chorava a todo o momento
Alto... baixo... desigual...
No outro dia pomba morta
Por sobre o altar encontrou
Sacristão, que abriu a porta:
À igreja: quem a levou?
Não há pombas por tão perto:
E nunca pombal se viu
Naqueles sítios: decerto
Do céu a pomba caiu!...
Nossa Senhora das dores
Tinha uma lágrima a mais
Dos olhos entre os rubores
E as velas dos castiçais
Estavam todas consumidas:
Arderam de noite a sós?
Por quem foram acendidas?
Quando saiu dentre nós
O anjo que o povo amava,
Por quem o povo chorou,
O anjo que entre ele andava.
O anjo que Deus levou!...
Um grande mistério havia
Nessa morte que se deu,
Boa estava ela num dia,
No outro dia faleceu...
O jovem poeta contava
Essa triste morte assim...
E quase sempre chorava,
Quando ele chegava ao fim.
Mas seria isso verdade?
Ou verdade isso não é?
Tem sempre sinceridade
Que crê em Deus e tem fé...
***
Eu que guardei a memória
Do amargo fato, eu não sei:
Foi-me assim contada a
história,
A história assim a contei.
A MÃO E A CONSCIÊNCIA
... Porque enfim tu lhe
disseste
Que a curva da sua mão,
É como a curva celeste,
Onde há o raio e o trovão,
E o sol de dia, e de noite
Os belos astros gentis!
Há quem a tanto se afoite?
Isto a gente nunca diz.
É por isso que ela agora
Faz de tigre e de leão:
Diz-lhe que tem uma aurora
Em cada dedo da mão...
Diz-lhe que tem sol e lua,
E que Deus tudo isto fez
Por conhecer que a mão sua
Podia com mais talvez,
Com o mar, e o vento, e a
procela,
Com tudo enfim, sim!
senhor...
Só não podia a mão dela
Com o peso do teu amor...
... A consciência falava,
E eu, olhos fitos no chão,
Eu... só cismava...
cismava...
Em como beijar-lhe a mão...
IANUA CAELI
Podes não ter um único
sorriso,
Que se desprenda do teu lábio
puro.
E, como um astro, que
atravessa o escuro
Da noite, que me cerca, e
cobre, e piso,
Vir até mim; eu creio: —
isso que importa?
Também no chão prostrado,
inda criança,
Rezava à Virgem, sem ter
esperança
De vê-la menos santa e menos
morta.
O órgão soava: de ouro e
argentaria
Vestido o padre, o incenso
lado a lado
Do altar lançava, em júbilo
arroubado.
Tinha o seu porte lânguido
maria.
Vinham beijar-lhe os pés meio
encobertos
No seu manto estrelado, e as
mãos delgadas
Sobre o sangue dos seus seios
abertos,
Apertando por cima as sete
espadas.
Rezava o povo a sua ladainha:
Chamavam-na de estrela
matutina,
Torre ebúrnea, das Virgens a
rainha,
Áurea porta do céu e Mãe
Divina.
Batia o peito toda aquela
gente:
A igreja tinha a arder
milhões de velas,
Que todas refletiam
brandamente
Na palidez de suas faces
belas.
Em cada candelabro, em cada
palma
As velas respondiam num som
brando,
Todas cheias de lágrimas,
chorando,
Como se elas tivessem também
alma,
Como se a mesma fé as
dominasse;
E a tristeza da luz em todo o
templo,
Parecia estar dando aos fiéis
o exemplo,
Espelhando a ima dor na dor
da face.
Sobre o altar-mor à cruz
pregado o Cristo;
O povo em prece enchendo toda
a nave;
E do órgão a surda voz metia
nisto
A nota excelsa, misteriosa e
grave.
O incenso em rolo tinha no
seu manto
A magia do espaço umbroso e
augusto:
O céu nele descia a cada
pranto,
Nele uma alma subia a cada
susto.
E quem não teme o Deus que
apaga o riso,
Que solta o vento, que
enfurece o oceano,
Que, a qualquer falta nossa,
ou erro, ou engano
Nos fecha para sempre o paraíso?
Que criou o lugar onde os
precitos
Torcem-se em chamas e
rangendo os dentes,
E ouvem passar a voz dos
infinitos,
E a eternidade alegre dos
contentes;
Onde lhes vem a música
distante,
Como eco tênue de perene
orgia;
E tudo quanto a escorço
pintou Dante
É como sombra descorada e
fria...
Tempos de fé: os corações
tremiam
Convulsos de umas hórridas
ideias,
E dos olhos as lágrimas caíam
Como a água de taças muito
cheias.
Pediam-lhe perdão dos seus
pecados,
Que ELA lhes desse a sombra
de um sorriso,
E que depois de mortos e
enterrados
Os levasse consigo ao
paraíso.
Que há na terra que um crime
enfim não seja?
Vai-se direito facilmente ao
inferno:
Não há carinho humano e olhar
mais terno
Que não mereça a maldição da
Igreja.
E a Virgem não mudava a cor
do gesto;
E, no meio do incenso, que a
envolvia,
Todos nela esperavam, sem de
resto
Saber nunca o que enfim Ela
faria.
***
Do seu culto também eu tenho o zelo,
Minha esperança e único
conforto;
E assim leva-me ao céu,
depois de morto,
Se é que depois de morto eu
posso tê-lo.
Também espero em ti: à tua
planta
Todo o meu ser num longo
beijo resta:
Embora faças como a Virgem
Santa
Quando eu via rezar na sua
festa.
Mas... pensa alguém que
dúvidas oculto
Naquela fé ardente, viva, e
pura,
Que deve ter a humilde
criatura
Na Santa, origem do
seu grande culto?
Se a outra não voltava a face
linda,
Abrasada na luz em que me
abraso,
Não pode esta voltar-me o
rosto acaso,
Sendo melhor, sendo mais
santa ainda?...
FRAQUEZA DE UM TITÃO
Ele dizia: —
Pouco me custara,
O que deveras custa,
Forrar de pedras da calçada a
cara,
Ter a ciência austera de
Locusta,
Saber o modo de arranjar
venenos
De alguma estranha planta,
Dá-los, num bródio, erguendo
altar a Vênus,
Enquanto a orquestra os seus
triunfos canta;
Sair desta baixeza e
sobraçando
A cítara divina
De Homero, ver a esfera
cristalina
Milhões de olhos de luz em
mim fixando:
Erguer-me acima, aos ápices
do solo,
De todo o vasto Oriente
Pisar a terra, conquistar a
gente,
Leões montando, como o belo
Apolo;
Lançar de fino mármore
lustroso
E pórfiros um templo;
Ter de um vasto serralho o
extremo gozo,
De Salomão seguindo o luxo e
o exemplo;
Alargar Macedônia e o imenso
império
Estender as estrelas,
Unindo à força indômita o
mistério
De, em dourados grilhões, do céu
trazê-las;
O teu amor ébria, eleva,
anima:
Eu píncaros não acho
Em que não possa andar de pé
por cima,
Vê-los inda de longe, e muito
embaixo:
Porém não sei onde encontrar
esforço,
Para dizer somente
O que tu sabes, todo o mundo
sente,
Eu... sei lá... que aguentara
os sóis no dorso...
TURBILHÃO DE ASAS
Fremem dentro de mim asas,
mais asas,
Turbilhões mesmo de asas,
como pode
Da terra erguer o vento, que
sacode
Um pó da areia, quando tu me
abrasas
Com teu olhar de chama
aveludada,
Que me envolve em seus mundos
luminosos,
Onde há promessas rútilas de
gozos,
Sem que me dês, além de dor,
mais nada...
Asas, asas, mil asas aos
desejos,
Asas aos pés, aos ombros, à
vontade:
Em que céus andarás, ó
divindade,
A que não possam ir os meus
adejos?
Oh! que eu morra na luz em
que me abrasas!
Sinto que tudo em torno me
abandona,
E que minha alma doida
turbilhona
Em áurea poeira deslumbrante
de asas.
Rasga-se o etéreo e lúcido
caminho
Onde as pombas irmãs dormem
arfando:
E sinto milhões de asas
revoando
Para o sítio onde amor oculta
o ninho.
Há um rio de neve no teu
seio,
E há dois montes de leite ao
lado, ó Eva!
É para aí que vou, e subo, e
alteio,
E que este turbilhão de asas
me leva...
Por estes céus é que me vou
metendo...
Nesses montes talvez arfam,
dormindo,
O casal de torcazes o mais
lindo,
Que busco, um turbilhão de
asas movendo...
INDÍCIOS
Pois no princípio me afligias
muito;
Nem sabes tu o que sofri
então:
Nunca, quando de ti me
despedia,
Me apertavas a mão...
Como moedas de ouro
acumuladas
Ia numa passando outra
estação:
Tu me estendias sempre a mão
nevada,
Não me apertando a mão.
Era apenas aquela cerimônia
Da mulher esmerada num salão:
Roçar de leve, quase a sombra
apenas
Do esplendor de tua mão.
Hoje é outro o motivo e tens
receio
Que eu sinta um certo enleio
e confusão
Do prazer que terias se
apertasses
Um pouco a minha mão.
Hoje eu morrera de desgosto e
tédio...
Ai! não fora ventura extrema,
não,
Se não me amasses mais, e te
esquecesses
Apertando-me a mão.
TRIUNFADORA
(A C. G.)
Depois de ter recitado em
cena.
O Legendário
Hão de as palmas cair de toda
parte,
Há de sorrir-te a musa da
harmonia,
E à luz do palco, então
melhor que o dia,
—
deusa nova da voz — hão de aclamar-te.
Dir-te-ei de longe, sem
falar: — Coragem!
Esmaga a turba com teu pé,
criança: —
E todos levarão na alma a
lembrança
Da tua doce e rápida
passagem.
Como na pira incendiado toro
De floresta de sândalos
roubado,
Deixarás um aroma delicado,
Tal pelo céu a luz de um
meteoro.
Mas foge como a estrela que
fulgura,
E acende o céu um pouco só...
mais nada:
Volta, ó pérola, à concha
sossegada;
Só na sombra é que há saibos
de ventura.
Bem sei que não há sombra em
que se acoite
Quem tem em si do gênio o
vivo lume,
Que a estrela brilha inda
escondendo-a a noite,
E à noite exala a flor melhor
perfume.
Os bravos ovações, auréolas,
flores,
Os lauréis, nos triunfos
populares,
Juncarão um só dia os teus
altares,
Por muitos dias pálidos de
cores.
Custa muita ilusão perdida a
glória,
Muitas noites sem paz, sem
sono e calma,
Para levar-se uma enfezada
palma
Ao túmulo de ouro, sim, mas
vão da história...
QUESTÕES
É noite. Os astros pelos céus
profundos
Parecem doidas bocas a
cantar;
E as vagas murmuravam
docemente,
E ia por longe em frêmitos o
mar...
E veio à praia o poeta, a
fronte ardente,
Queixosa a voz e merencório o
olhar,
E perguntou entre raivoso e
triste,
E perguntou ao mar: —
Tudo isto existe?
Mas por que existe? Diz,
responde, ó mar!
Donde vim? Eu quem sou?... E
desde quando
O homem se mostrou? Por que
assim ando?
Para onde vou? E pelo azul
além
Quem mora? —
Quem por cima das estrelas
Paira e se esconde e à terra
enfim não vem?
O enigma desta vida, o
doloroso,
O velho, o grande enigma,
sim, que tem
Que tantas frontes endoidece
e queima,
Que para o haver a gente corre
e teima:
E o não acha ninguém,
ninguém, ninguém?
Os séculos pela boca dos
profetas,
Pela ciência um dia o hão de
encontrar?
Esta velha questão, que é
sempre nova,
Vós me ides, vagas, já e já
contar... —
E o céu cintila e as ondas
murmurejam:
Como quem diz: —
o pobre louco... vejam...
Sibila o vento, que faz rir o
ar.
As estrelas parecem soletrar
Uma palavra vaga eternamente.
Tudo parece ao poeta
inconsciente,
Frio, insensível, fórmula
indiferente...
E o mar, que se levanta
furioso,
Que um segredo talvez lhe vai
contar,
Ruge, rebrama, cai, volta ao
repoiso...
E o poeta espera que responda
o mar!...
PARAÍSO PERDIDO
Deixaste-me às portas de ouro
Do Paraíso: —
entreabriste
Uma fresta, e quando viste
Que na louca embriaguez
Eu já estava de entrá-lo,
Sem o mais ligeiro abalo
Me arremessaste um sorriso,
A chave que o paraíso
Logo mo cerrou de vez.
O raio, que nos fulmina,
O abismo, que nos devora,
Não tem o terror da aurora
Desse teu fulvo sorrir:
Luz nele havia, inundava
Campo vasto, árido, incerto
E fundo, como um deserto,
Em que deve andar bem perto
Com seus tesouros Ofir.
Galopei no teu sorriso
Como um hipógrifo em sonhos,
E por valados medonhos,
Hirtos, profundos, rolei:
E sem saber como hei ido,
Roto, esmagado, perdido
Por uns páramos infindos,
A luz dos teus olhos lindos
Por cima dos meus achei.
Ergui os braços, os joelhos
Vacilaram-me transidos:
Meus lábios mal desunidos
Murmurejaram: —
perdão...
Tu, como o anjo do Éden,
Sem dar ouvido aos que pedem
Às portas do paraíso,
Conservando o teu sorriso,
Tu... tu... murmuraste: —
não!...
Era um murmúrio tão baixo,
Como um bálsamo de vida
Com que se pensa a ferida,
Que sangra e não quer fechar:
Como um retalho de seda
Com que a pálpebra se enxuga:
Como um anjo, que na fuga
Do céu, procura a vereda
Que leva a escuso lugar.
Porém não pude ir mais longe:
Estendendo o dedo e o braço,
Mostraste-me além o espaço:
Sentei-me e fiz que não vi:
Sentei-me à porta, caindo;
E ali quis ficar, ouvindo
Essa música distante:
E tu gritaste: —
adiante...
Ergui-me, chorei, parti...
Recordo. —
Bastou somente
Para fechar-me o paraíso,
Arregaçar-te um sorriso
Da boca os rubros corais:
Calmo sorriso, deserto
Cheio de luz, que devora:
Caminha-se; e a cada hora:
É um oásis agora?
É deserto e nada mais.
Deixei atrás as areias:
Adiante areias ainda;
E tua figura linda
Sempre... sempre a andar em
mim!...
E tu serás como um sonho,
Que em todos os sítios ponho,
Feito só de meu desejo:
Eu te vejo, eu te não vejo...
Deserto, não terás fim?
Hei de andar, alma erradia,
Sem prazer, e sem conforto,
Frio, como um corpo morto,
Deixado à beira do mar,
Vendo as ondas uma e uma
Lançar o soluço e a espuma...
Saber que o mar não descansa,
Que lhe morreu a esperança,
Porém não a de chorar.
Sempre uma mulher formosa,
Que nos meus sonhos eu traço:
Sempre uma sombra no espaço,
Sempre uma porta a se abrir:
Sempre um Éden, que
desenho...
A que portas bater venho?
As portas, onde estão elas?
Entre as estrelas mais belas
Sempre a visão a fugir!...
Ah! se eu te encontro algum
dia!
Se o mistério se descerra!...
Se eu te levanto da terra,
Em que altar te hei de eu
pôr?
Em cima de que montanha,
Tão verdejante, tamanha,
Terás meu culto, querida?
Em cima de minha vida,
Em cima de meu amor.
E não terei outra sorte,
Não espero outro destino;
O bordão do peregrino
Será meu arrimo pois:
Eu terei no meu caminho
Sempre uma árvore sem ninho,
Sempre uma noite medonha,
Sem saber onde os pés
ponha...
Sempre ais e vento entre os
dois...
Sim! sempre a de ir contra as
rochas
Bater, e gemer somente:
Ficar convencido e crente
Que não há mais a fazer...
Sim!... ficarei prisioneiro
Em torno do mundo inteiro...
Perdi tudo!... Com efeito
O coração no meu peito
Ficou de amor a morrer,
Como um monte na invernia,
Tronco sem folhas e flores,
Noite empolgada de horrores,
Onde cantam temporais:
Como o rochedo indiferente,
Como o rio sem corrente,
Como praia sem lamento
De mar, de vaga, de vento...
Onde há só morte, e não
ais...
Relincha, meu hipógrifo,
Bate as asas pelos ares;
Sacode bem os pesares;
Nelas há bem desse pó:
Quando em ti eu for montado,
Tu levas um desgraçado,
Sonhando... sempre
sonhando...
Tu levas um miserando,
Tu levas um triste só.
Onde estão as portas de ouro
Do paraíso perdido?
Mas para tão longe hei ido,
Que não sei mais onde estão:
Tu andas em toda parte:
Eu procuro, para amar-te;
Para servir-te eu procuro:
No passado e no futuro,
Sempre esta eterna visão!...
Tu estarás, como a Aurora,
Como a Vênus matutina,
Cujo fado, cuja sina
Em seus palácios reais,
É rugir ao sol, que chega,
Não mais encontrar a veiga,
Nem aos vergéis dar seu
pranto:
Dizendo ao sol entretanto:
—
Sol! jamais...
jamais... jamais...
Eu, aurora, não me tenho
Como o sol no azul distante;
Astro não sou rutilante,
Que dê tamanho clarão;
Nem sou verme luzidio,
Brilhando às margens de um
rio,
Ou pelas margens de um vale;
Não sou nada que te iguale:
Mas eu sou um coração.
Ouve: jamais!... também digo,
Jamais! repito eu agora,
Como a estrela, como a aurora
Nos seus ricos arraiais
Sem nunca contar contigo:
Vejo céu, não vejo abrigo;
Entre nuvens passo, e morro,
Náufrago enfim sem socorro,
Sem vida, sem nada mais...
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