GAULESA
Forma divina
em mármore lavrada.
Tu, flor da
pátria, que ao Rei Sol, pertence;
E não há quem
te veja, que não pense
No estelífero
baile da embaixada.
E és rosa
ainda; rosa fluminense
— Alva corola
em púrpura afogada;
Quero-te assim
em pompas de alvorada,
Embaixatriz do
chic parisiense,
Calcando o boulevard às três da tarde,
Premida a
carne, que em volúpias arde,
Na correção
finíssima da cassa;
Parasol japonês
que a altura excede
Das mãozinhas
gritando em peau de Suède,
Toda aureolada
no esplendor da graça!
ÉCUYÈRE
Surge;
deslumbra a olímpica amazona,
Do amor, da
graça no esplendente facho!
Freme; e em
palmas parece vir abaixo
O claro, o
alegre, o amplo funil de lona.
Empolga o
circo; e, de improviso, é dona
Do high-life aceso e todo o populacho...
Ferve-me o
sangue bravo de muchacho,
Quando sobre o
ginete ela abandona
Do corpo excele
o empurpurado lírio;
E não me
arranca do infernal delírio
A surpresa
que, doido, a todos causo...
É que eu a
vejo, no meu sonho de arte,
Como um
fraldejo rubro de estandarte
Arrebatado no tropel
do aplauso!
OLGA
A carne em
flor, carne insolente e herege,
Aflita ruge e,
cúpida, blasfema
Contra o flagelo,
contra a odiosa algema
Do elegante
costume de barège.
Não há mesmo
ninguém que a não inveje,
Quando ela
traz, como sensual poema,
Numa
arrogância bíblica e suprema,
A carne em
flor, carne insolente e herege;
Transparecendo
a luxuriosa verve
Do sangue
experto e audaz, que explode e ferve
No mais airoso
invólucro de fêmea,
Como um champagne
efervescente e lindo
De romãs e
papoulas, colorindo
Esguia taça de
cristal da Boêmia.
CÁRMEN
Passa no
grande tom, pisando o asfalto
Do amplo trotoir cheio e surpreso; e há tanta
Glória, que o
dia sonoriza, e canta
A própria laje
onde ela aplica o salto.
Do borzeguim francês,
chic e pernalto,
Calcando pé,
que, de pequeno, espanta;
E erguendo, e
abrindo o excelso olhar, quebranta
A luz do sol
espadanando do alto.
Mas há um quê
de sonhos importunos
Na solidão dos
seus dois olhos brunos,
Que a dor talvez
de lágrimas borrife...
É a saudade, a
lembrança inquieta e vaga
De uma
longínqua e pequenina plaga:
A tristeza
insular de Tenerife!
COMÉDIA ELEGANTE
(Ao Dr. Ferreira de Araújo)
Em plena
fantasia
Aqui. Armemos
a tenda,
Em que há de
pousar a graça;
— Cinco ou
seis nesgas de cassa,
Toda beirada
de renda.
Tudo claro e
tudo breve,
Quase
translúcido e a esmo.
Que o ninho
pareça mesmo
Um fino floco
de neve.
Cheire a
jasmins, a violeta
— O aroma esquisito
e brando;
E ande-lhe em
torno, flaflando,
A ronda de
borboletas:
As mariposas
do riso,
As róseas
vespas da verve.
Quando, enfim,
o sangue ferve
Loucura é
ter-se juízo.
Pálio de
sonhos, em suma,
Que, sob a luz
radiosa,
Tenha o
frescor de uma rosa,
Todo um ar
leve de pluma;
Donde, olhando
por um rombo,
Eu contemple a
cada passo
A glória, que,
no mormaço,
Deixa a
plumagem de um pombo.
De
andorinhelas a frota,
Asas e caudas
em jogo;
E o sol, como
águia de fogo,
Em região mais
remota.
Asas! Tão belo
que é vê-las,
Como um beijo
aéreo e lindo,
Subindo sempre,
subindo
O áureo redil
das estrelas!...
Aqui, de amor
e fragrância
Numa tênue e
simples aura,
Hão de vir
Beatriz e Laura
Sentar-se ao
chá da elegância.
Tudo se adore
e se note:
Uma quente
flor purpúrea,
Ou,
transpirando a luxúria,
O alvo
esplendor de um decote.
E rubra, sobre
a barraca,
Grite uma flâmula
solta
De liberdade e
revolta,
Como uma língua
polaca.
Abrindo as penas
por cima,
No sangue da
madrugada,
Trine, faceta
e dourada,
A ave travessa
da rima.
Deixo que
enflorem-me a tenda
Lauréis de acantos
e parra...
— Cheia de
sons de guitarra,
— Toda beirada
de renda!
TIRO ÀS POMBAS
Vamos! Põe o
sombrero na cabeça;
Vão comigo os
caniços e a tarrafa,
Duas claras
fatias de anho frio
E vinho, um
vinho de âmbar, na garrafa
Para incitar a
nossa gulodice.
Ao rio, pois,
ao rio,
Minha bela
condessa,
Para uma
alegre e divertida pesca...
— Prefiro a
caça, a tua boca disse,
Boca de rosa,
perfumada e fresca!
Pois seja, eu
concordava,
Abotoando as
tuas luvas pardas;
Atirarei às pombas
e às torcazes.
E, logo, pondo
as nossas espingardas
A tiracolo,
fomos indo, fomos
Como dois bons
e joviais rapazes.
Não era mais a
flor dos hipódromos
É dos bailes
fidalgos
A linda flor,
que junto a mim marchava
Festejando aos
dois galgos,
Que,
atrelados, seguiam-nos a estrada,
De coleiras de
prata e orelhas rombas;
Era Diana,
então transfigurada
Em mais
galante e humana caçadora,
De corset verde, e gorro de veludo
Encarcerando a
úmida trança loira.
Era no mês das
pombas,
Asas em harpa,
em bando,
E a mais clara
manhã das manhãs claras,
Estrelada de
flores de laranja,
O bom cheiro exalando;
E era rasgando
os campos e as searas
A trilha que
nós íamos seguindo.
Vinha rompendo
a aurora:
A terra, o céu,
se transformava tudo
Num panorama
lindo!
Nas mais
ridentes claves
Instrumentavam,
pelo verde afora,
As festivais e
pequeninas aves
O formoso
libreto
Da luz,
bordando de auri-rosa franja
O frescor
matinal do azul celeste...
E era um
concerto agreste!
Mas tão belo,
tão límpido, tão doce,
Como se aquilo
fosse
O farinado de
rimas de um soneto.
Era no mês dás
pombas!
Iam os galgos
abanando a cauda,
A lamberem-te,
alegres, a mão alva.
Hoje desse
episódio e de mim zombas.
Pois foi a
melhor lauda
Do meu livro
de amor; dessas, que a gente
Marca, cheia
de riso e de interesse,
Com uma folha
de malva...
Nunca manhã
tão próspera morresse!
Era no mês das
pombas,
E era com
febre que eu te dava um beijo.
Já não sei se
fizemos, finalmente,
De mortas aves
pródiga colheita...
Eu me lembro,
porém, que dessa feita
Matamos o
desejo!
NO BAILE
Ontem, no
baile, quando todos viam,
Em apoteose
franca,
Aquela flor de
renda e de escumilha,
A mariposa
branca,
Girar no tour de uma infernal quadrilha,
Eu lhe quebrei
o leque perfumado.
E aqueles
lábios róseos me sorriam
Depois desse
fracasso,
Que eu cometi,
por ter errado o passo.
Aquele belo
mimo
Foi presente,
talvez, de um namorado,
Ou dádiva de
um primo,
Como lembrança
de uma data... O moço
Com certeza lho
deu depois — pudera!
De enlevados
instantes,
Quando, na
tarde de uma primavera,
Adorava-lhe a
curva do pescoço...
— Como são doidos
todos os amantes!
...........................................................................
Mas voltemos
ao caso
Do meu célebre
crime,
Em que vítima
fui do meu desazo,
Cujo remorso
pertinaz me oprime.
Aquela flor me
odiará... Mas isto
É a maior
desgraça,
Que,
impiedosa, cabe-me em sentença
(Do coração no
código, está visto)
Mas tudo
diz-me que ela em mim não pensa.
E eu creio vê-la
ainda.
Como uma nuvem
diáfana de cassa,
Ligeira e
leve, perfumosa e linda,
Adelgaçar-se
no âmbito da sala...
Melodiava a orquestra.
A contradança
Animava-se aos
poucos;
Mas eu somente
ouvia a sua fala,
Como quem ouve
a voz de uma criança.
— Pobres
poetas, como somos loucos!
Apresentei-lhe
o braço
No segundo
intervalo, e deu-se um giro!
Ela — flores
no colo e no regaço,
(Creio que
margaridas)
Disse-me,
entre sorrisos e um suspiro,
Coisas tão
boas, breves e queridas!...
Cedeu-me o
leque para ter libertas
Suas duas mãozinhas
enluvadas;
E assim me
honrava a tentadora moça.
As pálpebras
abertas
Eu tinha às suas
graças adoradas,
Quando ela
disse, despertando-me, ouça...
Tour de mains... chaîne, tá! foi-se a
vareta!
Quebrei-lhe o
leque! A examinar me animo
A asa infeliz daquela
borboleta,
Que talvez
fosse o talismã do primo...
Inclinei-me
submisso:
Tinha o rosto
escaldando e a alma viúva.
E quando eu
desculpei-me, assustadiço,
Levou-me à boca
a pérola da luva!
MADRIGAL DE UM DOIDO
I
Eu nada disse,
nem pedi, nem quero;
E, certo, eu
nada disse
Dos teus
encantos, porque sou sineiro.
Tudo quanto
esta boca,
Que tem
beijado o turbilhão de atrizes,
Dissesse, além
de pálida tolice,
Seria a
expressão oca:
Só há perfume
e cor no que tu dizes,
Amada flor da
Espanha,
Rosa branca do
sonho e da esperança,
Por quem — triunfo
que ninguém alcança!
Andamos todos
na floral campanha.
O teu destino olímpico
preside
O amor, o amor
semente;
E és para mim,
senhora, um poeta e um crente,
A grande estrela
do país do Cid!
II
Nada pedi, nem
peço
À tua graça,
ao teu ardor, à tua
Carne sedosa
de mulher, mais alva
Do que um raio
de lua;
E mais
cheirosa, e de maior apreço
Do que uma
folha sensual de malva!
Flor e vespa a
um só tempo; borboleta,
Que áureas
asas derrama
Por sobre a
clara cena da opereta;
E dama igual à
dama
De Pompadour;
graciosa gentileza
Da corte
Benoiton, que as honras faça
E o esplendor
de uma sala,
Mais que uma
estrela de maior grandeza,
Que um
diamante sem jaça,
Branca, da cor
de uma formosa opala!...
Ninon que se
destaca
Pela correta
linha do colete;
Olhos cheios
de lume,
Como polidas
lâminas de faca;
Mulher que se
adivinha no perfume,
No tilintar
febril do bracelete!
III
Nada quero,
bem certo,
Além desta
ventura de adorar-te,
Além do gozo
de te ver de perto.
Tu, que és a orquídea
d’arte,
Cheia de
mimos, cheia de desvelos,
— Dedos, que
de ti cuidam, perfumando,
Aclimatada
dentro das estufas,
Deves ser
desejada
Por fidalgos
excêntricos e belos,
Os dândis da
alta roda,
De vidro ao
olho e, mão empelicada;
Duques do sport, e fino talhe à moda,
Lapela em
flor, num apurado esmero,
Principalmente
quando
Das cançonetas
o pandeiro rufas...
— Castanholas
na mão ...
Bravos!
Salero!
INVERNO
Por este
inverno, que é de risos, e algo
Tem de estranha
e sonhada primavera,
Na asa alegre
e volúvel da quimera
Passeio o meu espírito
fidalgo.
Levo um nome esquisito
e um leve buço
De escandinavo
príncipe janota;
E, disfarçadas
no canhão da bota,
As frasqueiras
de kirsch e kümmel russo;
Seguindo
sempre — cavalheiro guapo,
Das filhas de
Eva o luxuoso bando,
Jovial e
altivo, como que levando
Cem condessas
austríacas no papo!
O redondo monóculo
de míope,
Para dar linha
e ver melhor, aplica
A minha mão
calçada de pelica
Da cor preta e
lustrosa de um etíope.
Agasalhado,
justo, em lã e pele
— Veston
polaca e o gorro então de lontra,
Rompendo o dia
quem quiser me encontra,
Antes que o groom o árabe ao carro atrele.
Pois logo que
de púrpura se encharque
A umidade
cortante do ar opaco,
Vou, de
bengala e orquídea no casaco,
Dar um passeio
higiênico no parque.
Opalinam-se as
matutinas brumas
De encontro à luz...
E é todo o céu coberto
Pelo maior,
mais amplo leque aberto,
De muito
brancas e flocadas plumas!
Esse giro de
artísticos detalhes
É alto, é
nobre, é parisiense, é chic!
E faz lembrar
o soberano Henrique
Nas alemedas flóreas
de Versailles.
Andam
senhoras— tipos de romance,
Na quentura
sensual dos water-proofs,
De quadris
largos, à feição dos pufs,
Trocando, a jeito,
olhares de relance,
Num disfarçado
e interessante flirto,
Donde parte
uma certa garridice,
Como um thiê, que, ao fresco albor, saísse
Das ramadas floríferas
de um mirto.
E depois disto
— um delicioso almoço,
Entre a glória
de nove ou dez mulheres,
De dólmen,
feito como o dos alferes,
E peliças, e
arminhos no pescoço.
E já o sol,
que de áureas lanças anda
Golpeando o
espaço, como o herói manchego,
Põe quenturas
e uns toques de aconchego
No rutilante
quadro da varanda.
Inglesa, aquela;
e aquela (não desvaires,
Oh! delicado espírito
de raça!)
Patrícia;
porém uma, a de mais graça,
Luxuriosa flor
de Buenos Aires!
A alegoria
esplêndida do estuque
— Vênus
surgindo do elemento salso,
Contemplo; e
as luvas devagar descalço,
Com a
fidalguia natural de um duque.
Eu, que na
extrema correção não peco,
Dou o braço a
uma estrela italiana,
Que me oferece,
nobre e soberana,
A belíssima
rosa do jaleco.
De sua mão,
branca e franzina, tomo
Tão alto mimo,
exótico e bonito,
E nela um
beijo, manso, deposito
Com toda a
graça de um galant'uomo!
Vou docemente
conduzindo à mesa...
Sentam-se
todos num festim galhardo;
E eu, defronte,
aparando o frio dardo
Do ciumento e
garço olhar da inglesa.
Um distinto menu: lebre e perdizes
Em porcelana
antiga de tons claros;
E no cristal
dá copa — vinhos raros
De todo o
gosto e todos os matizes...
Ramalhetes enfloram-se
nas jarras
De bacarat, em cujo esmalte brinca
O mago olhar
de uma alemã, que trinca
Corações
pequeninos de alcaparras;
Dá começo ao
epícuro massacre
Fino prato de
espargo ou beterraba
Sauce piquante... E quando a miss acaba
Tem a boca
inflamada e cor de lacre!
Hilariantes
trincolejos e altos
Sons de metal
e louça fina em choque;
Anda no ar o aticismo
de um remoque
De afinados
espíritos exaltos...
Quando ainda
uma vez — a quarta ou quinta,
Do Tokai ou do
Chipre esgoto a dose,
Numa esfuziante
e trépida nevrose,
A prataria do dessert tilinta.
Frutos de cá,
das mais variadas cascas,
Pintalegrando
a alvura da toalha;
E a polpa de
ouro, que o criado talha,
De um cheiroso
melão, servido às lascas.
Que a amorável
inglesa se constranja
Jamais permito,
pelo simples fato
De, sem magoar-se
e sem quebrar o prato,
Não poder
debulhar uma laranja;
Eu, que me
sinto agitadíssimo e arfo
Por agradar ao
vis-à-vis travesso,
Vermelha, em
cacto, a fruta lhe ofereço
Apunhalada nos
pontais do garfo.
Que ela ao ato
de um gentlemen se esquerde
Não se me dá,
pois tenho encanto novo
Vendo-a tomar,
em taça casca de ovo,
Dois delicados
goles de chá verde.
Não fosse inglesa
esta mulher, não fosse
Do alvo país
dos olhos de esmeralda,
E, em vez de chá,
preferiria a calda
Da compota
real que o garçom trouxe.
Para que, enfim,
a natureza integre
A áurea
jovialidade que ali rola,
Sai das pautas
iguais de uma gaiola
A nota aguda
de um canário alegre.
O fim das
horas de repasto é lindo!
Rumor de
saias, qualquer coisa tomba...
Há o barulho
fugaz de asas de pomba,
Nervosa e
forte pelo espaço abrindo!...
O mulherio
claro se despenca
Por toda a
sala... E, enternecido, eu olho
A miss, que
ajusta ao curvo peito um molho
De palmazinhas
naturais de avenca;
E a rir, para
que o busto desempene,
Levanta os
braços e desaparece,
Arrepanhando
ao alto a loira messe
Do cabelo a exalar
fleur de la reine...
TÊTE-À-TÊTE
Sábado, ao
pino! Sábado... excelente
Dia, de ouro e
de azul, para a entrevista
De uma
excêntrica flor, mundana e albente,
E este esquisito
artista.
Ao meu
encontro, doce amada, corre
Quando, alegre
vibrada,
A sonora campânula
sagrada
Tinir,
trinando, trêmula, na torre...
Ou vem mais
cedo, às onze...
— Já em minha
mente o teu perfil perpassa!
Ah! se eu
pudesse perpetuar-te a graça,
Como se
perpetua um rosto em bronze!
Nem podem
versos imortalizar-te
A figura
travessa:
Há um sonho
estelar de culpa e de arte
Na tua leve e
original cabeça.
Mas, espera:
vejamos
Onde o esconderijo
dessas andorinhas.
Olha que estão
frutificando as vinhas
E aves,
noivando, cantam-lhe nos ramos.
E o verde ri!...
Prende o cabelo ao grampo,
Afoga o corpo
em lirial frescura
De talhe doce,
e entrega-me a cintura
Que eu te
conduzo ao campo.
Uma latada a jeito,
Ou... tu mesma
dirás o que preferes;
Saibas,
formosa, que sou pouco afeito
Ao convívio
elegante das mulheres.
Nem o lilás do
madrigal floreja
Na aura da
graça, a espiritual moléstia;
Não penses que
eu esteja
Desfolhando a
violeta da modéstia.
Violetas, sim,
mas em pequenos molhos
Nos teus seios
arfantes...
Não, que para
tontear-me eram bastantes
As violetas
escuras de teus olhos.
Nem tanto o
vinho: ele há de, cristalino,
Num ágape
florido,
Rosar-me as
faces e há de ser bebido
Por um só cálix,
facetado e fino.
Cerejas?...
pensa, louca,
Que me ofereces
uma nos teus lábios;
Só tarde eu
saberei, pelos ressábios,
Se mordo o fruto
ou se te mordo a boca.
Linda, com um
ar de súplica e vergonha!
Entre
promessas e a perdiz trufada
Dizendo irá do
amor e do Borgonha
Tua boca estrelada.
Entre nós se
desfralde
O cor de rosa
pavilhão do riso;
E fora, sobre
o nosso paraíso;
Desdobre o sol
a outra bandeira jalde!
DIAS ALEGRES
I
Foi uma tarde
do diabo!
Ante a
florista basbaque,
Pus na lapela
do fraque
Um teso jasmim
do Cabo;
Dei certo tic ao bigode,
Ao cabelo, à barba
rala,
E fui, dançando
a bengala,
Tomar o carro...
Um pagode!
De veia e toilette nova
Chego ao termo;
que travesso!
Ou eu um poema
mereço,
Ou eu mereço...
uma sova.
Dedo no tímpano
— dlinde...
Tudo a
surpresa, ao acaso;
Quem me vai
vendo o desazo
De minudências
prescinde.
Criada ao
alto. Perfeito,
Diante de
tanta elegância,
Tanto o meu ar
de importância,
Como o meu
jasmim no peito.
Então, maior
que os califas,
No vestíbulo
procuro
Abafar, cauto
e seguro,
Meus passos
nas alcatifas.
Ouço gemidos
no quarto...
Sendo de moça
a vivenda
Supus que...
boas, entenda!
Ou se tratava
de um parto.
Entro, fazendo
um exame:
Sobre a mesa
de pão preto
Dois canários
— um dueto.
Fofos, no chalé
de arame.
Un coup d’ceil ao gabinete:
— Luz velada,
doce e morna;
O quadro do
chão adorna
Vivo painel de
um tapete.
O bric-à-brac
de luxo
Do interior de
uma artista
Exposto à lâmpada,
à vista,
Coalha o dunkerke de buxo.
No padrão frio
do estofo
Do cortinado
da porta,
Estrelejando
em cor morta
As Artemísia
do mofo.
Da memória
agora cai-me
Um gáudio para
as esposas:
Havia entre
tantas coisas
Um tomo azul
do D. Jaime.
Mas o que a
palheta doura
É o cabelo, a
fulva lhama
Da pequena
sobre a cama,
A flor da
opereta, a loira!
Livre do pente
e dos grampos,
Espalhado
sobre a fronha...
Ouro de cor
mais risonha
Que a da macega
dos campos,
Gemendo —
sorte do diabo!
Vítima, enfim,
de um ataque...
Murcho, da
casa do fraque
Caiu-me o jasmim
do Cabo...
II
Salero, viva Ia gracia!
Pepita, alegre
Pepita,
Lembras-me,
fresca e bonita,
Um flóreo ramo
de acácia.
Permite,
filha, que eu ache
Bizarra a tua
jaqueta,
Sobre curta
saia preta
Toda bordada a
sutache.
Risonho e
flavo domingo!
O sol enchendo
os espaços
Como enchia
antigos paços
O áureo
esplendor de um gardingo
Verão largo,
verão pleno,
Que faz estuar
o sangue
Na tua carne
alva e langue,
Pondo-me o
rosto moreno.
E cornetins, e
fanfarras
— Agora nisto
reparo,
Anda vibrando
no claro
O pelotão das
cigarras.
Vamos, oh!
alma espanhola,
À solidão de
uma quinta:
Meu braço na
tua cinta,
Teus dedos na
ventarola.
Vamos ver o céu
e o campo...
Põe ao alto a
trança ardente,
Apunhalada a
serpente
Pelo florete
de um grampo.
Belo atavio
descubro
Para o
penteado em novelo:
Na treva de
teu cabelo
O sangue de um
cravo rubro.
Não vamos lá
como ricos;
Como noivos...
que respondes?
Agora que
estão as frondes
Cheias de
flores e bicos!...
Contigo, flor
de Coquimbo,
Irei a pé
pelos ermos,
Buscando as
rimas e os termos
Nas espirais do
cachimbo.
Pelo matiz dos
caminhos,
Vendo-te o
chiste de guizos,
Há de se abrir
em sorrisos
A boca ingênua
dos ninhos.
Que não vá
outro conosco,
Para adiar
tanta coisa;
Contigo, a
sós, quem não ousa
Sobre um divã
de pão tosco?!
Sem testemunha
e sem pompa,
Que eu tenho
raiva do pasmo;
Nada esfrie o
entusiasmo,
Nada o meu
sonho interrompa,
Olhos de uva
em fronte nívea...
— Nessas duas
taças conto
Esvaziar
tonto, tonto,
Todo o Xerez
da lascívia.
Que me morda e
me massacre,
Fibra a fibra,
veia a veia,
Todo o enxame
da colmeia
Da tua boca de
lacre.
E um flamboyant
largo e velho,
Cheio de hera e
ditirambos,
Sobre o calor
de nós ambos
Abra um parágua
vermelho.
Aqui tens o
teu toureiro
(Sem glórias e
sem damasco)
Olha as
guitarras e o frasco...
Salero, niña, salero!
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