1/19/2020

Poesia de Cruz e Souza (Broquéis)


DEUSA SERENA

Espiritualizante Formosura
Gerada nas estrelas impassíveis,
Deusa de formas bíblicas, flexíveis,
Dos eflúvios da graça e da ternura.

Açucena dos vales da Escritura,
Da alvura das magnólias marcessíveis,
Branca Via-Láctea das indefiníveis
Brancuras, fonte da imortal brancura.

Não veio, é certo, dos pauis da terra
Tanta beleza que o teu corpo encerra,
Tanta luz de luar e paz saudosa...

Vem das constelações, do azul do Oriente,
Para triunfar maravilhosamente
Da beleza mortal e dolorosa!


TULIPA REAL

Carne opulenta, majestosa, fina,
Do sol gerada nos febris carinhos,
Há músicas, há cânticos, há vinhos
Na tua estranha boca sulferina.

A forma delicada e alabastrina
Do teu corpo de límpidos arminhos
Tem a frescura virginal dos linhos
E da neve polar e cristalina.

Deslumbramento de luxúria e gozo,
Vem dessa carne o travo aciduloso
De um fruto aberto aos tropicais mormaços.

Teu coração lembra a orgia dos triclínios...
E os reis dormem bizarros e sanguíneos
Na seda branca e pulcra dos teus braços.



APARIÇÃO

Por uma estrada de astros e perfumes
A Santa Virgem veio ter comigo:
Doiravam-lhe o cabelo claros lumes
Do sacrossanto resplendor amigo.

Dos olhos divinais no doce abrigo
Não tinha laivos de paixões e ciúmes:
Domadora do mal e do perigo
Da montanha da Fe galgara os cumes.

Vestida na alva excelsa dos profetas
Falou na ideal resignação de ascetas,
Que a febre dos desejos aquebranta.

No entanto os olhos dela vacilavam,
Pelo mistério, pela dor flutuavam,
Vagos e tristes, apesar de Santa!



VESPERAL

Tardes de ouro para harpas dedilhadas
Por sacras solenidades
De catedrais em pompa, iluminadas
Com rituais majestades.

Tardes para quebrantos e surdinas
E salmos virgens e cantos
De vozes celestiais, de vozes finas
De surdinas e quebrantos...

Quando através de altas vidraçarias
De estilos góticos, graves,
O sol, no poente, abre tapeçarias,
Resplandecendo nas naves...

Tardes augustas, bíblicas, serenas,
Com silêncio de ascetérios
E aromas leves, castos, de açucenas
Nos claros ares sidéreos...

Tardes de campos repousados, quietos,
Nos longes emocionantes...
De rebanhos saudosos, de secretos
Desejos vagos, errantes...

Ó Tardes de Beethoven, de sonatas,
De um sentimento aéreo e velho...
Tardes da antiga limpidez das pratas,
De Epístolas do Evangelho!...



DANÇA DO VENTRE

Torva, febril, torcicolosamente,
Numa espiral de elétricos volteios,
Na cabeça, nos olhos e nos seios
Fluíam-lhe os venenos da serpente.

Ah! que agonia tenebrosa e ardente!
Que convulsões, que lúbricos anseios,
Quanta volúpia e quantos bamboleios,
Que brusco e horrível sensualismo quente.

O ventre, em pinchos, empinava todo
Como réptil abjeto sobre o lodo,
Espolinhando e retorcido em fúria.

Era a dança macabra e multiforme
De um verme estranho, colossal, enorme,
Do demônio sangrento da luxúria!



FOEDERIS ARCA

Visão que a luz dos astros louros trazes,
Papoula real tecida de neblinas
Leves, etéreas, vaporosas, finas,
Com aromas de lírios e lilases.

Brancura virgem do cristal das frases,
Neve serene das regiões alpinas,
Willis juncal de mãos alabastrinas,
De fugitivas correções vivazes.

Floresces no meu Verso como o trigo,
O trigo de ouro dentre o sol floresce
E és a suprema Religião que eu sigo...

O Missal dos Missais, que resplandece,
A igreja soberana que eu bendigo
E onde murmuro a solitária prece!...



TUBERCULOSA

Alta, a frescura da magnólia fresca,
Da cor nupcial da flor da laranjeira,
Doces tons d'ouro de mulher tudesca
Na veludosa e flava cabeleira.

Raro perfil de mármores exatos,
Os olhos de astros vivos que flamejam,
Davam-lhe o aspecto excêntrico dos cactos
E esse alado das pombas, quando adejam...

Radiava nela a incomparável messe
Da saúde brotando vigorosa,
Como o sol que entre névoas resplandece,
Por entre a fina pele cor-de-rosa.

Era assim luminosa e delicada
Tão nobre sempre de beleza e graça
Que recordava pompas de alvorada,
Sonoridades de cristais de taça.

Mas, pouco a pouco, a ideal delicadeza.
Daquele corpo virginal e fino,
Sacrário da mais límpida beleza,
Perdeu a graça e o brilho diamantino.

Tísica e branca, esbelta, frígida e alta
E fraca e magra e transparente e esguia,
Tem agora a feição de ave pernalta,
De um pássaro alvo de aparência fria.

Mãos liriais e diáfanas, de neve,
Rosto onde um sonho aéreo e polar flutua,
Ela apresenta a fluidez, a leve
Ondulação da vaporosa lua.

Entre as vidraças, como numa estufa
No inverno glacial de vento e chuva
Que sobre as telhas tamborila e rufa,
Vejo-a, talhada em nitidez de luva...

E faz lembrar uma esquisita planta
De profundos pomares fabulosos
Ou a angélica imagem de uma Santa
Dentre a auréola de nimbos religiosos.

A enfermidade vai-lhe, palmo a palmo,
Ganhando o corpo, como num terreno...
E com prelúdios místicos de salmo
Cai-lhe a vida em crepúsculo sereno.

Jamais há de ela ter a cor saudável
Para que a carne do seu corpo goze,
Que o que tinha esse corpo de inefável
Cristalizou-se na tuberculose.

Foge ao mundo fatal, arbusto débil,
Monja magoada dos estranhos ritos,
Ó trêmula harpa soluçante, flébil,
Ó soluçante, flébil eucaliptus...



FLOR DO MAR

És da origem do mar, vens do secreto,
Do estranho mar espumaroso e frio
Que põe rede de sonhos ao navio,
E o deixa balouçar, na vaga, inquieto.

Possuis do mar o deslumbrante afeto,
As dormências nervosas e o sombrio
E torvo aspecto aterrador, bravio
Das ondas no atro e proceloso aspecto.

Num fundo ideal de púrpuras e rosas
Surges das águas mucilaginosas
Como a lua entre a névoa dos espaços...

Trazes na carne o eflorescer das vinhas,
Auroras, virgens músicas marinhas,
Acres aromas de algas e sargaços...



DILACERAÇÕES

Ó carnes que eu amei sangrentamente,
Ó volúpias letais e dolorosas,
Essências de heliotropos e de rosas
De essência morna, tropical, dolente...

Carnes virgens e tépidas do Oriente
Do Sonho e das estrelas fabulosas,
Carnes acerbas e maravilhosas,
Tentadoras do sol intensamente...

Passai, dilaceradas pelos zeros,
Através dos profundos pesadelos
Que me apunhalam de mortais horrores...

Passai, passai, desfeitas em tormentos,
Em lágrimas, em prantos, em lamentos,
Em ais, em luto, em convulsões, em cores...

 

REGENERADA

De mãos postas, à luz de frouxos círios
Rezas para as estrelas do Infinito,
Para os azuis dos siderais Empíreos
Das Orações o doloroso rito.

Todos os mais recônditos martírios,
As angústias mortais, teu lábio aflito
Soluça, em preces de luar e lírios,
Num trêmulo de frases inaudito.

Olhos, braços e lábios, mãos e seios,
Presos, d'estranhos, místicos enleios,
Já nas Mágoas estão divinizados.

Mas no teu vulto ideal e penitente
Parece haver todo o calor veemente
Da febre antiga de gentis Pecados.



SENTIMENTOS CARNAIS

Sentimentos carnais, esses que agitam
Todo o teu ser e o tornam convulsivo...
Sentimentos indômitos que gritam
Na febre intensa de um desejo altivo.

Ânsias mortais, angústias que palpitam,
Vãs dilacerações de um sonho esquivo,
Perdido, errante, pelos céus, que fitam
Do alto, nas almas, o tormento vivo.

Vãs dilacerações de um Sonho estranho,
Errante, como ovelhas de um rebanho,
Na noite de hóstias de astros constelada...

Errante, errante, ao turbilhão dos ventos,
Sentimentos carnais, vãos sentimentos
De chama pelos tempos apagada...



CRISTAIS

Mais claro e fino do que as finas pratas
O som da tua voz deliciava...
Na dolência velada das sonatas
Como um perfume a tudo perfumava.

Era um som feito luz, eram volatas
Em lânguida espiral que iluminava,
Brancas sonoridades de cascatas...
Tanta harmonia melancolizava.

Filtros sutis de melodias, de ondas
De cantos volutuosos como rondas
De silfos leves, sensuais, lascivos...

Como que anseios invisíveis, mudos,
Da brancura das sedas e veludos,
Das virgindades, dos pudores vivos.



SINFONIAS DO OCASO

Musselinosas como brumas diurnas
Descem do acaso as sombras harmoniosas,
Sombras veladas e musselinosas
Para as profundas solidões noturnas.

Sacrários virgens, sacrossantas urnas,
Os céus resplendem de sidéreas rosas,
Da lua e das estrelas majestosas
Iluminando a escuridão das furnas.

Ah! por estes sinfônicos ocasos
A terra exala aromas de áureos vasos,
Incensos de turíbulos divinos.

Os plenilúnios mórbidos vaporam...
E como que no azul plangem e choram
Cítaras, harpas, bandolins, violinos...



REBELADO

Ri tua face um riso acerbo e doente,
Que fere, ao mesmo tempo que contrista...
Riso de ateu e riso de budista
Gelado no Nirvana impenitente.

Flor de sangue, talvez, e flor dolente
De uma paixão espiritual de artista,
Flor de Pecado sentimentalista
Sangrando em riso desdenhosamente.

Da alma sombria de tranquilo asceta
Bebeste, entanto, a morbidez secreta
Que a febre das insânias adormece.

Mas no teu lábio convulsivo e mudo
Mesmo até riem, com desdéns de tudo,
As sílabas simbólicas da Prece!



MÚSICA MISTERIOSA...

Tenda de estrelas níveas, refulgentes,
Que abris a doce luz de alampadários,
As harmonias dos Estradivarius
Erram da lua nos clarões dormentes...

Pelos raios fluídicos, diluentes
Dos astros, pelos trêmulos velários,
Cantam Sonhos de místicos templários,
De ermitões e de ascetas reverentes...

Cânticos vagos, infinitos, aéreos
Fluir parecem dos azuis etéreos,
Dentre os nevoeiros do luar fluindo...

E vai, de estrela a estrela, a luz da Lua,
Na láctea claridade que flutua,
A surdina das lágrimas subindo...



SERPENTE DE CABELOS

A tua trança negra e desmanchada
Por sobre o corpo nu, torso inteiriço,
Claro, radiante de esplendor e viço,
Ah! lembra a noite de astros apagada.

Luxúria deslumbrante e aveludada
Através desse mármore maciço
Da carne, o meu olhar nela espreguiço
Felinamente, nessa trance ondeada.

E fico absorto, num torpor de coma,
Na sensação narcótica do aroma,
Dentre a vertigem túrbida dos zeros.

És a origem do Mal, és a nervosa
Serpente tentadora e tenebrosa,
Tenebrosa serpente de cabelos!...



POST MORTEM

Quando do amor das Formas inefáveis
No teu sangue apagar-se a imensa chama,
Quando os brilhos estranhos e variáveis
Esmorecerem nos troféus da Fama.

Quando as níveas estrelas invioláveis,
Doce velário que um luar derrama,
Nas clareiras azuis ilimitáveis
Clamarem tudo o que o teu Verso clama.

Já terás para os báratros descido,
Nos cilícios da morte revestido,
Pés e faces e mãos e olhos gelados...

Mas os teus Sonhos e Visões e Poemas
Pelo alto ficarão de eras supremas
Nos relevos do Sol eternizados!



ALDA

Alva, do alvor das límpidas geleiras,
Desta ressumbra candidez de aromas...
Parece andar em nichos e redomas
De Virgens medievais que foram freiras.

Alta, feita no talhe das palmeiras,
A coma de ouro, com o cetim das comas,
Branco esplendor de faces e de pomas
Lembra ter asas e asas condoreiras.

Pássaros, astros, cânticos, incensos
Formam-lhe aureoles, sóis, nimbos imensos
Em torno a carne virginal e rara.

Alda fez meditar nas monjas alvas,
Salvas do Vício e do Pecado salvas,
Amortalhadas na pureza clara.



ACROBATA DA DOR

Gargalha, ri, num riso de tormenta,
Como um palhaço, que desengonçado,
Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
De uma ironia e de uma dor violenta.

Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
Agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta clown, varado
Pelo estertor dessa agonia lenta...

Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
Nessas macabras piruetas d'aço...

E embora caias sobre o chão, fremente,
Afogado em teu sangue estuoso e quente
Ri! Coração, tristíssimo palhaço.



ANGELUS...

Ah! lilases de Ângelus harmoniosos,
Neblinas vesperais, crepusculares,
Guslas gementes, bandolins saudosos,
Plangências magoadíssimas dos ares...

Serenidades etereais d'incensos,
De salmos evangélicos, sagrados,
Saltérios, harpas dos azuis imensos,
Névoas de céus espiritualizados.

Ângelus fluidos, de luar dormente,
Diafaneidades e melancolias...
Silêncio vago, bíblico, pungente
De todas as profundas liturgias.

É nas horas dos Ângelus, nas horas
Do claro-escuro emocional aéreo,
Que surges, Flor do Sol, entre as sonoras
Ondulações e brumas do Mistério.

Surges, talvez, do fundo de umas eras
De doloroso e turvo labirinto,
Quando se esgota o vinho das Quimeras
E os venenos românticos do absinto.

Apareces por sonhos neblinantes
Com requintes de graça e nervosismos,
Fulgores flavos de festins flamantes,
Como a estrela Polar dos Simbolismos.

Num enlevo supremo eu sinto, absorto,
Os teus maravilhosos e esquisitos
Tons siderais de um astro rubro e morto,
Apagado nos brilhos infinitos.

O teu perfil todo o meu ser esmalta
Numa auréola imortal de formosuras
E parece que rútilo ressalta
De góticos missais de iluminuras.

Ressalta com a dolência das Imagens,
Sem a forma vital, a forma viva,
Com os segredos da lua nas paisagens
E a mesma palidez meditativa.

Nos êxtases dos místicos os braços
Abro, tentado de carnal beleza...
E cuido ver, na bruma dos espaços,
De mãos postas, a orar, Santa Teresa!...



LEMBRANÇAS APAGADAS

Outros, mais do que o meu, finos olfatos,
Sintam aquele aroma estranho e belo
Que tu, ó Lírio lânguido, singelo,
Guardaste nos teus íntimos recatos.


Que outros se lembrem dos sutis e exatos
Traços, que hoje não lembro e não revelo
E se recordem, com profundo anelo,
Da tua voz de siderais contatos...

Mas eu, para lembrar mortos encantos,
Rosas murchas de graças e quebrantos,
Linhas, perfil e tanta dor saudosa,

Tanto martírio, tanta mágoa e pena,
Precisaria de uma luz serene,
De uma luz imortal maravilhosa!...


SUPREMO DESEJO

Eternas, imortais origens vivas
Da Luz, do Aroma, segredantes vozes
Do mar e luares de contemplativas,
Vagas visões volúpicas, velozes...

Aladas alegrias sugestivas
De asa radiante e branca de albornozes,
Tribos gloriosas, fúlgidas, altivas,
De condores e de águias e albatrozes...

Espiritualizai nos astros louros,
Do sol entre os clarões imorredouros
Toda esta dor que na minh'alma clama...

Quero vê-la subir, ficar cantando
Na chama das estrelas, dardejando
Nas luminosas sensações da chama.



SONATA

I
Do imenso mar maravilhoso, amargos,
Marulhosos murmurem compungentes
Cânticos virgens de emoções latentes,
Do sol nos mornos, mórbidos letargos...

II
Canções, leves canções de gondoleiros,
Canções do amor, nostálgicas baladas,
Cantai com o mar, com as ondas esverdeadas,
De lânguidos e trêmulos nevoeiros!

III
Tritões marinhos, belos deuses rudes,
Divindades dos tártaros abismos,
Vibrai, com os verdes e acres eletrismos
Das vagas, flautas e harpas e alaúdes!

IV
O Mar supremo, de flagrância crua,
De pomposas e de ásperas realezas,
Cantai, cantai os tédios e as tristezas
Que erram nas frias solidões da Lua...


MAJESTADE CAÍDA

Esse cornoide deus funambulesco
Em torno ao qual as Potestades rugem,
Lembra os trovões, que tétricos estrugem,
No riso alvar de truão carnavalesco.

De ironias o momo picaresco
Abre-lhe a boca e uns dentes de ferrugem,
Verdes gengivas de ácida salsugem
Mostra e parece um Sátiro dantesco.

Mas ninguém nota as cóleras horríveis,
Os chascos, os sarcasmos impassíveis
Dessa estranha e tremenda Majestade.

Do torvo deus hediondo, atroz, nefando,
Senil, que embora, rindo, está chorando
Os noivados em flor da Mocidade!


INCENSOS

Dentre o chorar dos trêmulos violinos,
Por entre os sons dos órgãos soluçantes
Sobem nas catedrais os neblinantes
Incensos vagos, que recordam hinos...

Rolos d'incensos alvadios, finos
E transparentes, fúlgidos, radiantes,
Que elevam-se aos espaços, ondulantes,
Em Quimeras e Sonhos diamantinos.

Relembrando turíbulos de prata
Incensos aromáticos desata
Teu corpo ebúrneo, de sedosos flancos.


Claros incensos imortais que exalam,
Que lânguidas e límpidas trescalam
As luas virgens dos teus seios brancos.



LUZ DOLOROSA...

Fulgem da Luz os Viáticos serenos,
Brancas Extrema-Unções dos hostiários:
As estrelas dos límpidos Sacrários
A nívea lua sobre a paz dos fenos.

Há prelúdios e cânticos e trenos
Tristes, nos ares ermos, solitários...
E nos brilhos da Luz, vagos e vários,
Há dor, há luto, há convulsões, venenos...

Estranhas sensações maravilhosas
Percorrem pelos cálices das rosas,
Sensações sepulcrais de larvas frias...

Como que ocultas áspides flexíveis
Mordem da Luz os germens invisíveis
Com o tóxico das cóleras sombrias...



TORTURA ETERNA

Impotência cruel, ó vã tortura!
Ó Força inútil, ansiedade humana!
Ó círculos dantescos da loucura!
Ó luta, ó luta secular, insana!

Que tu não possas, alma soberana,
Perpetuamente refulgir na altura,
Na Aleluia da luz, na clara Hosana
Do Sol, cantar, imortalmente pura.

Que tu não posses, Sentimento ardente,
Viver, vibrar nos brilhos do ar fremente,
Por entre as chamas, os clarões supernos.

Ó Sons intraduzíveis, formas, cores!...
Ah! que eu não possa eternizar as cores
Nos bronzes e nos mármores eternos!



TORRE DE OURO

Desta torre desfraldam-se altaneiras,
Por sóis de céus imensos broqueladas,
Bandeiras reais, do azul das madrugadas
E do íris flamejante das poncheiras.

As torres de outras regiões primeiras
No amor, nas glórias vãs arrebatadas
Não elevam mais alto, desfraldadas,
Bravas, triunfantes, imortais bandeiras.

São pavilhões das hostes fugitivas,
Das guerras acres, sanguinárias, vivas,
Da luta que os espíritos ufana.

Estandartes heroicos, palpitantes,
Vendo em marcha passe aniquilantes
As torvas catapultas do Nirvana!

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