A DOMADORA DE FERAS
I
A tua mão pequenina,
Onde cabe um mundo, eu sei,
Bem sei a gente imagina
Um mundo na mão de um rei,
Foi ao lôbrego escondrilho,
Em que rugia um leão;
Cegou-o: tanto era o brilho,
Que te escorria da mão.
E lhos passaste nas crinas
Fulvas, coroando a cerviz,
Os dedos das mãos divinas,
Os lírios de hastes gentis.
Como talharam Ariana
Montada num tigre audaz,
Superior à força humana,
Sobre o rei dos animais,
Com tanta graça subiste,
Graça, que à fera se impôs,
Que o leão, que estava triste,
Julguei-o alegre depois.
Eu ia de lado, vendo
O teu gracejo infantil,
Que tornava o leão horrendo
Tão manso que era imbecil.
Depois deixaste-o e vieste
Sentar-te junto de nós:
Mas no teu rosto celeste
Rugia um gesto feroz.
Tinhas as langues brancuras,
E as vagas inquietações
Da estrela em noites escuras,
Do mar à voz dos tufões.
E de umas altas esferas
Tu dizias com desdém:
—
Meu gosto é domar as feras:
Faz-te fera, e depois vem.
Cresce, enraiva-te, salteia,
Vem depois, te hei de mostrar
Como em ter um grão de areia
Cai despedaçado o mar.
Com o movimento mais brando
De um dedo da minha mão,
Se quero, vê, quando eu ando,
Levo após mim um leão. —
Eu disse, ouvindo-a: —
Deveras?
Pois só a brutos quer bem?
É domadora de feras?
Pois vou ser fera também.—
II
(Leão domado)
Quando eu tiver nos meus
olhos,
Tiver no meu coração,
O que o mar tem nos escolhos,
E tem no seio o vulcão:
O que tem a tempestade
Nos relâmpagos sutis,
E a audácia, a argúcia, a
crueldade
Das águias contra os reptis:
Quando indomado percorra
Arneiro, espaço, areais,
Quem me dirá que não corra?
Quem diz ao vento: —
onde vais?
Como aí vai longe o
deserto!...
Oh! que infinita amplidão!...
Ruge? —
É o furacão
decerto.
Brame? —
É decerto o leão.
0s seus rugidos atrozes,
As suas cóleras pois
Têm o horror das mesmas
vozes,
Têm um só grito ambos dois.
Sacode as asas o vento,
As crinas ergue o leão,
Luxuoso, rubro, opulento,
Terrível, como eles são.
Que vulcão flamante lhe arde
Dentro da órbita audaz!...
Tornar um leão cobarde!...
Quem pois é disso capaz?
És tu, mulher? —
E tu podes
Fazer aos teus pés cair
Esse colosso de Rodes,
Sem também nos fazer rir?
Levar a mão à cratera.
E dizer: —
para, — ao vulcão:
E, domadora de fera,
Fazer o mesmo ao leão?...
Tu podes tudo decerto:
Tu tens um condão fatal:
Mas... o leão do deserto
Dono e rei de todo o areal,
Domá-lo? vencê-lo? é crível?
Não... não o acredito eu:
Antes julgo mais possível
Fazer, como Prometeu:
Subir de qualquer maneira
Ao céu, a que já tens jus,
Trazer pela cabeleira
Um astro, sangrando luz.
A mim, não. —
Guardo os audazes
Gestos de um rei secular:
Tu és a fonte no oásis,
No oásis o meu palmar:
E sob a umbela das matas,
Que Deus só fez para nós,
Rio em que mergulho as patas,
Que tem reflexos de sóis:
Pela extensão do deserto
És raríssimo nopal,
A cuja sombra coberto
Repousa o fero animal;
És a viração macia,
Que nos suaviza o calor;
A flor, que o aroma irradia,
E a graça da amada flor.
Guardo a minha liberdade,
Minha opulência de rei:
Do que é meu, da imensidade
Nem os limites eu sei.
Jamais contei as estrelas,
Os meus tesouros reais,
Quando me agarro, e vou
vê-las
Na juba dos vendavais.
E já sentia-me irado,
Raspava as unhas no chão;
Seu belo corpo rasgado
Era a presa do leão.
Que carne branca tremia
Nas minhas garras fatais;
Que áurea luz de sol lambia
Nessas feridas mortais,
Que eu riscava no alabastro
Do seu corpo encantador:
Eu cria comer um astro,
E unhas no próprio sol pôr...
Chupava as datas frementes,
Vendo a púrpura luzir:
Passava a língua entre os
dentes,
Grunhia, que era o meu rir...
Ou ódio, ou amor profundo,
No meu banquete de rei,
Quisera dizer ao mundo:
—
Que sol na garra apanhei!
E esta, e outras quimeras
Inchavam-me o coração!
A domadora de feras
Ria-se; —
e a um gesto da mão,
Ligeiro, doce, invisível,
Prendia-me; e a sua voz
À multidão, impassível,
Mostrava o leão feroz.
III
(Montada sobre uma estrela)
Oh! não desdenhes do leão
domado,
Que por teus pés dormita,
Que deixou seu deserto
abandonado:
Porque viver, morrer, —
sendo ao teu lado,
É-lhe suprema dita.
Como o africano furacão
pudera
Levantar-me violento,
E livre e solto por mais alta
esfera
Dizer: —
quem há que dome a altiva fera,
Quem há que dome o vento:
Quem há que amolgue o mar,
quando o golpeia
A raiva da procela,
E o raio fulvo as clinas lhe
incendeia,
E a vaga cresce, e espuma, e
cospe à areia
Tudo o que anda por ela?
Eu sou o mar indômito,
dormindo,
Como o leão domado,
À luz que vem dos olhos teus
sorrindo,
E ao sol do rosto teu, ao sol
mais lindo,
Que em céus haja brilhado.
Eu sou, podes dizer, a
horrenda fera...
E pudeste contê-la
Num dos olhares teus, que
amor só gera:
Ariana montava uma pantera,
Montas tu uma estrela.
Porque tudo tua mão amolda, e
imprime,
Ó domadora enorme,
O que há de grande, e belo, e
de sublime;
E a fera, e a estrela, e a
maldição, e o crime
Calcado aos teus pés, dorme.
Enches o céu de luz, como as
auroras,
E, como as primaveras,
Tudo o que tocas com teu dedo
enfloras,
E tens aos pés dois astros
como esporas,
Domadora de feras.
SOL ACORRENTADO
Não é um leão indômito:
imagina
Minha alma um sol no espaço,
Que se equilibra, gira, anda,
ilumina,
Que de lá desce à tua mão
divina,
E acompanha-te a passo:
A teus olhos, esplêndidas
argolas,
Em fio, que a teu grado
Colhes agora, agora
desenrolas,
Vai minha alma, que te ama, e
não consolas,
Um astro acorrentado...
MONÓLITOS
Rolam sem luz, estrelas
desmaiadas,
Pobres princesas no aflitivo
exílio,
Já sem as sombras que projeta
o cílio
Franjado e grande as faces
desbotadas.
De larva imunda esquálidas
falenas
Destoucadas de frescas
primaveras,
Têm o morno desdém das
bestas-feras,
Que nem já os grilhões mordem
apenas.
Descem dos lábios, pelas
gastas linhas
Do rosto, uns risos, que
parecem antes
As sombras mortas dos
sorrisos de antes,
Quando elas tinham corte e
eram rainhas.
Passaram, como em violento
atrito
Entre as rodas de ferro da
desgraça,
Assim como desfeito em voltas
passa
Entre o ferro, que talha, o
monólito.
O que é cada falena impura
agora,
Sem luz nos olhos, sem pudor
na fronte?
Sol que passou a linha do
horizonte,
Pobre cadáver de formosa
aurora.
Não as desprezem, não. —
Foram pedaços
De mármore gentil
esperdiçados,
Podendo ser em deuses
trabalhados,
Ou para catedrais, ou régios
paços,
Mas que o capricho do
escultor numa hora
Fez hidras, fez leões, e fez
serpentes,
E soltou-os esplêndidos,
frementes
Sobre o mundo, que as beija,
e que as devora.
Tu, austero filósofo, o que
queres?
Não vês que o mundo as faz e
as repudia?
E o sol, que te acalenta, as
alumia,
E Deus quer bem as crianças e
as mulheres?
Nasceram dóceis, virginais e
belas:
A miséria do berço as pôs em
terra,
As asas no seu lodo aperta,
encerra...
Ai! pudessem fugir... iriam
nelas.
Lodo por lodo, o lodo mais
brilhante,
Cheio de aroma embriagador e
festas,
De noites mornas e amorosas
sestas,
Longas ânsias de amor em
breve instante;
Nas taças cheias de licor que
embriaga,
E adormece a razão e o amor
acorda,
Que em doidos sonhos de
prazer transborda,
E com mãos de cetim nossa
alma afaga:
Deixaram aí as asas
penduradas,
De infindas bacanais na louca
cena:
Aí foram perdendo pena e
pena,
E o rico véu das ilusões
douradas.
Morrei bem cedo, ó mortas
formosuras:
Morrei... morrei bem cedo: —
entre os
destroços
De vosso corpo surgirão os
ossos
Brancos, bem como os das
Vestais mais puras.
Deus, que perdoa os hórridos
delitos,
Talvez vos dê no céu novos
altares,
Vós, que andais pela terra e
ides milhares
Esmigalhadas, como
monólitos...
DEAE IRRITABILIS MANUS
Não vês naquela mão a
irritabilidade
De um pássaro gentil, nervoso
e fugitivo?
Recua, e voa, e foge à
possibilidade
De tocá-lo de leve um dedo
convulsivo.
Como se encrespa um lago e as
águas amarrota
A pontinha de uma asa ali
passando acaso,
Fica a gente a cismar, e
fundamente nota
Que crispações verá naquele
humano vaso...
O que se passa em todo aquele
ser convulso?
Que estrelas encherão o
abismo de sua alma?
Quem poderá tomar-lhe o
rebater do pulso?
Quem pode atravessar sua
aparente calma?
Descer de todo o ser à
profundeza imensa,
Ir do espírito ao fundo, —
oceano que
ressona, —
E ver o que ele sente, e
sofre, e goza, e pensa:
Trazer do fundo mar qualquer
coral à tona...
Qualquer coral, que mostre o
que em si vive e sente,
Qualquer coral, que traga à
luz o seu segredo,
E diga, quando quero a mão
tocar somente,
Se acaso aquilo é ódio, ou
amor, ou tédio, ou medo?!...
NOTURNO
That fools rush where angels fear to tread.
Pope
Per amica silentia lunae...
VIRGÍLIO —
ENEIDA
I
Era à beira do mar um louco. —
A vaga
Ia após vaga escabelada e a
plaga
Desciam rindo ou rorejando em
pranto
Glauco, em nudez, ao olhar da
lua, enquanto
Num verde aflar, num
sonolento esforço,
Cianótico o mar, rugoso o
dorso,
O dorso azul de escamas
prateadas,
Nelas metia as patas de
elefante.
Ouvia-se, ao fugirem do
gigante,
O rumor das pequenas
gargalhadas,
Que iam a rir nas verdejantes
bocas,
Quando umas a saltar sobre
outras, loucas!
Como um bando de virgens
tresmalhadas,
Esfuziavam de volta à branca
areia,
Só para ter o delicioso gozo
De ver o velho, em cólera e
espumante,
Vir de novo e de novo atrás
voltar...
E estava à praia luminosa
cheia
Desse vago rumor que anda ao
luar.
II
E era à beira do mar, e só. —
As ondas
Já muito quietas, tímidas,
redondas,
De largos pingos de ouro
salpicadas,
Como fímbrias sutis,
arrendilhadas,
De um manto enorme, real,
desenroladas
Na nua praia branca e
solitária,
Que se arqueia na curva
graciosa
De dois braços, que querem
recebê-las,
De um deus qualquer, que
molda a mente vária;
Cosia o manto azul milhão de
estrelas,
Que no contínuo e tépido
balanço
Vão como cisnes de ouro ali
de manso...
Cobre o mar fina espuma de um
tecido
Fabricado em teares
holandeses;
E estava assim tão belo e bem
vestido
Como costuma estar bem poucas
vezes.
III
E era à beira do mar, e
só!... Ao longe
Em cada teso ajoelhava um
monge.
No palor baço e turvo que a
envolvia,
Ao sul e ao norte, a crespa
serrania
Recortava o seu dorso
colossal.
Os rochedos desnus dos altos
cimos,
Como pedaços de cristal
polido,
Refletem ao luar as mil
facetas,
Num véu de gaza fina
amortecido.
Iam brincar os raios dos
planetas
Nas arestas de um mísero
palhal,
E as tornavam de longe, sobre
os mares,
Como as brunidas torres
seculares
De uma marmórea habitação
real...
Névoa impalpável, úmida,
ligeira
Acariciava a natureza
inteira,
Hausto largo de um beijo
virginal...
IV
E era à beira do mar, e só. —
A lua
Em leito mole reclinada e
nua,
Calma viúva, inerte e
solitária,
Quase estagnada como a luz de
um poço,
Morbe, como o rumor de uma
plegária,
Parecia cismar num noivo
moço.
A luz de um poço... um poço
no deserto,
Que inda está longe e está-se
a ver tão perto...
E um poço azul num céu azul
cavado,
Céu, cuja curva doce lado a
lado
Dessa abóbada imensa o espaço
ampara:
E a luz fluida de um poço em
todo o espaço
Devera envenenar e a quem
provara
Dera ainda mais sede e mais
cansaço...
Lua, filha da dor e da
saudade,
Serás viúva em toda a
eternidade...
Tu irás só por todo o teu
caminho,
Nenhum beijo de amor, nenhum
carinho;
Cheio de sonhos teu aflito
peito,
Sem companheiro em teu divino
leito!...
E o que é pior, sem mesmo uma
esperança...
Dize, viúva do amor, a dor
não cansa?...
V
E era à beira do mar, e só...
— Findara
O mês de março: o outono, que
começa,
Respirava uma límpida
bafagem,
Raro incenso cercando a luz
de uma ara;
E nessa hora da noite azul, e
nessa
Exalação suave, que a
envolvia,
Serena, calma, voluptuosa, e
doce,
Enamorando a sua própria
imagem,
Se desatava a esplêndida baía
Como se a própria Guanabara
fosse
Que do fundo do mar ali surgia.
As brancas velas túmidas,
inchadas
Pelas noturnas, frígidas
rajadas,
Como lâminas de aço
embaciado,
Iam cortando o ar a
punhaladas,
Por um braço invisível
manejadas.
Eis um drama da noite
recitado
No palco azul da vaga
luzidia.
Como um lago de forma
circular,
Até aos pés dos Órgãos a baía
Se estende, como um céu que
vai quebrar.
As ilhas que lhe dormem pelo
seio,
Cheias de luz, pousando sem
receio,
Parecem aves de ouro a
ressonar.
Nas montanhas mais próximas,
banhadas
De luz mais branca, e nessas
afastadas,
Em fundo mais escuro e
vaporoso,
Como um bando de pombas em
repouso,
Ou também como grandes
mariposas,
Aqui e ali, mais longe,
abaixo e acima,
Encolhidas no flanco as
largas asas,
No dormir a sonhar das
grandes coisas,
Que um raio acorda e que uma
voz anima,
Entre flocos de luz as níveas
casas
Riem pra o céu profundo as
telhas de ouro.
Era uma velha revestida em
monge
O Pão de Açúcar, que
se via ao longe,
Velha indiana de pedra, sem
cocar,
Cuja cabeça nua ao luar
brilha,
Glaucamente inclinada e olhando
o mar:
Parece inda chorar a linda
filha,
E sobre a prata líquida, que
cobre
A cova sua, como lapa enorme,
Sentinela avançada, que não
dorme,
Recurva o busto amorenado e
nobre.
Além o oceano majestoso para:
Aquém, no manto escuro de
granito,
Há séculos que chora a
Guanabara,
Muda e inda soltando um mudo
grito.
Os outeiros ao pé, seu leito
outrora,
De veludos de relva estão
cobertos,
Dos seus lençóis esplêndidos
desertos;
E onde a fria nudeza alpestre
mora
Foram tálamos régios e
opulentos,
Cujas cobertas de esmeralda
fina,
Sob as tendas do céu à chuva
e aos ventos,
Uma e uma esfizeram-se em
ruína.
E os criptogamos, epitáfios
lentos
Que o tempo escreve, o tempo
a ler ensina.
VI
E era à beira do mar, e só. —
De tudo
Isso era parte um louco... um
louco e mudo!
Ele estava no céu, no mar, na
lua,
Nas encostas da serra, onde
flutua
Dentro, no meio do matal
maciço,
Sempre cheiroso, e em flor, e
sempre em viço,
Um clarão lirial pelas
abertas,
Como um bando de Dríades em
dança,
Que numa volta espalma-se e
descansa
Em posições fantásticas,
incertas:
Aqui e ali na imagem vaporosa
Que a luz da noite vagamente
aviva,
E que de roupas mal cosidas
veste,
Como falange esplêndida e
celeste,
Que os deuses deixam vir dos
seus Olimpos,
Por caminhos do céu, de
nuvens limpos,
Nas virações, nos barcos, nas
ilhotas,
Junto, na praia, ao longe,
nas remotas
Colinas e nos mil rumores
vagos,
Nos vergéis, que andam rindo
ao pé dos lagos,
E florem sempre, perfumando
os ares,
Da natureza em rútilos
altares,
Que sustentam o que grande e
etéreo há na arte,
O louco estava em tudo e em
toda parte,
Como de tudo um átomo
esquecido.
Mas dentro em tudo, em tudo
enfim metido.
Ele cria que tudo —
céus e estrelas,
Quantas vê, quantas há, sem
poder vê-las.
Ele e o vento, onda e mar,
acesos lumes,
Vozes, rumores, músicas,
perfumes,
A noite, e toda aquela
claridade,
Num pasmo só, num único
desejo.
Tudo esperava estranha
divindade,
Obra feita de amor e luz de
um beijo,
Que a vida remoldara num
festejo
Tão longo como a mesma
eternidade...
Velha história de amor, que é
sempre nova,
Que anda sempre a oscilar do
berço à cova.
VII
E era à beira do mar... Ela
não vinha!
Espumava-lhe aos pés a alga
marinha!
E o mar macio, lânguido,
domado,
Dos clarões do luar
incendiado,
Menos água, que os olhos
seus, continha.
Ele sentia o vago
inquietamento,
Que atinge a noite em todo o
firmamento,
Que tem o mar, com que soluça
o vento,
Com que para o seu fim tudo
caminha;
Sobrava-lhe o infinito do
desejo:
Cada rumor lhe parecia um
beijo,
E essa sombra de um beijo
inda o sustinha,
Fluida ambrosia enchendo uma
cratera,
Em que ia, segurando as duas
asas,
Beber o céu, os sóis e a
primavera.
Talvez, porém, na palidez
serena
Do seu rosto suave e doentio,
A sua alcova límpida e
pequena
Iluminava, se escondendo ao
frio.
Nas ondas loiras dos cabelos
dela
Depor quisera todo o
firmamento,
À branca fronte o olhar de
uma gazela,
Astros em roda, em giro
sonolento!
Sonho de amor, que se prateia
à lua,
Que abre de noite como o
cacto expande,
Que das Quimeras entre os
sóis flutua,
E que é, como albatroz, em
azuis só grande!...
VIII
Quando o dia voltar, trazendo
aos ombros,
Como um rochedo de ouro o sol
polido,
Nos cinábrios do esplêndido
vestido,
Toda envolvendo-a um flavo pó
de escombros,
Escondendo esta noite e o
luar brando,
Onde estará o louco
desnoitado?
Por onde ele andara
peregrinando?
Em que deserto ele refaz seu
sonho?
Em que vórtice novo irá
levado,
Vórtice novo, feio, atro,
medonho?
E esta noite tão lânguida e
serena,
Pelo beijo de um deus
qualquer sagrada,
Que entre frouxos de luz se morre,
e é pena!
Quem a terá nos seios seus
guardada?
Acres brisas da noite, ó doce
alento,
Em que o ar do seu peito se
mistura,
Ide mexer-lhe o branco
cortinado,
E roçar, quase a medo, a
fronte pura
Dessa angélica e suave
criatura,
Já que o não pode o mísero e
coitado!...
Em que musgo se aninha uma
ventura!...
Noite... noite de amor, como
hás passado?
Mas ficaria o teu reflexo
puro,
Para lembrança eterna do
futuro,
Nalgum canto do céu
iluminado?
Quem saber pode a triste
história a fundo
Dos loucos sonhadores deste
mundo?!...
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