PÓRTICO
Espadim de
Romeu feito em Verona,
Posto ao lado
do cinto de áureas trenas,
Afivelado
pelas mãos pequenas
De apaixonada
e virginal madona;
Balcão, cheio
de rosas e arabescos,
Onde um
mavioso bandolim se ouvia
Lá pela noite
langorosa e fria...
Versos
tremidos e madrigalescos;
Torreões de
opala, alcovas de escarlata
Abertas para o
amor e para a neve,
Quando exalava
o Cós, fervente e leve,
Nas abrifauces
ânforas de prata;
Diáfanas,
doces castelãs e mestas
Damas de
honor, a espreita dos amantes.
Na gelosia
verde dos mirantes,
Coroadas de pálidas
giestas;
Dóceis faisões
de venezianos paços,
E outras aves
reais de adorno e fama
Pavoneando a
pluma-íris e lhama,
Na balaustrada
ebúrnea dos terraços;
Cetinosas espáduas,
nucas de ouro,
Roçagantes veludos
e alta seda,
Tudo
incendiado pela labareda
Do ciumento
olhar de um pajem loiro;
Globos,
talhados em jasmim cheiroso,
Enchendo o
ninho quente dos decotes
Cheios de
beijos e de miosótis,
Num romântico eflúvio
capitoso;
Modorrento
luar de cacto branco
E camélias
albentes esfolhadas,
Em cujo raio
as almas namoradas
Foi-se a vida
dourada das varandas
Perfumadas a lírio
e a violeta...
Só, do
Passado, o amor de Julieta
Numa vaga efusão
de essências brandas!
SUA ALTEZA
I
Afivelados —
cinto e esporas de ouro,
Volve ele à imagem
desolada e branca,
Que, então,
contrita, as lágrimas estanca,
Desfeita a
coifa do cabelo loiro:
Sê tu com Deus!
E se os brasões do mouro
O meu selado
brio não arranca
E eu não
plantar a lança em Salamanca,
Não sobreviva
o corpo a tal desdouro;
Ferro de meus
avós, D. Florio o jura...
Eis que súbito
um pranto de amargura
Pelos olhos de
céu da esposa se abre!
E altivo, e
nobre, o cavaleiro assiste
À dor dessa princesa
amada e triste,
Com a mão em
voto sobre a cruz do sabre!
II
Diáfana,
esgalga, apiedando a gente,
Borboleta de
extinta primavera,
Surge-me dentre
madressilvas e hera,
Como gelada
pérola dormente.
No lis murcho
da tarde o olhar morrente,
No êxtase frio
de estelar quimera,
Com o livro de
Horas no regaço, espera
Vésper, a
hóstia do Ângelus, no poente...
Açucena litúrgica
de ermida;
Flui um frouxo
crepúsculo de vida
Seu débil
corpo, órgão—sonoro e etéreo,
Que, no anseio
divino de outra plaga,
Como a mais
leve das falenas, vaga
Balouçada nas
asas do Mistério!
III
Essa, de luto
e pálpebra magoada,
Branca,
franzina e lirial condessa,
Vai viver sob
o império da abadessa,
Num convento
de Espanha enclausurada.
Ela, faustosa
dama cortejada?
Tão às divinas
práticas avessa,
Despe o
diadema e os sonhos da cabeça
No pavor de
uma cela amargurada!
Indiferente e
rústica tesoura
Corta-lhe hoje
a famosa trança loira,
Que era o
encanto do rei. Sóror humilde,
Vai se
engolfar em místicas tristezas
A mais galante
e bela das princesas,
A muito amada
e pálida Matilde!
IV
O alvo
espectro de um lírio se levante
Ao mago luar
de minha fantasia,
Que não me
obumbra, d’alma doentia,
O dorido palor
do seu semblante...
Palidez de camélia,
no ermo instante
De alçar o cálix
para a noite fria;
Palor banhado
de melancolia
De um
crepúsculo doce e agonizante,
Que é a luz desses
olhos, repassados
Da violeta
quaresmal do luto,
Do miserere amargo dos pesares;
Olhos piedosos
para o céu voltados
E cujo pranto
é tristemente enxuto
Na toalha de
linho dos altares!
TURF
Domingo. O
verde embaixo, o azul em cima.
E o cristal da
manhã vibrando ao meio;
O sol parece
um guizo de ouro, cheio
Da alegria
sonora de uma rima.
Belo dia de
luz para um torneio
De florete,
que os músculos anima,
E o sangue,
então, na intrepidez da esgrima
A espadanar-te
em púrpuras no seio;
Ou para um tour de champ de meia légua
Num fáeton de
asas, atrelado à égua,
Lustroso ao
sol, como o verniz de um cromo;
Vendo-te a
fina flor, da arquibancada,
Qual uma
enorme e rútila granada
Flamejando na
raia do hipódromo!
NA ESCÓCIA
O espiralado
mármore transposto,
Perscruto, à entrada:
singular tristeza
Vara o palácio
heráldico da inglesa,
O requinte do
luxo e do bom gosto.
Da cadeira de Córdoba
no encosto
Fulge a cabeça
de ouro da duquesa,
Ao fosco luar
da serpentina acesa...
— Como,
senhora, lágrimas no rosto?
E alçando, e
abrindo a esguia mão de opala,
Para
saudar-me, um suave cheiro voa,
Como se um lírio
abrisse em plena sala!
Morrera à neve
(ela o episódio traça
Com um “trêmulo”
de voz que me magoa)
O dourado
faisão de Sua Graça!
NAMORADOS
Nessas manhãs
alegres, perfumadas,
De éter sadio
e claro firmamento,
Acariciando o
mesmo pensamento
Percorremos o
parque, de mãos dadas.
Aves trinando
em cima das ramadas,
Alvos patos e
um cisne a nado lento
Sobre as águas
do lago, num momento
Pela brasa do
sol ensanguentadas...
Brilha o
sereno trêmulo nas pontas
Do vistoso
gramal, como se fosse
Solto rosário
de opalinas contas...
Enquanto uns
casos rústicos de aldeia
Eu vou
narrando-lhe, em linguagem doce,
Escuto a queixa
de seus pés na areia!
AO CHÁ
Conversávamos
uma noite destas
Ao chá, e me
falava a baronesa,
Meio inclinada
ao ângulo da mesa,
De certas coisas
suavemente honestas.
Tinha duas
paixões: a Itália e as festas,
As ruidosas
partidas da nobreza,
Em que afogava
a lírica tristeza
Das fantasias
e ambições funestas...
Isto dizia a titular
senhora
A chávena
mexendo... E o pranto agora
De seus olhos
azuis o brilho empana...
Mas resistiu
aos íntimos embates,
E foi levando
aos lábios escarlates
A reluzente e
clara porcelana.
MANHÃ DE SPORT
— Pronto, milady. E, improvisado pajem,
Mão sobre o
freio refulgente de aço
E a outra
espalma, em meia curva o braço,
Eu lhe rendia
guapa vassalagem.
Senti-lhe o
pé, numa pressão de aragem...
Puxando acima
as dobras do regaço,
— Upa! E entre
aromas aflorou no espaço
A sua esguia e
cavaleira imagem.
De um salto ei-la
no dorso da normanda,
Cujo pelo de
seda reluzia
Sob o arabesco
de ouro da varanda;
Dei-lhe as
rédeas colhidas e o chicote;
Lépido, galgo
a minha montaria,
E abrimos
juntos num garboso trote!
DE VOLTA
Tudo me fala
aqui, tudo o que vejo!
O sol do outono,
o riso das crianças
Invadem-me o
palácio das lembranças...
E o pomar, o
jardim, a horta, o brejo
Deste pequeno
e manso lugarejo,
Onde ficaram
minhas esperanças
Amarradas ao
fio de umas tranças,
Que ainda vê-las,
sôfrego, desejo,
Reproduzem-me
a tela colorida
Dos episódios
bons de minha vida
Passada alegre
nesta velha granja...
Entremos:
ainda a mesma é a mobília...
Acho, porém,
de mais entre a família
Um moço estranho
e flores de laranja!
MAMELUCA
A que aí anda,
esguia mameluca,
De olhos de
amêndoa e tranças azeviche,
Tem uns ares
fidalgos da Tijuca
E petulantes
trajos a Niniche.
É justo, é
natural que ela capriche
Em mostrar o
cabelo, a espádua, a nuca
E essas pálpebras
roxas de dervixe,
Como um goivo
aromal que se machuca.
Abre às
soalheiras, em sanguíneo estofo,
A escandalosa
e original papoula
Do parasol
clownesco, alacre e fofo;
E o lírio do
alto, quando espia o glabro
Rosto oval da
cabocla, abre a caçoula,
E a via-láctea
acende em candelabro!
OUTONO
O outono!
Abril fugindo e maio perto,
Engrinaldado
de heliantos de ouro;
Esmeraldas no
chão, feral tesouro
Em luxúria de pâmpanos
aberto!
De asas ruflas
e quentes e olho esperto
Andam aves nas
frondes, em namoro;
Longe, sob um
sol claro e agreste coro,
De flor e frutos
meu pomar coberto!...
Condessa! é
tempo de habitar a mata:
Se o dia
esplende, a noite, em represália,
Abre nos ares
o estendal de prata;
Toma as luvas
e a umbrela; eia, formosa!
O chapéu largo
de palhão da Itália,
E o vestido de
chita cor de rosa...
DE VIAGEM
Íamos ambos,
joviais e amigos,
Pelo caminho
fora conversando
Coisas alegres;
íamos lembrando
Uns episódios
íntimos e antigos.
Longe de nós
os lôbregos perigos
Que o imprevisto
não diz como nem quando,
Pois surgia ao
levante um clarão brando:
Pássaros, bosques
e rurais abrigos
Pouco a pouco saíam
do letargo
Pelas margens
da estrada; a trote largo
Iam batendo os
árdegos cavalos...
Incendiava-se
a manhã tranquila!
Mas quando
entramos, lépidos, na vila
Ainda ouvia-se
o cantar dos galos...
REAL SENHORA
Mirante alegre
e rústico do paço,
Rasgado ao
poente de lilás; deserta
Varanda em
flor, garridamente aberta
Para o mármore
branco de um terraço.
De um bizarro
mancebo pelo braço
Surge, toda de
branco e a hora certa,
Formosa dama,
que, a tremer, concerta
Os crisântemos
de ouro do regaço...
Dizem ser ele
o pajem da rainha;
E a dama,
calam... Mas é crença minha
Ser ela
própria em seus reais folguedos;
Tanto que o
servo empoado e preferido
Traz, com
graça e donaire, híspido, erguido,
De asas abertas,
o falcão nos dedos...
OLHOS DE ESFINGE
Todo o travo
da culpa e toda a mágoa,
Que te alucina
e desalenta o peito,
Numa espiral
de sonhos vão direito
Aos teus olhos
felinos, cheios d’água.
Estes cismam à
sombra de um parágua
Só de ametistas
e saudades feito;
Lírios
desertos que só têm por leito
Asperezas nostálgicas
de frágua!
Dois violinos
letais de corda frouxa
Plangendo nessas
misteriosas casas,
Ou, no
smorzando de uma tarde roxa,
De um marnel
de ninfeias e águas pretas,
Abrindo
lentas, solitárias asas,
Duas sinistras
e amplas borboletas!...
DE FÁETON
Chapéu ramalhetado
em trevo e jalde,
Vestido
simples e madrigalesco,
Goza do ar
fino, antes que a luz escalde,
Loira fidalga
de perfil tudesco.
Constante
aguardo que, cindindo o fresco,
Da galhardia a
flâmula desfralde
Seu fáeton
leve, claro e principesco,
Pelas ruas
floridas do arrabalde.
Curiosa gente
a espera da passagem
(Batendo o asfalto
as patas do normando)
Da encantadora
e rápida carruagem,
Concha de vime
que, entre beijos roda
Numa aleluia
aurorial, levando
Essa gloriosa
pérola da Moda!
PRIMAVERIL
Vieram contigo,
flor de primavera,
Na brilhante
explosão de áureas falenas
E andorinhas
gazis, abrindo as penas,
O sonho azul,
a fúlgida quimera...
Entre os
verdes lauréis de ramos de hera,
Mirtos
floridos e úmidas verbenas,
Rindo, talvez,
às doces cantilenas,
Abrem-se os
ninhos, meigamente, a espera
Da asa primeira
e do primeiro beijo...
E este aroma
de rosas, este harpejo,
O sonho azul,
a fúlgida quimera,
Ferindo a luz
do amor, a luz querida,
Que est'alma
aquece e me ilumina a vida,
Vieram contigo,
flor de primavera!
ALELUIA, ALELUIA!
Freme em
harpas a luz, o éter floresce,
Aleluias no
espaço, ouro e o perfume,
Que eu sinto
às vezes, morto de ciúme,
Quando a estrela
dos Alpes aparece.
Auras do luxo
agora chegam, e esse
Fluido de
graça que ela em si resume;
O alvo poema
da carne vem a lume.
Em prefácios
de glória e de quermesse.
Qualquer coisa
de estranho no ar da rua
Em que rútila
e módula flutua
A asa do
sonho, criadora e aberta...
Fanfarras da
arte, águias do estilo, em bando,
E o clarim da
beleza, alto, vibrando...
— Poetas, em
fila! Madrigais, alerta!
MAGNÍFICA
Láctea, da lactescência
das opalas,
Alta, radiosa,
senhoril e guapa,
Das linhas
firmes do seu vulto escapa
O aroma
aristocrático das salas.
Flautas,
violinos, harpas de ouro, em alas
Labaredas do
olhar, batei-lhe em chapa!
— Vênus, que
surge, roto o céu da capa,
Num delírio de
sons, luzes e galas!
Simples coisa
é mister, simples e pouca,
Para trazer a
estrela enamorada
De homens e
deuses a cabeça louca:
Quinze jardas
de seda bem talhada,
Uma rosa ao
decote, árias na boca,
E ela arrebata
o sol de uma embaixada!
ITALIANO
A saída do
clube, o conde, um dia,
No tom cavo
das mágoas e revezes,
Concluindo a
palestra, me dizia:
Nunca, amigo,
por ela te embelezes;
Hão de
amargar-te eternamente as fezes
Da taça loira,
apetitosa e fria,
Que te ofereça,
e a tentação desprezes
Do seu fino
licor de Malvasia;
Filtros danados,
tóxicos perversos
Andam, traindo
o império da vontade
De parceria nesse
vinho imersos...
Tempos depois
eu soube, não sei onde,
Que essa flor
da luxúria e da vaidade
Tinha, uma
noite, envenenado o conde.
PARA-SOL
Um bijou de marfim, trama escocesa
E riquíssimas
rendas trabalhadas
Pelas mãos
brancas, finas, delicadas,
De uma reclusa
e paciente inglesa.
Pálio branco
da graça e da beleza,
O para-sol de
nesgas esticadas;
— Bela tulipa
das manhãs douradas,
Trá-lo sempre
umbrelado, a baronesa.
No pedaço de
dente de elefante
Cinzeladuras
de chinês galante,
Coisas
bizarras que ele, opiado, sonha:
N'água — das ninfas
o alarmado feixe,
E uma, a mais
bela, nua, como um peixe,
Trespassada no
bico da cegonha!
LÁGRIMAS
I
Rosa na trança
escura, rosa ainda
Nas faces, de
uma lirial pureza,
Ia, estrelas
na boca, enchendo a mesa
Com a sua
essência pitoresca e linda.
Olhos — taças
de vinho, a minha vinda
Brindando! A iluminar
toda a largueza
Da varanda,
hoje imersa na tristeza...
Talvez não!
Talvez de uma graça infinda
Seja a
su'alma, em sonho se desdobre,
Damasco
enchendo, a rir, que a mesa cobre,
Com a flor do
estilo, em delicados molhos...
Cenas, talvez idílios
na janela,
E o beijo a
esvoaçar por cima dela...
Vão-me caindo
as lágrimas dos olhos!
II
A embaciar-me
os dias e as estrelas
Cedo volveste,
lágrima aflitiva;
Que ao ter-te
agora às pálpebras cativa,
Claras e
firmes não mais pude vê-las.
No mar cavo e
pungente das procelas,
Que de ti, gota
trêmula, deriva,
— Vulto
sombrio de asa fugitiva,
O sonho atufa
as desfraldadas velas...
Ais de agonia,
gritos de desgraça,
Um coro torvo
e tormentoso passa
Entre o abismo
da terra e os céus nublados;
Tudo reveste
uma expressão de mágoa
Através deste fútil
pingo d’água
Que não me
deixa os olhos sossegados!
DUELO EXCÊNTRICO
Perto, o castelo.
Alva manhã de junho.
Na arena, sob
entrelaçadas ramas,
Acham-se as
duas ciumentas damas,
Aprumadas e
loiras, de arma em punho.
Tem toda a cena
da lascívia o cunho:
Espartilhos no
chão, bordadas tramas
De camisa
escorrendo-lhes das mamas,
De bicos róseos
e à feição do abrunho.
Chocam-se os
ferros. Um tinido de aço,
Um tremor de
paixão em cada braço...
De um seio de
hóstia púrpuro filete
Esguicha!
Bamboleia uma cabeça...
E, recuando, a
intrépida condessa
Leva um rubi
na ponta do florete!
SHAKE HAND
Fluindo o
aroma sutil de violeta,
É de minha
bizarra fidalguia
Que esta
paixão, dourada de alegria,
Nem te dê mágoas
nem te comprometa,
Era quebrar a
linha da etiqueta,
Em plena rua,
pleno meio-dia,
Beijar-te a
mão, que, açucenal, gemia
Encarcerada numa
luva preta.
Desnecessário
fora enleio tanto;
E sentirias,
trêmula de espanto,
A intensa vida
desta história louca,
Se à luz áurea
do sol, que do alto vinha,
Quando
pousaste a tua mão na minha
Os meus dedos
febris tivessem boca!
SOBERANA
À frente — dois
clarins alvissareiros,
O aroma e a
luz, e, logo, o arauto e o pajem
Anunciam-lhe a
glória da passagem
Num triunfal tropel
de cavaleiros.
Guarda de
honra de mínimos guerreiros,
Flecha e carcás
luzindo, asa e roupagem
Flabelando nos
flancos da equipagem,
Ladeado o
palafrém de áureos arqueiros;
Dragões de ouro,
leões de juba oureada
E cauda
erguida, ao sol embandeirada,
Entre o
esplendor das lanças e das setas;
E atrás, o
ovante séquito fechando.
A lira ao braço,
um raio à mão, salmeando,
A engrinaldada
legião de poetas.
ROUXINOLANDO
Ainda um pé no
degrau, outro ao tapete,
No planalto da
larga escadaria,
Mãos na minha,
eu já a sua voz ouvia
Retinindo por
todo o palacete,
Como os cristais
chocados de um banquete.
O que se dera,
tudo o que sabia,
O rosário de
pérolas do dia
Ali desfiava o
trêmulo diabrete.
Pé no degrau,
eu contemplava o encanto
(Ao intenso
clarão do lustre aceso)
Do seu lábio
gazil sonoro e parlo...
E mais trinava
aquela voz, enquanto
Eu sonhava que
tinha aos dedos preso
Um fino
rouxinol de Monte Cario!
AMOR DE PERDIÇÃO
Não me conte
que choras, não me diga
A tua boca trêmula
e rosada,
Que te deixou
perdida e desgraçada
A funesta paixão,
que a ti me liga.
Vamos: vê que
te estendo mão amiga
Nos dolorosos
cardos da jornada;
Que, se eu te
vejo em lágrimas banhada,
Também de angústias
a chorar me obriga
O ermo fio de
pérolas que desce,
Numa tremura e
contrição de prece,
Por tua face
triste e esmaecida;
Longe esse
pranto de ideais pesares,
Para, convulsa
e pálida, chorares
Quando em teus
braços me fugir a vida!
DEZEMBRO
As andorinhas
imigraram, vindo
Em giro curvo,
lépido e sereno,
Do alto da
serra para o campo ameno,
Às primeiras fanfarras
do mês lindo.
Sob a copa das
árvores, abrindo
A flor e o
ninho ao colibri pequeno,
Entre olores balsâmicos
de feno
Passa o
farrancho de crianças, rindo
Na ociosidade
trepida das férias;
E apontam já,
no eflúvio dos luares,
Véus flutuantes
e toilettes sérias
De pessoas da
corte, e cavalgada
Da fidalguia
banza, que anda aos ares
E vem sulcando
os areais da estrada...
EXCELSIOR
De todas, esta
é a mais formosa dama
E o mais
fidalgo e níveo dos decotes,
Desabrochando
em pérolas... Miosótis
Espumilhados
em triunfal derrama...
A graça
irrompe; o olhar de estrela inflama
Esculturais e
femininos dotes;
Soberano
esplendor dos camarotes
Nas primeiras
da ópera e do drama!
Alma do prado;
em seda fiava e renda
Jalde suntuosa,
trêmula, estupenda,
Na corbelha do
fáeton clara e aberta;
Sol das
varandas, palpitante opala
Das
embaixadas, em soirées de gala,
De um manto de
ouro e madrigais coberta!
MAIO
Maio, que é
todo azul e é todo claro,
Contemplativo,
virginal, tranquilo;
Céus, que me
lembram, quanto mais reparo,
O misticismo
suave de Murilo;
Que é o
encanto da vida, tudo aquilo
Sereno e manso
que deporta o enfaro;
Papeios de ave
procurando asilo,
Terra
enflorada, ninhos em preparo;
Mês de Maria
rebentando em flores,
Plumas e
borboletas multicores,
Noites, manhãs
e tardes vaporosas,
Sempre
infiltradas da sonoridade
Do ermo e
brando violino da saudade,
Maio te
alastre o camarim de rosas!
AMORPHOPHALLUS
Nenúfar
venenoso, ermo e visguento,
Aberto em
concha ao turbilhão iriado
Dos insetos,
que voam no ar parado
De um
tenebroso lago pestilento;
Flor dominando
um pântano folhento
De algas,
musgos e lodo fermentado;
Flor, que tem
na impureza escancarado
O seio branco
para o firmamento;
Cheia do pólen
rescendente e ativo.
Tão à falena e
ao colibri nocivo,
E que é das
vespas causa de outros males.
Pois que ao lótus
amargo te assemelhas,
Eu terei de
morrer, como as abelhas,
Intoxicado
dentro de teu cálix.
SIR
Escandinavo e
já senhor, tão breve,
De zagais e
zagalas de um condado:
Olhos de lírio,
um tipo loiro e ousado;
Sobre o lábio sanguíneo
um buço leve.
Ao seu solar
nenhum pastor se atreve
Subir, para atestar-lhe
o celebrado
Culto da arte,
do luxo e do Passado...
Dorme o rudo
castelo sob a neve!
Com brilho e
graça e pródigos recursos,
Em caçadas
boreais de renas e ursos,
Faz honra à extirpe
o príncipe Rodolfo:
Para levá-lo
não se sabe aonde,
Tem, de flâmula
solta e, armas de conde,
Um iate
boiando sobre, o golfo.
ASAS ÚMIDAS
Melhor, muito
melhor, anjo, te fora
Não roçares,
brincando, as leves plumas
Das tuas asas,
brancas como espumas,
Pela minha
cabeça pecadora...
Não há em mim
a seda protetora
Das rosas
frescas, onde os pés perfumas,
Nem a macia
flacidez das brumas
Em que poreja
uma alvorada loira.
Arfa teu seio
na delícia extrema,
Como o peito
selvagem de Iracema
Naquele sonho olímpico
da rede;
Vieste
rompendo castas madrugadas,
Que ainda tens
as penas salpicadas
De cristalino
orvalho, e eu tenho sede!...
BACANTE
Não pode a
fronte, que uma vide enrama,
Aureolar-se de
mádida tristeza;
Que a alegria
dos pâmpanos, marquesa,
Por tua boca e
por teus olhos clama.
Feição, que é
o linho, numa alcova acesa,
Com duas taças
— para o amor e a fama,
Donde um mosto
de treva se derrama,
E um cacho
rubro dando graça à mesa...
Das tuas sedas
e dos teus cabelos
Sobe o vapor
dos vinhos, em novelos,
Como escaldando
em ânfora faceta;
Olhos
embebedantes e risonhos,
Que, até
nadando em lágrimas, suponho-os
Dois
orvalhados bagos de uva preta.
DIA DE SEUS ANOS
Resplende o
sol em pleno céu bordado
De flocos níveos,
leves, transparentes,
E asas, que
voam da montanha rentes,
De alvas
pombas em bando alvoroçado.
Dia alegre de
um mês abençoado,
Mês da cigarra
e flamboyants sanguentes;
Cantos de ave
e perfumes diferentes,
Lírio aqui,
ninho ali dependurado.
Criaturas
risonhas, muita calma
Dentro da casa
rústica e florida
Em que me
esperas, noiva de minh'alma;
Mais uma bênção
sobre ti caída,
Um ano, um
riso, um beijo, uma outra palma,
Mais uma pomba
no rosal da vida!
A CONDESSA
I
Ei-la defronte
à lâmina espelhenta
De áureas
molduras florejadas e onde
Toda a riqueza
do salão do conde
Pontilhada de
luzes se apresenta.
A tanto luxo
ousado corresponde
Essa que
surge, ao próprio corpo atenta,
Bela e soberba!
E, como um astro, aumenta
Toda a riqueza
do salão do conde!
Dá ao cabelo e
ao talhe do corpete
O último
toque; um último alfinete
Franze a cauda
real da saia turca;
Põe quase aos
ombros um buquê vermelho;
E, pronta já,
de costas para o espelho,
Vai ensaiando
um passo de mazurca...
II
Frisando o
luxo do palácio em peso,
A tilintante e
esplendorosa fila
De altos lustres
artísticos fuzila
Pelas facetas
do cristal aceso.
Desce um
fluido de olímpico desprezo
De cada olhar,
de cada irial pupila,
Que, cintilando
férvida, aniquila
Mais de um
fidalgo almiscarado e teso.
Há, porém,
certo refranger de luzes,
Promíscuo
brilho de olhos e grã-cruzes,
De quentes
raios fulgurante chuva,
Quando, em
auras de aroma conhecido,
Alva e
radiosa, ao braço do marido
Entra a
condessa, abotoando a luva!
III
Morria o som
da última habanera
Saudoso e
lento no metal da orquestra,
Quando esse arrojo
da beleza, mestra
Dos floreios
do baile, o carro espera.
Daquela boca
salta a primavera
Bafejando-lhe
o termo da palestra...
E já, sorrindo
e meneando a dextra,
A mesura simbólica
fizera.
Acompanhando-a
como que suspira
A ronda alerta
dos olhares... Sente
Tão fria a
noite! E o donde, sem detê-la,
Naqueles ombros
pálidos atira
A seda azul da
capa rescendente,
— Um pedaço de
céu sobre uma estrela!
IV
Transpondo a
alcova conjugal, ornada
Da radiosa
tulipa de uma placa,
Sobre o
mármore verde colocada
De um lindo
móvel de pão-rosa e laca,
Em frente à esposa
lânguida, atirada
Numa larga
poltrona, o conde estaca
— Braços
cruzando, a fronte anuviada,
Ereto e firme
dentro da casaca...
Censurava-lhe
a corte dos rapazes:
Certo que todo
o baile notaria
Tão jovial,
mas frívola cabeça...
E,
alarmando-se um cheiro de lilases,
Par sereno de lágrimas
caia
No amargurado
rosto da condessa!
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