“REVISTA ILUSTRADA”, 03 DE NOVEMBRO DE 1888:
Domingo, último, notando que o
País não publicava o folhetim De domingo a domingo, que, como se
sabe, era escrito por Joaquim Serra, o coração estremeceu-nos, tomado de um mau
pressentimento.
Para quem conhecia, como nós,
a têmpera diamantina dessa organização literária, a sua ausência num posto que
ele tanto amava e sabia honrar, era um terrível presságio...
E, assim foi.
O lutador intrépido e
brilhante, retirava-se da arena, sentindo-se ferido no coração, e apenas um
momento antes de exalar o último suspiro.
Entre a sua ausência e a sua
morte, o espaço foi tão curto, que o tempo lhe chegou para depor a armadura,
caindo como um herói, em meio da refrega empunhando ainda o estilete fulgente,
de cuja lâmina ora faiscavam raios, ora partiam clarões siderais, que envolviam
as letras e a política numa atmosfera de luz.
Dizer o que foi Joaquim Serra,
é tarefa difícil, mesmo para quem, como nós, pode avaliar a sua estatura pelo vácuo
imenso, que sua morte abriu no jornalismo, nas letras e no coração de todos os
seus admiradores.
A sua organização intelectual
era pujante e fecundíssima e toda ela dourada por esse eflúvio da poesia, que é
o único perfume das flores singelas da escrita.
O seu espírito, muito
cultivado e familiar às literaturas clássicas, tinha um toque original, um misto
de lendas e de tradições entrelaçadas à apreciação dos fatos da atualidade.
Escrevia ao correr da pena, com
suma facilidade, mas os moldes em que vazava as suas lucubrações eram tão
perfeitos, que a ideia saía sempre nítida e bela, como uma deusa das babugens
de um mar.
O seu estilo, sem ser
premeditadamente enfeitado, tinha muitas louçanias e refletia as cores mais
brilhantes.
Não tinha assuntos prediletos.
Tudo lhe servia para bordar essas pelo vácuos leves e flutuantes, do mesmo modo
que as mulheres do Norte bordam, a ao som dos bilros polidos, as rendas
escumosas que vão ornar os colos das noivas.
E em todos esses lavores
delicados, sempre a poesia, a graça e o riso, dando um encanto misterioso e variado
a tudo o que saía da pena encantada desse artista da palavra.
Joaquim Serra tinha o culto do
folhetim e, como nós, via com emoção, quererem substituir essa invenção
eternamente nova, pelas crônicas modernas, alinhadas em altas colunas, como a
fachada de um edifício demasiado austero, e confundindo-se lamentavelmente à
primeira vista, com um... artigo de fundo.
Deste amor pelo folhetim deu
ele sempre provas, lutando contra o injusto ostracismo a que o votaram e donde sairá
triunfante qualquer dia, escrevendo folhetins na Reforma, na Gazeta de Notícias
e nos últimos tempos em O País.
O folhetim era de fato a forma
literária que mais quadrava à sua índole delicada e humorística.
Como Júlio Janin, com quem o
comparam, ele fez do folhetim um pedestal, e colocou-o a tal altura que ninguém
até hoje o excedeu.
Como todo o coração, fanático
do belo e sensível às dores e às alegrias alheias, Joaquim Serra, há muitos anos
tomou-se de grande amor pela sorte do escravo.
Sua alma revoltou-se com os
martírios desse povo espoliado, e o seu sentimento era tão grande, que, por
alguns anos, o abolicionista ofuscou o literato.
A causa libertadora teve-o
como um dos seus melhores e mais ativos combatentes.
Para esse reduto sagrado,
aonde uma plêiade de combatentes, estava posta em estado de sítio pelo exército
permanente dos interesses, dir-se-ia que ele transportava tudo o que pudesse
dar forca ou ânimo aos seus companheiros de luta. E, diariamente lá vinha ele,
trazendo um auxílio, uma boa nova, uma palavra que levava a coragem a todos os
corações.
Bem haja! Ele figura entre os
redentores de um povo escravizado! Bem haja!
Joaquim Serra trabalhou muito
e deixa obras que hão de sobreviver aos despojos mortais do seu autor.
Com o seu falecimento toda a
imprensa se cobre de luto e a literatura sofre irreparável perda.
Como pálido reflexo, da amizade
e admiração, que sempre nos inspirou, honramos nossa primeira página com o seu retrato
e esboçamos nestas linhas nossa sincera homenagem.
Pobre Serra! os corações, para
terem o egoísmo das dores como esta, são mudos!
O falecimento de Joaquim Serra
deu lugar a muitas manifestações de sentido pesar.
A imprensa tarjou de luto, e
dedicou-lhe muitos artigos.
Os despojos mortais do
falecido tiveram um acompanhamento numeroso e distinto.
A Escola Militar nomeou uma comissão
para acompanhar o enterro.
Ao saimento compareceram vários
senadores e deputados.
Todo o jornalismo e homens de
letras, estiveram presentes.
A Confederação Abolicionista, de que o finado era sócio benemérito,
acompanhou o enterro, cobriu o caixão com o seu estandarte e tomou luto.
Na Câmara dos Deputados o Sr. João
Henrique Vieira da Silva, pronunciou o seguinte discurso:
Como deputado e como maranhense, venho a esta tribuna cumprir o
doloroso dever de comunicar à Câmara dos senhores Deputados que acaba de falecer
o Sr. Joaquim Maria Serra Sobrinho e requerer à Câmara que mande lançar na Ata
um voto de pesar pelo falecimento de tão preclaro cidadão.
O Sr. Joaquim Maria Serra Sobrinho fez parte desta Câmara, e por consequência,
de acordo com os estilos, tem direito à homenagem que acabo de solicitar. Mas,
senhores, ainda que ele não houvesse sido deputado, eu creio que esta Câmara, diante
do seu catafalco, não recuaria de prestar-lhe semelhante homenagem.
Joaquim Serra é um nome conhecido, não foi uma dessas existências que
passam despercebidas pelo mundo.
Espírito eminentemente liberal, o ilustre maranhense, de quem não
pretendo fazer agora a biografia, desde moço filiou-se ao partido que tinha por
chefe na província do Maranhão o conselheiro Francisco José Furtado, de saudosa
memória.
Não tenho necessidade de dizer à Câmara o que foi, sob tal guia, o ilustre
morto. Na Assembleia Provincial, no jornalismo da província, nos comícios populares,
a sua palavra era sempre flâmula ardente em torno da qual se agremiavam todos
os que militavam debaixo daquela bandeira.
Mais tarde, veio para o Rio de Janeiro, e o seu espírito tomou nova
direção. Joaquim Serra fez-se exclusivamente jornalista. Há nesta Câmara
talentos de primeira água, filiados a escola conservadora, que tiveram ocasiões,
na imprensa, de medir suas armas com o jornalista maranhense, que no seio da
bancada liberal conta mais de um companheiro dessa fase brilhante do jornalismo
brasileiro.
Literato de finos dotes, Joaquim Serra era o último representante da
escola, se assim posso denominar o movimento literário que se operou na minha província,
desde a época gloriosa da independência até data em que floresceram Gentil Braga e
Trajano de Carvalho.
Espírito que se adaptava a vários gêneros literários, Joaquim Serra foi lírico
nessa época dos 16 a 20 anos, em que tudo nos eleva a abraçar a escola lamartiniana.
Mais tarde, seu espírito, cedendo a torrente das novas ideias sobre
estética, fez-se realista, e as suas quadras constituem no gênero um belo espécimen.
É no jornalismo, porém, onde melhor podemos apreciar a extensão do seu
pujante talento.
Nesse aspecto tomou parte em campanha das mais notáveis que se viu nos últimos 25 anos neste país, campanha que se
concretizou na lei de 13 de Maio e de que o ilustre maranhense foi um dos primeiros
a erguer a bandeira.
Quando as urnas populares não permitiam que Joaquim Nabuco fizesse
fulgurar neste recinto os seus talentos, vibrando a sua palavra eloquente em
prol da causa abolicionista, a defesa dos oprimidos em proferida na imprensa,
onde ninguém a produziu melhor da pena fulgurante de Joaquim Serra.
Tenho justificado, portanto, o meu postulado: e ainda que Joaquim Serra
não houvesse tido assento nesta casa, embora não se pudesse verificar a seu respeito
o que pelos estilos da Casa se tem observado quanto aos que dela hão feito
parte, julgo que a Câmara não recusará a sua aprovação ao requerimento que vou
dirigir-lhe, porque trata de prestar homenagem póstuma a um cidadão eminente
por mais um título.
Concluindo, permita a bancada conservadora que eu, em seu nome, declare
à bancada liberal que nos associamos à dor que a punge neste momento.
Requeiro, Sr. presidente, que se lance na ata da sessão de hoje um voto
de pesar pelo passamento de tão distinto brasileiro.
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Pesquisa e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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