Título da obra Fausto. – Este
personagem extraordinário, misto de história e lenda, e trinta vezes tratado
antes de Goethe por escritores alemães, ingleses, e franceses, já em crônicas,
já em dramas, já em romances, parece ter vivido na segunda metade do século XV,
e (conforme a opinião mais aceita) nas cercanias de Weimar, que foi a terra adotiva
do nosso poeta.
São todos concordes em pintar Fausto como homem versado em todos os
conhecimentos do seu tempo, inclusivamente na magia, e o qual, com ânsia de
saciar as suas ambições, fizera doação da sua alma ao diabo, para este o servir
em tudo por decurso de vinte e quatro anos. Estes vinte e quatro anos, levou-os
ele sem envelhecer na mais desonrada vida; até que, findo o prazo fatal da
escritura assinada com o seu sangue, o diabo, que em tudo o servira pontualmente,
o levou consigo para os infernos.
Aí está o que desde a puerícia de Goethe, lhe trabalhava no espírito, e
lhe namorava o talento, desde que vira pela primeira vez, num teatro de
títeres, a mais que popularíssima, plebeia representação, das aventuras do
doutor João Fausto. E à fé que havia naquelas descomunais narrativas matéria,
que, sendo tratada por um talento de primeira plana, não podia menos de cativar
fortemente a atenção de todo o gênero de leitores. Ousou Goethe cometê-lo; e
saiu-se realmente com a mais famigerada de todas as obras fantásticas; um livro
sobre que se podem escrever muitos de fácil e justa crítica, mas que é ao mesmo
tempo um tesouro abundantíssimo, no qual, segundo a expressão de uma grande
filosofa, se encontra tudo, e algumas coisas mais.
Apesar de se haver saído triunfalmente de tal façanha, a ambição do poeta
ainda de si para consigo se não dava por satisfeita. Muitos anos depois, e bem
entrado já na velhice, retomou o assunto donde o tinha deixado, e compôs o seu
novíssimo Fausto.
Nesse, se a linguagem, se a riqueza lírica, icem (segundo afirmam
tedescos) quilates ainda mais subidos, força é confessar que já o primitivo
vigor se não encontra; e as extravagâncias absurdas são muito mais repugnantes
ao bom senso; razão porque não empreendemos traduzi-lo.
Quem ler atentamente a vida de Goethe descobrirá sem dúvida, que o
especial interesse que ele achou no Fausto
provinha da muita semelhança que havia entre o espírito e gênio do cantor e
do cantado: avidez insaciável de saber; tendência inata para o maravilhoso,
para o misticismo, e ao mesmo tempo para o cepticismo, para a cabala e para as
ciências ocultas; frenesi de gozar sensualmente, e orgulho sem limites.
Isto não é decerto uma apoteose; mas vale mais do que se o fosse: é uma verdade.
ANTÔNIO FELICIANO
CASTILHO
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