A
poesia de Fagundes Varela
Na
poesia de Fagundes Varela, o satanismo byroniano de Álvares de Azevedo, o
indianismo de Gonçalves Dias e o condoreirismo de Castro Alves e Tobias Barreto
se misturam. Há no seu estro uma tal versatilidade de sentimento e expressão,
como só encontraremos, depois, entre os parnasianos e naturalistas.
Infelizmente o poeta do Evangelho nas
Selvas não teve, ainda, o seu lugar devidamente marcado na história da
nossa literatura. Franklin Távora, Sílvio Romero e José Veríssimo, para não
falar em Lery dos Santos e Visconti Coaraci, meros e lacunosos biógrafos,
fixaram-lhe somente alguns aspectos, contornaram-lhe apenas a múltipla e
interessantíssima fisionomia, sendo que Távora e Sílvio andaram mais perto da
sua psique do que todos os outros.
Fagundes
Varela não é unicamente um dos nossos bons liristas, mas também, e
principalmente, um dos nossos melhores poetas descritivos. Esse dom de pintor,
que foi singular em Gonçalves Dias, e que é muito da índole dos nossos
escritores, ele o teve como raros na poesia brasileira. Suas descrições têm
vigor, não são monótonas, como as de Bruno Seabra, Bitencourt Sampaio ou
Juvenal Galeno; são leves, movimentadas e límpidas. Em muitas, nada fica a
dever ao cantor maranhense, a quem amou e imitou confessadamente. Na companhia
dos condoreiros, formado entre o exagero e a ênfase dos românticos hugoanos,
não se entregou, embora, a desregramentos de forma e de sintaxe. Ficou em um
meio termo discreto e apurado, como ficara o próprio Gonçalves Dias entre o
farelório estrepitoso de Magalhães e Porto-Alegre.
Sua
poesia não é de segunda mão, como afirmou José Veríssimo, somente porque há uma
certa semelhança entre ela e a de Castro Alves. Varela, posto em confronto com
muitos dos seus trombeteados êmulos, não perderá a mínima parcela do real valor
que possui. Ao contrário. Ver-se-á, então, que ele tem uma forma muito mais
perfeita e um estilo muito mais variado e múltiplo do que geralmente se supõe.
Há em sua obra inspirações de toda ordem, da alma e da natureza, da vida
rústica e civilizada, da fantasia e da realidade, do mundo fictício e presente.
Leiam-se,
como exemplo de lirismo popular, as trovas seguintes:
A casa era
pequenina,
Não era? — Mas tão bonita
Que teu seio inda palpita
Lembrando delia, não é?
Queres voltar? eu te sigo,
Eu amo o ermo profundo;
A paz que foge do mundo
Preza aos tetos de sapé.
Bem vejo que tens saudades,
Não tens? pobre passarinho!
De teu venturoso ninho
Passaste à dura prisão!
Vamos, as matas e os campos
Estão cobertos de flores,
Tecem mimosos cantores
Hinos à bela estação.
Escuta filha, a estas horas
Que a sombra deixa as alturas,
Não cantam as saracuras
Junto aos lagos cor de anil.
Os vagalumes, em bando
Correm sobre a relva fria,
Enquanto o vento cicia
Na sombra dos taquarais.
Não era? — Mas tão bonita
Que teu seio inda palpita
Lembrando delia, não é?
Queres voltar? eu te sigo,
Eu amo o ermo profundo;
A paz que foge do mundo
Preza aos tetos de sapé.
Bem vejo que tens saudades,
Não tens? pobre passarinho!
De teu venturoso ninho
Passaste à dura prisão!
Vamos, as matas e os campos
Estão cobertos de flores,
Tecem mimosos cantores
Hinos à bela estação.
Escuta filha, a estas horas
Que a sombra deixa as alturas,
Não cantam as saracuras
Junto aos lagos cor de anil.
Os vagalumes, em bando
Correm sobre a relva fria,
Enquanto o vento cicia
Na sombra dos taquarais.
Sua
palheta podia fornecer-lhe, como nos versos ao Vagalume, gamas e toques
delicadíssimos:
Quando
apareces, o lago
De estranhas luzes fulgura,
Os mochos voam medrosos
Buscando a floresta escura.
De estranhas luzes fulgura,
Os mochos voam medrosos
Buscando a floresta escura.
As folhas
brilham, refletem,
Como espelhos de esmeralda,
Fulge o íris nas torrentes
Da serrania na falda.
Como espelhos de esmeralda,
Fulge o íris nas torrentes
Da serrania na falda.
O grilo salta
das garças,
Pulam gênios nos palmares,
Começa o baile dos silfos
No meio dos nenúfares.
Pulam gênios nos palmares,
Começa o baile dos silfos
No meio dos nenúfares.
Nos
seus quadros campesinos há notas assim:
As trepadeiras
curvam-se à janela,
Gemem no teto os pombos amorosos,
Suspenso à porta, na prisão gorjeia
O sabiá das serras.
Gemem no teto os pombos amorosos,
Suspenso à porta, na prisão gorjeia
O sabiá das serras.
Tudo isto ela
adorava, e ela não vive!
E ela passou ligeira como a névoa
Que o vento da manhã varre do outeiro,
E dissipa nos ares!
E ela passou ligeira como a névoa
Que o vento da manhã varre do outeiro,
E dissipa nos ares!
Tudo isto ela
adorava! Ao sol poente,
Leda e risonha, coroada a fronte
De rubras maravilhas, leve, airosa,
Vinha regar as flores;
Leda e risonha, coroada a fronte
De rubras maravilhas, leve, airosa,
Vinha regar as flores;
E em meio
erguida a barra do vestido,
Saltava como a corça, ora amparando
A haste pendida de viçosa dália,
Outras vezes solicita
Saltava como a corça, ora amparando
A haste pendida de viçosa dália,
Outras vezes solicita
Bravias
plantas arrancando em torno
Dos pequenos craveiros, ou tranquila
Contemplando os botões que se entreabriam
A frescura da tarde.
Dos pequenos craveiros, ou tranquila
Contemplando os botões que se entreabriam
A frescura da tarde.
A
natureza do nosso trabalho não permite, infelizmente, maior numero de
transcrições. Estas que aí ficam, entretanto, dão bem a medida do seu engenho,
que, por muitos modos, se casa ao dos mais famosos poetas modernos e, até
contemporâneos do Brasil. A justeza da sua expressão, o ritmo dos seus metros,
onde quase não se observa a toada estafante dos versos de nove e onze sílabas,
substituídos geralmente por decassílabos e redondilhas, fazem-no um poeta
divergente, nem acentuadamente naturalista, nem exclusivamente romântico.
Varela é, pois, com Machado de Assis e Luiz Guimarães Júnior, uma figura de
transição entre o romantismo e o parnasianismo.
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RONALD DE CARVALHO
"Pequena História da Literatura Brasileira (1937)
Pesquisa e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2019)
RONALD DE CARVALHO
"Pequena História da Literatura Brasileira (1937)
Pesquisa e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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