O renome da poetisa portuguesa Florbela
Espanca cresceu depois de sua morte. Os críticos se ocuparam então com a sua curiosíssima
bagagem poética, e os intérpretes dessa suavíssima tecedora de ritmos se multiplicaram
em Portugal. Descobriram, então, as profundas reservas humanas e panteísticas
dos versos de Florbela Espanca — e sagraram o seu posto preeminente na poesia
portuguesa contemporânea.
“Quase desconhecida em vida (diz um
desses lúcidos intérpretes, o Sr. Diogo Ivens Tavares), depois de morta a
artista, a sua obra começou a avultar. Lembra um pouco uma parcela de estrela,
ignorada enquanto volteou na sua órbita, mas, quando de lá se deslocou riscando
o infinito de um sulco luminoso, todos os olhares se volveram para ela, deslumbrados.
Florbela Espanca não se debruçou contemplativa às profundezas trágicas da alma.
É lírica e pagã, imensamente panteísta. Tudo no mundo é motivo de enaltecimento.
A luz dos seus olhos tem o poder de dourar as paisagens do Universo, que é o
próprio Deus que ela venera. É que o maior culto que se dedica a uma divindade
é o da admiração”.
Os “Sonetos Completos”, de Florbela
Espanca, editados em Coimbra, em 1934, dão uma imagem meridiana dos altíssimos
recursos da grande voz da poesia portuguesa em que terá havido, porventura, uma
irmã espiritual daquela estranha e prodigiosa condessa de Noailles também há pouco
desaparecida.
Florbela Espanca preocupava-se, acima
de tudo, com a sua própria vida no conjunto de todas as vidas. O narcisismo que
os críticos encontram em seus versos, contudo, é ingênuo poderosamente humano,
porque reflete apenas a singeleza de uma alma
sem mácula a bondade de um coração frágil e agitado. Seus quartetos são claros,
fluentes, inesquecíveis:
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de raros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!
A fascinação das paisagens
espanholas é frequente nos versos de Florbela Espanca: a figura de Boabdil, os pátios
de Granada, tudo se mira nos olhos vivos
da poetisa emocionada.
Florbela Espanca cantou alto a
beleza e glória. Seus olhos, suas mãos, seus “gritos de amor cruzando o espaço”,
seus versos, tudo o que no mundo possua uma referência pessoal mereceu alguns
dos mais belos versos já escritos por mulher em língua portuguesa.
A memória de Florbela Espanca, desse
modo, jamais perecerá no espírito dos que amam a literatura portuguesa e
acompanham a sua pujante evolução. A alma de Florbela Espanca vive, pura e
emocionante, nesses seus “Sonetos Completos”, que são a biografia lírica de uma
profundíssima sensibilidade feminina.
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Revista "Vamos Ler!", 29 de fevereiro de 1940.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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