Sintomas de rebeldia
Os
monopólios e as vexações fiscais, desde o século anterior, promoveram os
primeiros sinais de um ânimo, rebelde a Portugal, no Brasil. O Padre Antônio
Vieira fora a grande voz dos púlpitos, ouvida e atendida, dessa rebeldia. No Sermão pelo bom sucesso das armas
portuguesas contra as de Holanda, pela restauração de Pernambuco, como no Sermão da Visitação pela defesa
econômica da Bahia, como no Sermão de
Santo Antônio, pelo Maranhão contra Portugal, esquece-se que é português,
tanto é brasileiro: há lugar no rol das vaidades para o mestre de navios “de
Portugal” que, com uns trapos fora da moda, isca os pobres moradores “de nossa
terra”... Chega a revolucionário, nessa
tromba que chupa na Bahia, e vai chover em Lisboa, o fisco, e no protesto: tudo o que se tirar do Brasil, com o Brasil
se há de gastar! Vieira é o precursor do “nacionalismo” brasileiro, antes
da hora. Portugal tudo nos deu, até isso.
Pelas
vexações à esquivança no pagamento do quinto do ouro, devido à Coroa, várias
sublevações, das quais a menos mortífera foi a de mais renome.
A
primeira foi em Pitangui, em 1719, chefiada por Domingos Rodrigues Prado,
paulista de Taubaté, assassinado o juiz ordinário da vila e, no encontro dos
rebeldes com a tropa legal, mortos vários combatentes dos dois lados. Por
anônimos não são menos mártires.
Outra,
em 1720, ocorreu em Vila Rica, submetido o governador Conde de Assumar pelos Confederados,
cujos principais eram o Mestre de Campo Pascoal da Silva, Sebastião da Veiga
Cabral, Dr. Manoel Musqueira Rosa e Filipe dos Santos, que padeceu o martírio.
Foi a rebelião a 2 de julho, por um momento vitoriosa, presos os membros da
Câmara, impostas condições ao governo. Mais, distribuíram, entre si, os
conjurados, os cargos públicos. Uma reação do governador, doze dias após,
prendeu os cabecilhas. Filipe dos Santos foi preso em Cachoeira, quando pregava
essas ideias revolucionárias, enforcado e esquartejado. Por não ser
brasileiro-nato não teve a nomeada de outros rebeldes, mártires revolucionários
de nossa preferência. Direta ou indireta consequência dessa intentona foi a
separação da Capitania de Minas Gerais a 2 de dezembro de 1720, independente da
Capitania de São Paulo.
A
terceira rebelião, embora sem começo de qualquer execução, é, entretanto, a
mais famosa das três, devido aos homens de letras que nela tomaram parte. Ela é
do fim do século e obedece também à sugestão de exemplo, que viria do
estrangeiro. Com efeito, é de 1776, na América do Norte, a independência de 13
colônias inglesas, que vão fazer os Estados Unidos. Estudantes brasileiros, em
86, em Monpilher, na França, pensam em obter de Jefferson, então ministro em
Paris, auxílio para uma revolução libertadora no Brasil; a conferência,
realizada em Nimes, acaba em propósitos vagos. Eram Domingos Vidal Barbosa,
José Mariano Leal e José Joaquim da Maia. Barbosa, volvendo ao Brasil, acha
aqui, em Minas, ânimos preparados. A ele se junta o Dr. José Alves Maciel,
formado em Coimbra. Conspiravam alguns patriotas, o poeta e advogado Cláudio
Manuel da Costa, o poeta e magistrado Inácio José de Alvarenga Peixoto, o
coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, os Padres José Carlos Correa de Toledo,
José de Oliveira Rolim, e Manuel Rodrigues da Costa, o Alferes Joaquim José da
Silva Xavier, por alcunha o “Tiradentes”, entusiasta e indiscreto, que entre os
outros operava a conexão. Dizia-se que o ouvidor de Vila Rica, já nomeado
desembargador da Bahia, o poeta Tomás Antônio Gonzaga, assentira e preparava as
leis da futura república, para a qual Tiradentes tinha já pensado em bandeira,
um gênio a quebrar grilhões, com dístico vergiliano Libertas quae
soera tamen, a liberdade
ainda mesmo tardia. A revolta, que irromperia por ocasião da cobrança dos
quintos atrasados de ouro, além de propalada, como é a sorte das conjurações no
Brasil, e em que por isso mesmo não creem os governos, teve delatores, Joaquim
Silvério dos Reis, Basílio de Brito Malheiro e Inácio Correa Pamplona, portugueses
lealistas que de tudo informaram o Visconde de Barbacena, Luiz Antônio Furtado
de Mendonça (1789-1797), governador de Minas. Não se dirá o mesmo Francisco de
Paula Freire de Andrade, Francisco Antônio de Oliveira Lopes e Domingos de
Abreu Vieira, conjurados e, entretanto, denunciantes.
Foi
suspensa a ordem de cobrança e foram encarcerados os conspiradores. No Rio foi
preso o Tiradentes. Todos submetidos a processo, foram condenados a desterro
(Cláudio Manuel da Costa suicidara-se na prisão em Vila Rica) em África, e o
Tiradentes à forca e ao esquartejamento. Antes, para exemplo, porque por quatro
anos se arrastou o processo, sem nenhuma veemência, a criar mártires e heróis.
Capistrano de Abreu reagiu contra a necessidade “republicana” de mitos heroicos
e escreve uma história do Brasil Capítulos de
História Colonial, em que omite o
alferes Xavier e a Inconfidência Mineira. A 21 de abril
de 1789 foi supliciado, no Rio, o Tiradentes, pela forca, depois feito em
pedaços que foram espalhados pelos caminhos de Minas Gerais, para terrível escarmento dos povos. Se
imprudente na conspiração, procedeu, na prisão, no processo, no martírio, com
grande e heroica dignidade. Os outros faleceram no degredo, exceto José de
Rezende da Costa Filho, que chegou a empregado do Tesouro Régio em Lisboa, em
1803, deputado às Cortes, e, mais tarde, à Constituinte do Brasil (1822). Dos
eclesiásticos metidos em fortaleza, depois em convento, só dois tornaram ao
Brasil. Juiz desses feitos em relação, com outros juízes, foi o poeta Antônio
Diniz da Cruz e Silva, autor de Hissope, de cuja
intervenção, como juiz, há prova de benignidade, na intentona consecutiva,
propondo, “sem hesitação”, se relaxassem os presos, o que foi mandado fazer,
aproveitando ao poeta Manuel da Silva Alvarenga. portugueses e Brasileiros
(Teófilo Braga, Joaquim Norberto, etc.) o julgaram, entretanto, levianamente.
Mais
grave foi a Conspiração Baiana, de 1798. A “Mineira” não teve começo de execução,
arrastou-se o processo por quatro anos, houve indulto, algumas condenações para
a África e só a execução de Tiradentes. Seu relevo na história vem dos homens
de letras que nela tomaram parte. O Tiradentes foi símbolo republicano contra a
monarquia; mais política que reconhecimento. A Conspiração Baiana bem mais
importante inspirava-se em princípios da Revolução Francesa, igualdade dos
homens, com abolição do cativeiro, liberdade contra os abusos religiosos, forma
republicana de governo. Um dos conjurados depôs que 676 pessoas conspiraram,
sendo 34 oficiais de linha, 54 de milícias, 11 funcionários, 13 graduados em
leis, 48 clérigos, 44 frades, 8 familiares do Santo Ofício, inferiores,
soldados, negociantes, escravos, até um professor e poeta, autor do hino,
Francisco Moniz Barreto de Aragão, que lecionava em Minas do Rio de Contas. Um
começo de ação por boletins sediciosos afixados em público, prisões, devassas,
ordens da Metrópole para severidade. Quatro condenados à morte, sendo a 8 de
novembro de 1799 supliciados e esquartejados e expostos os membros mutilados o
alfaiate João do Nascimento (que deixou 8 filhos menores), o soldado Luís
Dantas de Amorim Torres e o menino, de 16 anos, Manoel Faustino dos Santos
Lira, na praça da Piedade, da cidade do Salvador. Também morreu Luís Gonzaga
das Virgens. Muitos sentenciados para Angola, Benguela, Fernando de Noronha e
para a Costa da Mina logares de África
não sujeitos à Real Coroa afim de que o veneno dos seus falsos princípios não
fosse jamais contaminar a liais vassalos. Portanto, maior número de mártires
teve a Inconfidência Baiana de 1798 do que a Inconfidência Mineira de 1789:
apenas esta teve mais homens de letras e, além deste prestígio, a execução do
único mártir, no Rio de Janeiro, capital do Brasil. Deve confessar-se que a
Conspiração Mineira era de primeira classe, brancos, burgueses, letrados e
funcionários; a Conspiração Baiana era de segunda classe, de pardos, artífices
e soldados, sem poesia, embora maior martírio...
O
século findava, quase madura a colônia, para maioridade ou liberdade, começada
com a dos Estados Unidos em 1776 e que se iria alastrar pelas três Américas,
norte, centro e sul. O Brasil tomaria outro rumo, graças a Portugal. Mas a
maioridade seria um fato e, pelo exemplo, um imperativo. Já são mais de
3.000.000 os habitantes do Brasil. A neutralidade que tomou Portugal na Guerra
entre Inglaterra e suas Colônias americanas, deu favor à agricultura e à
exportação do Brasil, concorrentes ocupados em se debaterem, e nós com os
nossos negócios. A maioridade se apressa pela prosperidade.
Simonsen
calcula que em açúcar, mineração, couros, pau-brasil, tabaco, algodão, arroz,
café, cacau e especiarias teria produzido 530 milhões de libras em três
séculos: é maturidade quase, dado o roteamento, adubo, bom clima e bom trato. A
exportação total do Brasil independente não alcançou ainda 3.500 milhões e o
café entra nisso com mais de 2.000 milhões. A exportação por homem ano, do
Brasil colonial, orça por £ 2,5; no Brasil independente por £ 1,2. O índice
econômico é a mais simples expressão sociológica e a que permite a dedução de
todos os outros complicados índices de cultura. Portugal, com a boa natureza da
terra e a boa gente que aí pusera, criara uma cultura vivaz. Mas era planta de
semente ou de galho: no começo de século próximo será o transplante da árvore,
não apenas portugueses, senão Portugal, estabelecido na América: é o Brasil de
Dom João VI.
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