A
restauração de Portugal e a de Pernambuco
Como
represália aos Espanhóis, aparecem, nas Índias, os Holandeses. Navios de
tráfico foram sendo apresados em Moçambique, Coulão, Malaca, China e Molucas.
Como se não bastasse, os Ingleses fortificaram-se em Surate e nas ilhas de
Sunda, dominando o estreito de Singapura. No Mar Vermelho, Quixome, cercada,
capitulou aos Persas e Ormuz não tardou em cair. Acaba-se o domínio português
no Oriente.
Entretanto,
essas humilhações não chegaram à aflição da queda da Bahia, em 25. Filipe IV
promete ajudar, mas confia ao Povo Português a restauração: são precisos
234.000 cruzados, para a armada e tropas. Toda a gente em Portugal concorre: só
a cidade de Lisboa dá 120.000; os homens de negócio de Lisboa 34.000; os de
Coimbra 4.000... e vai por aí 2.000, 1.500, 1.000, até 234.300 cruzados, gasto
da armada, além dos gastos da Coroa... Assim Dom Teodósio, duque de Bragança,
20.000; o Duque de Caminha, 16.500; o arcebispo de Braga, 10.000; Tristão de
Mendonça Furtado 9.500; o metropolita de Évora, 4.000 e assim, nobreza, clero,
povo, todos os portugueses, que não pensam mais nas Índias, porém não querem
perder o Brasil. E não dão apenas dinheiro porém sangue e vida: só em tempos
idos para prevenir o primeiro cerco da fortaleza de Dio ou para defender
Mazagão se viu emulação comparável entre a nobreza e os ricos homens de
Portugal e isto para um objetivo de 4.500 léguas distante: poder-se-ia temer
despovoar-se o reino de morgados e fidalgos tantos a viva força, quiseram e
vieram defender a Bahia. A Bahia é socorrida e recuperada, principalmente por
Portugal. Espanha dá também navios que chegam atrasados, dá o comando e trata a
rendição.
Mas
isso é Portugal manietado por Espanha, ou apenas alguns portugueses. Desde,
porém, o dia da Restauração, que Portugal reclama de Holanda as praças ocupadas
pelos Flamengos no Brasil, que eram da Coroa, que nunca tivera hostilidade com
eles, senão com Espanha, inimiga de ambos. Grandes oferecimentos foram feitos
para isso, ao elaborar-se o tratado de 1641: a cláusula não foi entretanto
admitida, pois que a independência de Portugal era ainda muito mal segura e o
bem adquirido muito valioso. Não esquecer que os Estados Gerais não eram os
donos do Brasil, senão a Companhia das Índias Ocidentais, e Portugal devia
pactuar com aqueles, para proveito de suas relações com esta. A Guerra da
Restauração durou 28 anos, depois de 1640, e Portugal não temia só a Espanha
invasora, senão temia que seus inimigos, França, Holanda, Nápoles viessem a
fazer pazes com ela e, então, todos os recursos de Espanha se volvessem contra
ele. Portugal transigia ou fingia transigir com inimigos, que auferira, devidos
à maldita união ibérica, e que lhe podiam aumentar as aflições.
Um
episódio dessa atitude, esclarecedor da situação de Portugal, vista da Europa,
e não apenas do Brasil, é este, que vale o pormenor. Embora vencedores na
escaramuça de Itaparica, em agosto de 47, os Flamengos mandam a Holanda Hendrik
Haecx, a apressar socorros. Portugal envia por governador o Conde de Vila Pouca
de Aguiar, com reforços para a Bahia, e é o medo destes que vai expelir em
Janeiro de 48, de Itaparica, o Flamengo. O socorro de Holanda será para salvar
Pernambuco, também por nós ameaçado. É então que sobrevém a diplomacia de
Francisco de Sousa Coutinho, embaixador de Portugal em Holanda, de concerto com
Dom João IV, dilatando, por discussão, que cederia Pernambuco, por compra da
paz. (A proposta é de 16 de agosto de 47). Seriam doze navios de guerra, seis mil
soldados, que obteria a Companhia das Índias, confiados a João Maurício de
Nassau, convidado a tornar a Pernambuco. Em Portugal discutia-se a cessão de
Pernambuco, por compra, segundo conselho de Gaspar Dias Ferreira, influente
português da Haia, para o qual o Padre Vieira escrevia um primeiro papel de 14
de março de 47, opinando favoravelmente e propondo por 500.000 florins a
aquisição do Brasil, Angola e São Tomé. Sousa Coutinho, quando falha a
transação da compra, vai adiante: “dá” Pernambuco, sem ônus, e mostra até
nomeação dEl-Rei para, como governador geral, ir ao Brasil cumprir o
estipulado. Entretanto, conferenciava à noite, sob chuva, num bosque da Haia,
com Nassau, a quem prometia um milhão de florins, se negociasse um acordo de
trégua larga, a Portugal. Nassau, diante das ofertas, não se recusou aos apelos
da Companhia das Índias, mas fez tais exigências, que se compreendeu a escusa:
queria o governo soberano pela vida, 500 mil florins para pagar dívidas e
preparar-se, 9 mil soldados dos Estados Gerais e 3 mil da Companhia, com a
gente de mar necessária, e contínuos subsequentes socorros. Conseguiu-se a
dilação, embora com a promessa de ceder o Recife. A El-Rei escrevia Sousa
Coutinho pedindo fizesse escrever a Nassau agradecendo e segurando-lhe as promessas “feitas” e que terão cumprimento pelo
embaixador que se me seguir, e digo pelo embaixador que se me seguir, porque se
Vossa Majestade não julgar o negócio por bom, e houver de faltar ao essencial
dele, pouco vay que se falte aos accessorios. Senhor, os Reys não estão
obrigados a ratificar tudo o que os embaixadores fazem... senão pera que era
falar em ratificações? (Correspondência diplomática de Francisco de
Sousa Coutinho, durante a sua embaixada em Holanda, publicada por
Edgar Prestage e Pedro de Azevedo).
Tudo
isto para dar a Pernambuco tempo de libertar-se e não dar à Holanda pretexto de
unir-se à Espanha, contra Portugal, que mal podia com um, quanto mais dois
inimigos. Por fim, a esquadra flamenga do almirante With segue, mas antes já
seguiu a portuguesa, de Francisco de Figueiroa. Sousa Coutinho ganhara com a
contemporização (aqui bem cabe o termo de gíria “tapeação”) ter detido aquele mar tempestuoso, diz, em estilo
nobre, de 8 de julho a 12 de dezembro de 47.
A
moral pode falar em duplicidade e no escrúpulo de corromper por compra: não é
isso só política, é do tempo, e de todos os tempos... e, depois, há um matiz
que faz distinção entre Sousa Coutinho que pretendeu ou comprou, e Nassau que
foi tentado, ou mesmo comprado. Só a correspondência do embaixador, hoje
publicada, permite compreender essas negociações, para as quais, na mesma ordem
de ideias, em Lisboa, se invocava a coragem alarmada do Padre Vieira, para um
“Papel-forte”, em outubro ou novembro de 48, contudo “sem lábia”, para não
fazer, certamente desconfiar. Este papel,
submetido aos conselheiros Del-Rei, foi geralmente repelido, e, totalmente,
pela opinião pública.
Entretanto,
os Espanhóis, tratando com os Flamengos em Munster, em 48, garantiam-lhes todos os lugares do Brasil tomados aos
Estados Gerais pelos portugueses, desde 1641.
É
nesta situação de espoliado por Espanha, sistematicamente empobrecido de gente,
dos melhores oficiais e tropas, que ela fazia gastar na Catalunha e Flandres, e
de bens, levados a Castela, que Portugal, o invasor ainda no solo, e vendo os
tratos que fazia ou tentava fazer por toda a parte, com a Holanda, França,
Inglaterra, Países Nórdicos, até com a Santa Sé, complacente com os
Castelhanos, ou temerosa da sorte dos portugueses, que a guerra contra os
Holandeses no Brasil deve ser considerada.
Na
arrancada definitiva de 42 a
54, a
atuação da política de Portugal revela os mesmos sentimentos dos portugueses,
desde 25, pelo Brasil. O movimento libertador do Maranhão em 42 tem a
aquiescência da Coroa. Com André Vidal de Negreiros, que vai a Lisboa expor as
condições de Pernambuco, e torna com promessas de comendas e mercês a
distribuir, vem Antônio Telles da Silva, capitão geral de mar e terra, acorde
com os insurrectos. No fim, a forte armada de Pedro Jacques de Magalhães,
chegada à vista do Recife, é que dá coragem e determinação aos sitiantes e
apressa os sitiados do Recife à suspensão das hostilidades e à capitulação do
Taborda.
Quando
a paz se realiza definitivamente nas Cortes, é preciso poupá-lo, ao inimigo,
porque a Espanha ainda aí está no território, e não convém ter mais desafeto lá
fora. Portugal e Holanda concordam na indenização de 4.000.000 de cruzados, em
dinheiro, açúcar, tabaco, sal, outros gêneros: o Brasil, para sua libertação,
concorreria com menos de metade, 1.920.000 cruzados, pagos em 16 anos, a
120.000 cruzados de prestação por ano. Negócio de pai para filho.
Do
mesmo modo que certos historiadores esquecem a situação de Portugal, invadido e
armas nas mãos, a defender-se de Espanha, não podendo, declaradamente, fazer
outros inimigos mais acirrados, também esquecem outro fator da vitória, que foi
o abandono relativo que os traficantes Flamengos deram a posses que já lhes não
valiam tanto. O sítio, as escaramuças, os engenhos arruinados, os canaviais
incendiados, a seca persistente, os lucros cessantes, a causa que é
“interesseira”, de negociantes, e não “nacional”, de patriotas, colaboraram em
facilitar a nossa vitória. A guerra de Holanda e Inglaterra (1653)
favoreceu-nos muitíssimo, distraindo o inimigo, do mais fraco para o mais
forte. Então, seria
também injustiça acusar os Estados Gerais de se interessarem mais pela posse de
negociantes, com negócios na América... Só recentemente as grandes Nações
expansivas consideram o comércio, e até as missões religiosas, como
interessados no prestígio do pavilhão que os protege. Não se pode julgar, em
história, se não ao tempo e nas condições da ocasião. O que não padece dúvida é
que Portugal manteve pelo Brasil os mesmos sentimentos de sempre, diante da
ocupação holandesa, que ajudou a vencer, com os reinóis e os neoportugueses.
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