Precursores de Cabral
Era
corrente, nos livros de história do Brasil, falar-se dos precursores de Cabral,
a política nacionalista ajudando. Os partidos ou palpites tomaram-se, uns por
acharem muita sorte a Pedrálvares, outros a Portugal; aqueles outros empenhados
na reabilitação de Américo Vespúcio: as más causas, como as poderosas, atraem
sempre sequazes, como adversários. A contrariedade é humana.
Recentemente,
porém, conscienciosos, pertinentes e capazes estudos de Duarte Leite, reduziram
tudo a bem pouco. Seria longo detalhar. Para ele, se Duarte Pacheco Pereira
passou o mar oceano a mando de D. Manuel, foi no hemisfério norte, e nem descobriu o Brasil em 1498, nem
assistiu, dois anos depois, à sua descoberta, por Álvares Cabral (D. Leite,
Descobridores do Brasil, 1931).
Quanto
a Vicente Yanez Pinzon, que teria vindo ao Brasil em 1500, antes de Cabral: despida de ouropéis e excrescências, da
decantada viagem de descoberta limitou-se ao trecho compreendido entre as
Guianas e a costa norte que defronta a ilha Trinidad.
Alonso de
Hojeda nunca esteve no Brasil, prova ele; os 6 graus ao sul devem
trocar-se por 6° N, o que representaria de fato apenas um erro de 3°, fácil de
cometer pelos pilotos de Hojeda.
Também
Diogo de Lepe em 1500 não reconheceu
terras brasileiras e até o navegante não é o que morreu de morte infamante em Portugal, por ter devassado defesos
territórios, senão outro, tomado na Guiné, por causa de certos pretos que
levava furtados. Como Pinzon, Lepe não teria estado no Amazonas.
Finalmente,
a questão mais difícil de Américo Vespúcio, que tem protetores qualificados que
o defendem, de acusadores também qualificados. O processo é longo. Duarte Leite
põe revide à viagem de 1497 do florentino ao Brasil e analisando as “Cartas” do
navegador a quem um cartógrafo, Hilacomillus ou Waldseemuller em 1507, fez
doação honorífica do Novo Mundo “América” (nome a ser dado, não ao continente,
senão à parte nordeste do Brasil, que o navegante abordara) chega a
severíssimas conclusões: esta fátua
personagem não passa de noveleiro mentiroso, astrônomo improvisado, navegador
como os havia em barda, cosmógrafo que repetia conceitos de outrem, falso
descobridor que se apropriou de glórias alheias. Conseguiu, apesar disto,
mistificar gerações de homens cultos, que se afadigaram em lhe interpretar as
fantasias e procurar sentido aos despautérios.
Aliás
não está só neste juízo. Para não citar outro, o de Sir Clemens R. Markham (The
letters of Amerigo Vespucci, 1894) para quem Vespúcio é um ignorante,
invejoso, apropriador de mérito alheio, rancoroso, que nenhuma situação teve em
Portugal, não foi navegador nem cosmógrafo, apenas negociante, fornecedor de
víveres às esquadras...
Enquanto
as navegações portuguesas e castelhanas eram segredo de Estado, como as
fortalezas e obras defensivas hoje em dia, o caixeiro florentino de Marchione
em Lisboa, e sócio de Berard em Sevilha, escrevia para a terra a gabar-se e,
pela publicidade, foi-se enfeitando com as penas alheias... Aliás os
panegiristas chegam às vezes à confissão: Conhecemos
as viagens de Vespúcio apenas por ele... Viagens que Vespúcio diz ter feito...
(Vignaud)
Vespúcio
gaba-se de solicitado, em Sevilha, por Dom Manuel, para seu serviço: nos
arquivos portugueses não há uma palavra, em cronista algum, sobre este
personagem, citado apenas pelos seus patrícios, a quem ele dizia, naturalmente,
o que podia fazer para fora, sem responsabilidade. Nas suas cartas suprime os
companheiros e comandantes e dá-se por autor de tudo. É natural que a Espanha o
acreditasse — se todo o mundo viria a ser iludido — nomeando-o piloto-mor,
cuidando privar o competidor português de tão grande piloto. Apesar disso, para
Castela não fez também nada. Mas o que, antes, dissera, foi acreditado. O
essencial, para o mundo, não é fazer, é dizer ou dizerem que se fez...
Portanto, antes de Pedro Álvares Cabral, não teve o Brasil nem portugueses
nem estrangeiros, visitantes ou descobridores. Não podia haver certeza, mas,
disse o Épico, “havia sospeita...“ (Lusíadas).
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