Os primeiros governadores
Chegara
o Governador-geral Tomé de Sousa (1549-53) e depois de oscilar entre a “Graça”,
de Diogo Álvares, próxima da Barra, “a povoação do Pereira”, num extremo, e o
Bomfim, no outro extremo da enseada, resolveu-se por um sítio ao meio e
equidistante aos dois, onde havia porto, elevação e planalto, para edificação.
A cidade nova foi chamada “do Salvador”. Na bula de criação do bispado, dois
anos depois, é chamada “São Salvador”, não com a ideia de um santo desse nome,
senão como epíteto do Salvador, como ainda hoje se diz “Santo Cristo”: do
Sanctus Salvator se fez São Salvador, mais frequente ou popular, ainda hoje,
que o nome primitivo, “Cidade do Salvador”. O menor esforço resolveu-se por
Bahia, que ficou o nome comum na cidade, e da província, ou Estado.
Com
o Governador vieram, na esquadra que o trouxe, as naus Conceição,
Salvador e Ajuda e mais três
caravelas, 600 homens de armas, 400 degredados, e o funcionalismo necessário a
uma capital. Por ouvidor-mor, Pero Borges; por procurador, Antônio Cardoso de
Barros; por capitão-mor da costa, Pero Góes da Silveira, como se diria hoje,
ministério ou secretariado. Os jesuítas eram os Padres Manuel da Nóbrega,
superior, Azpilcoeta Navarro, Antônio Pires e Leonardo Nunes, os irmãos Diogo
Jácome e Vicente Rodrigues. Tão grande
parte, — diz um autor independente, por estrangeiro e protestante, Roberto
Southey, — tomaram os Jesuítas na história da América do Sul, que estes
primeiros nomes se tornam dignos de memória (R. Southey, História do Brasil, 1862).
Estes
e outros. Logo começa o apostolado: Vicente Rodrigues, primeiro mestre, tem
escola de ensinar a ler, escrever e contar. Leonardo Nunes e Diogo Jácome vão
aos Ilhéus e Porto Seguro. Azpilcoeta Navarro e Antônio Pires ficam nas aldeias
da Bahia. Logo, porém, Nóbrega sai em visita, recolhendo Jácome doente em
Ilhéus, seguindo os dois para Porto Seguro, e, daí, para São Vicente, Leonardo
Nunes, acompanhado de dez ou doze meninos e alguns Guaranis, injustamente
escravizados, a pedido de Nóbrega libertos por Tomé de Sousa, e restituídos à
sua gente. Parece-nos que não podemos
deixar de dar a roupa que trouxemos a estes que querem ser cristãos,
repartindo-lha, até ficarmos todos iguais com eles (Cartas). Em 50,
na armada de Simão da Gama de Andrade, chegam mais os Padres Afonso Braz,
Manuel de Paiva, Francisco Pires e Salvador Rodrigues. O Pe. Navarro traduziu
em idioma da terra orações e sermões, para a catequese. Paiva vai para Ilhéus e
Braz para Espírito Santo. Aí se adquire o irmão Mateus Nogueira; em São Vicente
são recebidos os irmãos-línguas Pero Correa e João de Sousa, que serão os
primeiros mártires do Brasil, e Manuel de Chaves. Na Bahia entraram João
Gonsalves e Domingos Picorella.
Na
armada desse ano vêm suprimentos de toda a ordem, armamentos e utilidades, no
valor de 300 mil cruzados. No terceiro ano, a Rainha enviava muitas órfãs de
famílias nobres, que deviam casar com oficiais. Também os Jesuítas receberam
meninos órfãos, a educar. Como a falta de gado era urgente, o Governador
mandou, em serviço de transporte direto, a Cabo Verde, a caravela Galga, que trocava o
gado por madeira, muito necessário àquelas ilhas.
Nóbrega,
com Antônio Pires, vão a Pernambuco, em 51. Leonardo Nunes, de São Vicente,
organiza a catequese no sertão, com Diogo Jácome e os irmãos línguas, Pero Correa,
Manuel de Chaves, João de Sousa, Fernão Luiz e outros.
A
22 de junho de 52 chega à Baía o 1º Bispo do Brasil, — agora independente do
bispado de Funchal, — Dom Pedro Fernandes (Sardinha), bacharel pela
Universidade de Paris, antigo vigário geral de Goa, clérigo, de Évora, cuja
experiente virtude deu esperança a el-Rei fosse a Igreja bem servida. Nos primeiros tempos muitas coisas se hão de
dissimular que castigar, maiormente em terra tão nova, dizia, já daqui,
para Dom João III, o experiente prelado.
Entra
o Padre Azpilcoeta Navarro, com doze homens, e entre eles um língua
experimentado, Francisco Bruza de Espinhosa, ou Espinhoso, de Porto Seguro ao
Sertão, alcançando as cabeceiras do rio Jequetinhonha e o vale do Rio de São Francisco,
descendo, de torna viagem, ao litoral, pelo rio Pardo, 350 léguas entre índios
ferozes.
Não
somente fez Tomé de Sousa viajar os seus auxiliares de governo, o ouvidor e o
provedor-mor, como ele mesmo empreendeu, ao sul, viagem de inspeção e
providências. E pelourinhos, cadeias, artilharia para fortins, medidas de
segurança, foi distribuindo em seu caminho; nos Ilhéus demitiu o capitão,
nomeando outro; sobre o Rio, embevecido, escreveu a el-Rei, desejando para o
sítio uma povoação “honrada e boa“, como merecia; de São Vicente aprovou a
fundação da Vila de Todos os Santos, que, ao depois, ficou apenas Santos; a
criação da Vila de Itanhaem, levantando, para defesa contra os Tamoios, a
fortaleza da Bertioga. Subiu a serra do Cubatão, e elevou a vila a povoação de
João Ramalho, Santo André da Borda do Campo. Do patriarca, diz a el-rei: tem tantos
filhos e netos bisnetos e descendentes delle ho nom ouso dizer a V. A. não tem
cãa na cabeça nem no rosto e anda nove legoas a pe antes de jantar (História da
Colonização Portuguesa).
Tornou
à Bahia, à espera do seu sucessor. Foi em tudo muito prudente e avisado, e,
dizia Nóbrega, só ter um defeito: ser zeloso de mais em tudo que importava à
real fazenda. O castigo severo que infligiu a índios rebeldes que mataram
alguns reinóis — prendendo-os e atando-os à boca de peças que fez disparar, —
aproveitou, por impressionante. A maneira forte é a mais suasória, com os povos
fracos...
A
esse tempo de Tomé de Sousa prende-se a viagem de Hans Staden, náufrago de nau
espanhola de passagem, que aceitou do governador geral o posto de artilheiro da
Bertioga; depois, prisioneiro dos selvagens, que o queriam matar, e dos quais
escapou, tornou à Europa num navio francês, escrevendo um livro célebre: Descrição
verdadeira de um país de selvagens nus, ferozes, canibais, situado no novo
mundo, América... publicado em Francfort-do-Meno em 56, reimpresso em 57
em Marburgo, e inúmeras vezes mais.
Também
Ulrico Schmidl, outro alemão, que assistiu à fundação de Buenos Aires, esteve
no Paraguai e, daí, por terra, pelo sertão, veio ter a Piratininga e São
Vicente, em 53. Publicou mais tarde a História
verdadeira de uma viagem curiosa na América ou Novo mundo pelo Brasil e Rio da
Prata, desde o ano de 1534 até 1554, tirada
em Francfort-do-Meno, em 1567.
Com
o 2º governador geral, Duarte da Costa (53-58), vieram, a 13 de julho, os
Padres Jesuítas Luiz da Grã, Braz Lourenço e Ambrósio Pires, e os irmãos
Gregório Serrão, Antônio Blásquez, João Gonsalves e José de Anchieta, todos
também de celebrada memória. A Companhia de Jesus cria a sua nova província do
Brasil, nomeando provincial o Padre Manuel da Nóbrega. Morre, nesse ano, o
primeiro jesuíta no Brasil, o Pe. Salvador Rodrigues, mas ingressa na
Companhia, grande língua, o irmão Antônio Rodrigues, dos melhores conhecedores
do idioma indígena e dos mais infatigáveis missionários. O Pe. Leonardo Nunes,
agora com Vicente Rodrigues, José de Anchieta, Gregório Serrão, Afonso Braz,
acode à catequese no sul, com tanta eficácia, indo e vindo, que os catecúmenos
o chamam Abaré-Bebé, o padre
voador.
Entre
São Vicente e Santo André deliberou Nóbrega a fundação definitiva do Colégio. E
no lugar, entendendo-se com João Ramalho, chefes índios Tibiriçá e Caiubi,
escolheu um sítio junto do Tietê, perto da confluência do Tamanduateí, entre
este e o Anhangabaú, posição de defesa e boa vista, para onde trouxe os filhos
dos índios do Campo, reunindo três aldeias numa, onde se ajuntam novamente e a apartam os que se convertem e onde pus
irmãos para os doutrinar e fiz solenemente uns 50 catecúmenos, diz Nóbrega,
em carta que publica o Dr. Serafim Leite (Os Jesuítas na Vila de São Paulo, Revista do
Arquivo Municipal, 1936): e esta carta de
Nóbrega é a certidão de idade de São Paulo de Piratininga, no dia da
degolação de São João Batista, de 53. Faz-se a casa. Estabelecem-se os índios.
Tibiriçá e Caiubi já aí estão.
No
janeiro seguinte, já preparada a casa, é a inauguração do Colégio de
Piratininga — “alguns doze irmãos”, diz Anchieta — (mas não diz os que já
estavam) —, que vieram de véspera, de São Vicente, e, a 24 de Janeiro de 54,
sob a invocação de São Paulo, inaugura-se, com missa, o colégio, núcleo da
povoação. Distribuídos por São Vicente, Maniçoba, Gerebatiba, acorreriam a
Piratininga, nesse ato solene, o provincial e os 13 jesuítas que, certamente,
aí estariam a 24 de Janeiro, e foram: Padres Manuel da Nóbrega, provincial,
Leonardo Nunes, pioneiro de São Vicente, Vicente Rodrigues, Afonso Braz,
Francisco Pires e Manuel de Paiva, que ficaria por superior; irmãos José de
Anchieta, Gregório Serrão, Antônio Rodrigues, Manuel de Chaves, Pero Correa,
Diogo Jácome, João de Sousa e Mateus Nogueira. Se um ou dois
pode aí estar demais, porque ficara a guardar outra casa, não é justo que se
lhes omita o nome ao reconhecimento de uma ação de jesuítas, que ia ter imenso
significado no tempo adiante. Esse colégio de Piratininga é, descreve Anchieta,
paupérrima e estreitíssima casinha... Permanecemos
algumas vezes mais de vinte, em uma pobre casinha feita de barro e paus,
coberta de palhas, tendo quatorze passos de comprimento e apenas dez de
largura, onde estão ao mesmo tempo a escola, a enfermaria, o dormitório, o
refeitório, a cozinha, a dispensa; todavia não invejamos as espaçosas
habitações... (Anchieta, Cartas). É a célula inicial de São
Paulo...
A
8 de junho morrem, mártires dos Carijós, os irmãos Pero Correa e João de Sousa,
admitidos no Brasil, e primeiros santos, aqui, da Companhia. Também mártir,
naufraga, indo a Roma por procurador da Província, o Pe. Leonardo Nunes, de
tantos serviços em São Vicente. Igualmente santificado pela fama, morre na
Bahia o irmão Domingos Pecorella. Ao cabo do ano havia na Província 26
jesuítas: 4 na Baía, 2 em Porto Seguro, 2 no Espírito Santo, 5 em São Vicente e
13 em São Paulo.
Duarte
da Costa pouco fez, porque pouco pôde; reclamou, não obteve. Contudo conseguiu
a conquista de todo o Recôncavo, donde expeliu os selvagens. Por um filho estroina
brigou com o Bispo que reclamou del-Rei: queixas recíprocas. Mas houve
reconciliações, segundo depõe uma carta de jesuíta (Cartas avulsas).
Contudo, no ano seguinte seguiu para o reino o Bispo, na companhia de Antônio
Cardoso de Barros, a bordo da nau Nossa Senhora
da Ajuda, que naufragou nos
Baixios de D. Rodrigo (assim chamados do nome de D. Rodrigo de Acunha,
navegante espanhol, deixado por compatriotas na costa do Brasil e que aí, à foz
do Cururipe, aportara, em 25) e prisioneiros dos Caetés foram por eles
devorados, a 16 de junho de 56.
A tribo desses índios, excomungada, foi votada ao
extermínio.
Duas
revoltas de índios acentuaram-se: uma na Bahia, que nas terras de Garcia de
Ávila, além de Itapuã, para o norte da cidade, aprisionaram cristãos,
destruíram fazendas e gados: D. Álvaro da Costa, o filho escandaloso do
governador, remiu os seus pecados, salvando a cidade, investindo contra os
bárbaros, a quem incendiou as tabas e pôs em fuga. Outra represália de índios
contra São Paulo nascente, defendido por índios mansos e reinóis, grupados em
torno do Colégio, que era o núcleo da nova capital do sul. Na Bahia morre o
Caramuru, deixando vasta parentela. De Cabo Frio a São Vicente havia gentio
inimigo dos portugueses, sobressaindo um, o terrível Cuñabebe, de Hans Staden,
que se cevava em sangue português. Acaba-se o tempo de Duarte da Costa, que não
deixa de reservar para si, ou para a família, boas sesmarias. A capitania de
Paraguaçu, de 57, é de D. Álvaro da Costa.
O
terceiro governador geral, chegado a 28 de dezembro de 57, é Mem de Sá
(1558-72), irmão do poeta Sá de Miranda, e é verdadeiramente benemérito:
letrado em leis, ajuizado, amigo de Nóbrega, realiza um grande programa:
expelir os Franceses que se haviam estabelecido no Rio de Janeiro e destruir a
aliança que construíram com o gentio, de Cabo Frio à Bertioga.
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