11/03/2019

Afrânio Peixoto: Os franceses no Rio de Janeiro (História do Brasil)



Os franceses no rio de janeiro

Em todos os séculos da história do Brasil temos uma questão com a França. Repelidos no Maranhão, haviam-se estabelecido na Guiana e pretendiam agora que o seu limite, o Oiapoc, ia até o Amazonas. Com o erro de geografia coincidiu alerta dos nossos, na fronteira e vizinhanças, de modo que em 1700 o Embaixador Rouillé assinou em Lisboa um tratado provisório e suspensivo, que adiava a solução do litígio. Obrigada a isso por outras ambições políticas, limitou-se a França ao Oiapoc e deixou em paz o Amazonas. Esta questão só no século XX será decidida por arbitragem.
Decorridos alguns anos, tentaria outra fortuna pelas armas. Em 1695 Des Gennes tenta alguma coisa no Rio e em 1708 Duclerc saqueia povoações em Pernambuco, aprisionando navios. Em 1710 vem esse Charles Duclerc ao Rio de Janeiro, entrando a barra com seis navios e, temendo resistência, retira-se, desembarcando fora da baía, em Guaratiba, mil homens de combate. Toda uma semana gastaram por matas e banhados para se aproximarem da cidade, acampando no Engenho Velho. Daí marcharam, sem grande resistência, até o centro da cidade, até o porto. A resistência organizou-se com estudantes e populares, a mando de Gregório de Morais, mestre de campo e irmão do Governador Francisco de Castro, que, fraco e incapaz, se ausentara. Metidos num trapiche, à ameaça de se atirar fogo a barris de pólvora, não vendo chegar por mar o recurso da esquadra, renderam-se os Franceses. A fácil vitória amotinou a população, que se entregou ao covarde morticínio de vencidos ou rendidos. Duclerc, prisioneiro, teve a cidade por menagem e travou relações de boa amizade: seis meses depois amanheceu, no leito, assassinado.
Em França, onde chegaram tais notícias, preparou-se empresa de represália e vindita. René Du Guay Trouin, reunindo elementos de mercadores e do Estado, armou 16 navios da marinha real, quatro de particulares, com tripulação e soldados para desembarque, ao todo mais de cinco mil homens, e a 12 de Setembro de 1711 apresentou-se, oculto pelo nevoeiro, já dentro da baía de Guanabara. A cidade teve notificação do assalto pela artilharia. Apesar de prevenidos, as disposições tomadas foram insuficientes e nas fortalezas e navios tínhamos apenas dois mil e oitocentos homens mal armados. A fortaleza de Villegaignon, tendo-se ateado fogo num paiol de pólvora, explodiu. A ilha das Cobras, abandonada, foi ocupada contra nós. O governador inoperante, como o capitão de frota descuidado, pouco puderam fazer. Desembarcados os Franceses, em três brigadas, atacaram a cidade pelos lados e centro. Du Guay Trouin, ao som do tambor, intimou à rendição, exigindo punição para os assassinos de Duclerc e trucidação dos prisioneiros. O governador Francisco de Castro Morais declarou que defenderia a cidade até a última gota de seu sangue e, com efeito, fugiu para Iguaçu, a 10 léguas da povoação. Então, foi o bombardeio à cidade e o pânico, a deserção, o tumulto, a confusão, o Rio abandonado à sua sorte, a 22 de Setembro. No saque colaboraram uns 200 ou 300 prisioneiros de Duclerc, que se libertaram e chamaram os seus. Du Guay Trouin teve de passar pelas armas alguns dos mais ferozes depredadores, para manter a disciplina. O resgate da cidade foi conseguido por 600.000 cruzados em dinheiro, 100 caixas de açúcar, 200 bois, além de gêneros, pratas, joias, alfaias, tudo o que saquearam: calculado em 30 milhões, do Estado, e 12, dos particulares, o esbulho. Retiraram-se os assaltantes a seus navios, apenas em terra os que negociavam a paz e esperaram o pagamento. Confraternizavam e mostravam-se corteses.
Os recursos esperados de Minas, sob o mando de Antônio de Albuquerque, chegaram uns vinte dias antes da partida dos Franceses: eram 6.000 homens, mas desprovidos de munições. Acamparam a quatro léguas da cidade, observando a retirada do inimigo, que, confiado, comerciava com a população, comprando o que podia e vendendo até dois mil e oitenta barris de pólvora... A partida foi a 13 de novembro. Tão namorados foram da terra, diz um correspondente do tempo, que é de temer voltem para o ano. Com efeito pensaram nisso (Southey, História of Brazil). Apesar da perda de três navios carregados de opimos despojos e dinheiro, a empresa produziu 25 a 30 milhões de cruzados: tiveram os sócios um lucro de 92 por cento. Por ironia, o pirata francês elogia o governador: encarecia sua proeza. Tem sua estátua no Castelo de Versalhes, logo à entrada. A França vingara, de uma vez, todas as mal sucedidas empresas anteriores. Castro Morais teve os bens confiscados e desterro para a Índia. O povo deu-lhe o apelido de “Vaca”.

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