Governo Geral
A
escolha recaiu em Tomé de Sousa, fidalgo já provado em África e na Índia, a
quem se deu regimento datado de Almeirim, a 17 de dezembro de 1548, que foi a
primeira constituição política do Brasil. O novo governador geral partiu a 1º
de fevereiro de 1549 e chegou à baía de Todos os Santos, para fundar a Cidade
do Salvador, a 28 de março do mesmo ano.
Escolheu
o sítio dentro da baía, (deixando a “Graça” de Diogo Álvares, a “Barra” de
Francisco Pereira Coutinho, que ficou sendo a Vila Velha), na encosta norte,
depois da entrada da barra, no lugar hoje compreendido entre o Terreiro de
Jesus e a Barroquinha ou largo do Teatro, agora Praça Castro Alves; São Bento e
Carmo já seriam portas da cidade. Começou-se a edificar a 1º de maio (Rodolfo
Garcia, Documentos Históricos, 1937), a princípio cerca de pau a pique,
para a proteger contra invasões dos Índios, arruando e levantando casas
cobertas de palma, paredes de taipa, dois baluartes do lado do mar e quatro da
banda de terra, providos de artilharia. Estava constituído o Estado do Brasil,
com fundação de sua capital e o seu primeiro núcleo administrativo. Trouxera
Tomé de Sousa consigo os primeiros jesuítas, que viriam servir à educação do
novo Estado.
Ultra
equinoxialem non peccatur, além da linha
tudo era permitido, era máxima que traziam todos os aventureiros ao deixarem a
Europa. Largados de Deus e do mundo, nesse mato-grosso da América, ainda os
mais puros se desmandavam: (o caso do donatário do Espírito Santo depõe...)
Ainda agora a Europa permite certas “facilidades” aos tratos coloniais: como os
anzóis, os negócios exóticos têm direito de ser tortos. Pois bem, desde meado
do século XVI, os Jesuítas aqui pugnaram, sem um minuto de trégua, e em prol da
terra que ajudaram a fazer moralmente, pelos três princípios que estabeleceram:
boa imigração europeia, liberdade dos naturais, identidade moral de todos.
O
Padre Manuel da Nóbrega, o maior deles, e o chefe da primeira hora, dirá: esta terra é nossa empresa (Cartas).
Os reinóis viviam em pecado mortal: o
costume da terra é terem muitas mulheres; mal empregada esta terra em degredados que cá fazem muito mal... Parece-me coisa mui conveniente mandar Sua Alteza
algumas mulheres que lá têm pouco remédio de casamento a estas partes, ainda
que fossem erradas, porque casarão todas muito bem... Cá há clérigos, mas é a escória que de lá vem... Dos sacerdotes ouço coisas feias... Os clérigos desta terra têm mais ofícios de
demônios que de clérigos... Querem-nos mal porque lhes somos contrários a seus
maus costumes... De quantos lá vieram
nenhum tem amor a esta terra, todos querem fazer em seu proveito, ainda que
seja à custa da terra, porque esperam de se ir.
Os
Índios eram boçais, preguiçosos, indomáveis, resistentes à servilidade e ao
trabalho regular, intemperantes, viciosos, antropófagos, mas eram papel branco para neles escrever à vontade.
Havia mister educá-los e defendê-los para que se educassem. Os Brancos preavam-nos,
ferravam as “peças”, vendiam-nos, usando e abusando deles, como se fossem
animais. Para os proteger, chegavam os Padres a fechar os olhos à escravidão
negra. Obedeciam a breve de Paulo III, de 1537, que declarava os Índios entes humanos como os demais homens não
podiam ser reduzidos ao cativeiro (ao Cardeal Arcebispo de Toledo, em 28 de
maio). Urbano VIII faz a doutrina extensiva ao Brasil. Mas, ainda assim,
entrariam em constante conflito com os reinóis predadores até a expulsão dos
Jesuítas de São Paulo em 1640 e de Vieira e Companheiros, no Maranhão, em 1661.
Finalmente a extinção da Companhia, mais tarde, prêmio de martírio concedido
aos Jesuítas protetores da raça aborígene. Em vinte anos porém, de apostolado,
a moral está mudada na terra. Os Índios têm sua mulher, sua família, sua casa,
sua roça e já não são antropófagos e têm hábitos civilizados. Os reinóis
começam a entrar na regra. Clérigos e leigos sofrem a influência contagiante da
moral jesuíta, feita de pureza e tolerância. Amanhece o Brasil.
A
identidade moral de todos foi feita pela educação. Desde 49, na Bahia, que o Padre
Vicente Rodrigues tem aula para reinóis e índios. O Padre Azpilcoeta
Navarro traduz, em tupi, orações e catecismo, para a conversão. O irmão José de
Anchieta institui uma gramática da língua da terra, que todos aprendem, para a
catequese. Aulas de latim e de casos aos irmãos: o irmão Luiz Carvalho ensina
Virgílio, o 2º livro da “Eneida”, na Bahia dos meados século XVI. Os batismos
são sem conta, como os casamentos. Às vezes tornam à barbárie, mas não se
esmorece: mais catequese, mais exemplos. O Padre Antônio Rodrigues penetra no
sertão e vem, rasgado dos espinhos dos matos, pés chagados das pedras do
caminho, à frente de centenas de índios, a entoar a ladainha. A educação dos
filhos traz a educação dos pais. À rainha Dona Catarina quererão escrever esses
pais para que lhes mande santas mulheres, que lhes façam, às filhas, o que os
padres fazem aos filhos.
Esses
Jesuítas foram edificadores de casas, igrejas, colégios, até cidades: Bahia,
São Paulo, Rio são fundações deles, em grande parte. Em vinte anos, vemos as
palhas que eram a igreja e o colégio da Bahia reconstruídas em taipa, chegarem
à pedra e cal, antes da cantaria da Catedral, no Terreiro de Jesus; Piratininga
saiu de onde era, para se tornar São Paulo, em torno do Colégio dos Padres, que
das alturas de um outeiro dominava as várzeas do Tietê e do Anhangabaú. Foram
médicos, e a medicina, ou o remédio; enfermeiros, assistiam aos abandonados e
enterravam os mortos. As epidemias e andaços coloniais eram calamitosos, em
raça de corpo aberto, nova aos contágios civilizados. Há trechos de cartas que
fazem horror, descrevendo as pestes de 59 a 63. Contaminou
a mor parte da terra e apenas escassamente
deixou viva a quarta parte dela, diz o cronista Padre Simão de Vasconcelos,
desta pestilência de bexigas. A tudo, a tratar, a preparar para morrer, a
ajudar na morte, a enterrar, ocorriam os Padres. E não só contra as doenças e
pestes contra a fome e a míngua, porque
esta pobre gente é tão miserável e coitada, diz o Padre Baltasar Fernandes, que
espera lhe demos do nosso, que não tinham muitas vezes, pois, no princípio,
viviam de esmolas. Chegavam a tanta
miséria, esse Gentio, que, de fracos e magros, morriam por esses matos. Acontecia, diz ainda o Padre Leonardo do
Vale, de lançar-se um para beber água e
ficar ali, sem mais se poder levantar, e assim morrer. A causa desta pobreza, disse o Padre Jorge Rodrigues, é por a terra em si ser pobre. Mas
apelavam para os Padres, que a tudo acudiam.
Eram
a “poçanga” da colônia, dizia o gentio, como quem dissesse: a mezinha, o
remédio, a salvação. Os Jesuítas portugueses foram a nossa Providência, ao
nascer o Brasil. A epopeia dos Lusíadas tem o reverso
da História
Trágico-Marítima, em que se
conta o martírio das Navegações, e tem o das “Cartas Jesuíticas”, que são os
anais, sofridos, da Colonização. Quem podia testemunhar, testemunhou. Tomé de
Sousa, tornando a Portugal, confessou: o
Brasil não era senão os Padres... que se lá estivessem seria a melhor coisa que
el-Rei teria, e senão que nada teria no Brasil... (Cartas avulsas).
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