11/03/2019

Afrânio Peixoto: Escravidão Negra (História do Brasil)



Escravidão Negra

A escravidão vermelha tinha os impedimentos canônicos e reais, de que os Padres Jesuítas eram os acérrimos intérpretes na Colônia: a expulsão dos Padres Jesuítas de São Paulo em 1640 e do Padre Antônio Vieira e seus companheiros, em 1661, do Maranhão, é a maior finta do duelo que se veio realizando entre os reinóis é os padres. Por isso mesmo, e por tudo, a escravidão negra ocorreu. Quando Gil Eanes aprisionou alguns negros nas Canárias, o Infante Dom Henrique, verberando o procedimento, mandara restituí-los à liberdade, na terra de origem. Depois, quisera de Afonso Baldaia e de Antão Gonçalves que filhassem alguu para lhes saber a língua e tomar informações. Finalmente, com a consciência coletiva, a consciência individual condescendeu. Salvava-se a alma, aos negros escravos... Como na antiguidade, a escravidão continuava, e lícita, portanto. Portugal e D. Henrique pactuaram: já não recusa os seus 45, vintena dos que trouxe Lançarote de Lagos... O Infante chegou a negociante de escravos, como seu sobrinho Afonso V.
À América vieram os negros, desde 1501, à reclamação de Nicolau Ovando, de Hispaníola. Las Casas que defende o índio, esse mesmo, aconselha a escravidão negra. Os nossos Jesuítas fecham os olhos à escravidão africana, apenas defendendo dela os americanos. Supõe-se que são de 35 os primeiros, introduzidos em São Vicente: a permissão, contudo, à importação, é de 1549. Angola torna-se mercado fornecedor e, de tais interesses, dirá Vieira: sem negros não há Pernambuco e sem Angola não há negros (Cartas). Com efeito, assim o entendem também os flamengos, que, tomando Pernambuco, vão logo tomar Angola. E quando os nossos retomaram Pernambuco, do Rio já tinham ido retomar Angola. E quando vimos à Independência, Angola quis vir conosco. Contudo a Bahia preferia os negros da Mina, Sudaneses, mais fortes, robustos, ativos, aceados e belos do que os Bantus angoleses, menos rebeldes e mais dóceis à servidão, revendidos para o norte (Pernambuco, Maranhão, Pará) e para o sul (Rio, São Paulo). Esta preferência baiana é documentada por Silva Correa, na História de Angola e pelos nossos Nina Rodrigues e Wanderley Pinho. Talvez, daí, a beleza das negras baianas a ponto de, no Sul, chamar-se a uma bonita negra uma “Baiana”. Os mestiços delas derivados são tão formosos que Spix e Martius dizem ter ouvido trova popular que isso denuncia: uma mulata bonita, não precisa mais rezar, abasta os mimos que tem, para sua alma se salvar.
A escravidão seria um rio negro, de África ao Brasil, por mais de três séculos. Calcula Simonsen que muito se exagerou a importação deles em número, e que apenas 3.300.000 Africanos foram os importados entre 1530 e 1850. Esses negros, a fração que chegava... trabalhadores dóceis, deram um contingente à família, pela mestiçagem com brancos e índios, pelas negras domésticas, as mucamas e as amas de leite e, principalmente, foram a mão de obra do Brasil colonial. Nem sempre dóceis, esses negros. Com as guerras holandesas, enquanto os brancos brigavam, iam eles fugindo dos engenhos e forrando-se no mato, em colônias ou quilombos ou mocambos, dos quais o mais notório foi o de Palmares. Faziam depredações em torno, roubavam gado e utilidades e abrigados em cercas de pau a pique, sob as ordens de um chefe ou Zumbi, recomeçavam uma civilização africana na América. Já pelas ameaças convizinhas, já pela necessidade do braço escravo, os Pernambucanos, cessada a Guerra, deram combate a estes quilombos. Apelaram para os Paulistas, caçadores de índios e com Domingos Jorge Velho e os seus empreenderam a destruição dos mocambos, desde 1687. O mais famoso, de Palmares, foi vencido em 1695. Por anos adiante iriam aqui e ali, em Alagoas e Pernambuco, terminando os derradeiros.
A economia do século XVI funda-se nessa escravidão. Por essa economia o autor dos Diálogos das Grandezas do Brasil já tem ênfase brasileira, para declarar: o Brasil é mais rico e dá mais rendimento para a fazenda de Sua Majestade do que todas as Índias Orientais. O principal da riqueza seria o açúcar. Simonsen informa que o preço dele caíra em 1506 a 300 réis por arroba (isto é, 150.000$ de hoje). Alcançou no fim do século XVI preço seis vezes maior, e sete vezes no começo do século XVII, o do apogeu. As ilhas portuguesas chegaram a produzir 500.000 arrobas; quando o Brasil entrou no mercado, aquela produção declinou e o açúcar, imigrante, aqui ficou. Em 1628 havia 235 engenhos (Fr. Luiz de Souza, Anais de D. João). Nas vésperas da Invasão Holandesa já a produção devia orçar por 2.000.000 de arrobas. Esse açúcar iria em tal progresso, que Simonsen assegura: o ciclo do açúcar produziu em valores, para o Brasil, mais do que o da mineração, que está avaliado em menos de 200 milhões de libras.
Esse açúcar, do qual dissera o Pe. Fernão Cardim: bem cheio de pecados vai este doce, tanto o sangue e o suor dos negros se a juntavam à sensualidade e aos desmandos dos brancos, teve o papel decisivo na fixação do europeu no Brasil e na formação de nossos primeiros capitais. Foi ele quem gerou os grandes problemas de mão de obra cuja solução imprimiu feição característica ao desbravamento das terras brasileiras (Simonsen).
A ocupação holandesa foi um ônus de 20.000.000 de libras desviadas do comércio português (15 milhões de açúcar e 5 milhões de outros gêneros: Simonsen). Daí a explicação da gana flamenga e da nossa tenacidade, à recuperação.

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