Entradas e bandeiras; cativeiros,
resgates, descimentos
São
frequentes os termos, na história do Brasil: convém desde logo defini-los. As entradas eram expedições feitas pelos
colonos à cata de índios, para escravizá-los, ou ainda a busca de metais e
pedras preciosas (João Ribeiro). A “bandeira” era a entrada oficiosa e até aparatosa, apesar das proibições pontificais e
reais, autoridades distantes e só regionalmente admitidas. Bandeirantes eram
partidos de homens empregados para prender e escravizar o gentio indigente. O nome
provém talvez do costume tupiniquim, referido por Anchieta, de levantar-se uma
bandeira em sinal de guerra (Capistrano de Abreu). Esse nome, pelo
prestígio moderno das bandeiras ou símbolos nacionais, misticamente, vai
fazendo esquecer o objeto dos bandos e bandidos que eram caçadores de índios a
escravizar: tais “bandeirantes” eram apenas o mesmo que os nefandos
“negreiros”, que operavam contra africanos, enquanto os “bandeirantes” contra
os primeiros e nativos brasileiros, vergonha e não benemerência. A falsificação
se vai fazendo aos nossos dias, havendo quem pretenda a exclusividade de tais
“bandeiras”... Eram cativos os indígenas
colhidos em justa guerra, isto é, defensiva, ou para castigo de malefícios
praticados; resgatavam-se a troco de ferramentas e dixes vários, os que já se
achavam presos e amarrados, para serem comidos por seus inimigos; desciam-se os
outros que deixando-se convencer pelos missionários, abandonavam o sertão,
vindo estabelecer-se na vizinhança dos povoados, de onde os moradores iam
buscá-los para o serviço (J. Lúcio de Azevedo). É de Pero de Magalhães
(Gandavo) este depoimento: A primeira
coisa que pretendem acquerir (os colonos) são escravos
para nellas (terras) lhes fazerem
suas fazendas e se uma pessoa chega na terra a alcançar dois pares ou meia
duzia delles (ainda que outra não tenha de seu) logo tem remedio para poder
honradamente sustentar sua familia: porque hum lhe pesca e outro lhe caça e
desta maneira nom fazem os homens despeza em mantimentos com seus escravos nem
com suas pessoas. Pois daqui se pode aferir quanto mais serão acrecentadas as
fazendas daquelles que tiverem duzentos, trezentos escravos, como ha muitos
moradores na terra que nom tem menos desta contia e dahi para cima (História).
Desde
o princípio era natural apelar para o serviço do índio, indócil, porém, e pouco
prestadio: se as índias buscavam relações com os brancos, os machos, esses,
preferiam morrer de andaços, alcoolismo, preguiça, do que se prestarem ao
serviço forçado. Só os Jesuítas, principalmente nas Missões do Norte, tiraram
deles, e para o próprio proveito deles, serviço regular. Por isso, desde 1549,
começaram sendo importados de África os negros, que foram os principais
trabalhadores rurais, a desfazer o mato grosso do Brasil. Os Jesuítas, protetores
dos índios, fechavam os olhos à escravidão negra, de que não tinham cuidado.
Mas, porque era cara, estavam os reinóis, precisados de braços, sempre em
entradas e bandeiras, a descerem índios para o litoral: dessas empresas em nada
diferentes das dos “negreiros” de africanos, viria um recente complexo de
inferioridade política a fazer a “gloriosa beatificação” do bandeirante e das
bandeiras. O imperativo da necessidade não é justificativa e menos ainda
orgulho e ufania. No tempo (e em todos os tempos) era crime punido por lei.
A
Mem de Sá escrevera el-Rei: sou informado
que geralmente nessas partes se fazem cativeiros injustos e correm os resgates
com título de extrema necessidade, fazendo-se os vendedores pais dos que
vendem, que são as causas com que as tais vendas podiam ser lícitas, conforme
ao assento que se tomou. Não havendo as mais das vezes as ditas causas, antes
pelo contrário intercedendo força, manhas, enganos, com que os induzem
facilmente a se venderem, por ser gente bárbara e ignorante, e por este
negócio, dos resgates e cativeiros injustos etc., encomendo que com o bispo, o provincial, o visitador, Nóbrega, e o
ouvidor, consulteis e pratiqueis este caso, para tais injustos cativeiros se
evitarem. Em consequência, acordou-se em exigir prova da legitimidade da
posse ou da escravidão; correção do ouvidor pelas missões e aldeias; curador
nomeado dos índios — o primeiro foi o alcaide-mor da Baía, Diogo Zorilha;
resgates apenas consentidos pelas autoridades; restituição, pelos Jesuítas, dos
cativos confessos ou dos que preferissem servir a este ou àquele colono;
liberdade concedida ao índio escravo, tomado à força, de onde estivesse. A lei
derivada desse acordo produziu tais clamores, entre os colonos, que foi
sustada. As coisas continuam como dantes, mas vão agravar. Assim, desde 1570,
começara a Coroa a preocupar-se com a escravização dos índios e não cessará por
três séculos: João Francisco Lisboa contou 61 atos-leis, cartas régias,
provisões, alvarás, éditos, decretos, regimentos, diretórios... paradeiros
inúteis à cobiça e à necessidade criminosa...
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