Brasil, sem proveito
O
Brasil, de permeio, não tinha gentes industriosas, nem produzia nada. Os
próprios Padres Jesuítas que haveriam de dizer, como o Padre Nóbrega: esta terra he
nossa empresa, discutiam
preferência no reino, e cuidavam, como refere um deles, Rui Pereira, que vir
ao Brasil era perder tempo (Cartas Avulsas). A Índia é que era. Aonde os
hereges endurecidos a confundir? Nenhum interesse, nem temporal nem espiritual.
Contudo, Pero Vaz de Caminha achou a primeira utilidade, além da terra a
aproveitar e a gente a fazer cristã: é que hy non ouvesse mais ca teer aquy
esta pousada pera este navegaçon de Calecut abastaria, o que Dom Manuel
ratifica, na comunicação aos Reis de Espanha: la qual (terra) parece que
nuestro Senor milagrosamente quiso se halasse, porque es muy conveniente y
necessaria para la navigacion de la India, porque alli reparo sus navios é tomo
água.
O tempo ensinaria outros proveitos.
Gaspar
de Lemos, que tornou a Portugal, de Santa Cruz, a noticiar o descobrimento, foi
o primeiro explorador da terra. Seguiu ao longo da costa, para o Norte, até
ponto indeterminado do avanço oriental da terra sobre o mar. É o que explica a
notícia citada, de Cretico-Pisani, em julho de 1501, à Senhoria de Veneza,
dando notícia do descobrimento: indichino
questa terra esser terra ferma, perché corseno per costa duo mila piu ne mais
trovorno fin (Racolta
Colombiana). Se, na ocasião, Cabral já estava de regresso em Lisboa, a
exploração, embora exagerada, só podia ter sido feita por Gaspar de Lemos.
Antes,
porém, do retorno de Cabral, Dom Manuel mandava terceira armada à Índia, apenas
de intuito comercial, comandando João da Nova quatro navios, sendo uma nau por
conta de Dom Álvaro de Bragança e outra armada por Bartolomeu Marchioni, o
mercador florentino. Partiu a 1º ou 5 de março de 1501 e tornou a 11 de
setembro de 1502. Fez escala pelo Brasil, percorrendo cento e vinte léguas da
costa, diz o Cardeal Saraiva e Duarte Leite atribui a
informações dessa armada o planisfério de Cantino, de 1502, feito por
cartógrafo português e levado ao duque de Ferrara: aí já vem uma nomenclatura
de terras brasileiras: a 29 de abril de 1501 nomeou-se o Cabo de Sam Jorge.
Nesse mapa de Cantino já vem descoberta e batizada a Baía de Todos os Santos.
Teria
sido visitada pela armada de 1501, da qual fez parte Américo Vespúcio e
comandante ignorado, (Fernão de Loronha, para Duarte Leite, Gonçalo Coelho,
para Fortunato de Almeida, História de Portugal, 1924) que, antes da
chegada de Cabral, mandara Dom Manuel a explorar a terra descoberta.
Valentim
Fernandes de Morávia, em documento público, de 20 de maio de 1503, diz: Passados dois anos (de 1500) uma outra
armada do mesmo cristianíssimo rei, destinada a esse fim, tendo seguido o
litoral daquela terra por quase 760 léguas encontrou nos povos uma só língua,
batizou a muitos e avançando para o sul chegou até a altura do polo antártico,
a 53° e tendo encontrado grandes frios no mar voltou à pátria. Esta viagem
de 1502-3 teria sido a em que fora Américo Vespúcio, comandada por Gonçalo
Coelho (Ferreira de Almeida) ou por Fernão de Loronha (Duarte Leite). Fernandes
atesta que o coligiu mediante a narração
de dois homens da terra acima referida e abaixo assinado que durante 20 meses
lá moravam e afirmo que tudo isto é verdadeiro pelo que vi e me relataram.
Teriam sido estes dois homens dos quatro que no Brasil ficaram da armada de
Cabral (dois degredados e dois grumetes)... (A. Fontoura da Costa — Cartas
das Ilhas de Cabo Verde de Valentim Fernandes, 1506-1508, Lisboa,
1939).
As
coisas teriam passado de outra maneira. Aqui, em 1501 ou 1502, teria estado
Fernão de Loronha, que descobrira, a 23 de junho desse ano, uma ilha perto de
Santa Cruz, também explorada. Dom Manuel arrendava-lhe as terras exploradas,
associado a outros, cristãos novos e ricos, obrigados a mandar todos os anos
seis caravelas descobrir 300 léguas de costa anualmente, fazer uma fortaleza
mantida nos três anos do contrato: no primeiro ano nada pagariam, no segundo um
sexto, no terceiro um quarto; contam trazer brasil e escravos e outras coisas
de proveito que achassem (Carta de Piero Rondinelli, de Sevilha, a
3 de outubro de 1502, in: Racolta
Colombiana).
No mapa de Cantino vem no cotovelo da costa brasileira uma ilha com a inscrição Quaresma, posta por
colaborador anônimo. Seria a ilha descoberta por Fernão de Loronha em 1501 ou
1502, da qual fala um diploma de Dom Manuel, doando-lhe a ilha de Sam Joham
que ele hora novamente achou e descobryo cincoenta leguas alla mar de nossa
terra de Santa Cruz que lhe temos arrendada. Essa ilha,
chamada Quaresma no planisfério
de Cantino, por Loronha São João, por tê-la
descoberto no dia deste santo, foi também chamada
São Lourenço, e, por fim, Fernando
Noronha, por corruptela do
nome do descobridor.
De
passagem para a Índia, uma armada sob o comando de Afonso de Albuquerque,
quatro navios, Sant’Iago, São Cristóvão, Espírito Santo e Catarina Dias, toca no
Brasil, segundo depõe em carta Giovanni da Empoli, que descreve os selvagens e
a escassez de produtos da terra (Racolta Colombiana, Roma, 1893, carta
de 16 de setembro 1504: La nostra partida
de Lisbona... 6 de abril de 1503).
O
contrato com Fernão de Loronha estipulava a remessa anual de seis caravelas o
que, diz Damião de Góes, ocorreu no
primeiro ano, 1503, despachando Dom Manuel a Gonçalo Coelho com seis naus à
terra de Santa Cruz, com que partiu do porto de Lisboa aos dez dias do mês de
junho, das quais por terem pouca notícia da terra, perdeu quatro e as outras
duas trouxe ao reino com mercadorias da terra, que então não eram outras que o
pau vermelho a que chamavam brasil, bugios e papagaios (Crônica de
El-Rei D. Manuel). Vespúcio teria volvido nesta armada. Para exploração e
tráfico dividir-se-ia em dois grupos, e Vespúcio, feitor de Marchioni, diz
Duarte Leite, teria ficado ao norte, nada nos podendo informar dos
descobrimentos de Gonçalo Coelho, a que não assistiu. Vespúcio teria rumado à
baía de Todos os Santos descoberta na sua precedente viagem, teria construído
um fortim em Porto Seguro, não passara porém de Cabo Frio e, carregado, tornara
a Lisboa, crendo que seu comandante Gonçalo Coelho se perdera, vítima de sua muita soberba.
Foi
Gonçalo Coelho, para Duarte Leite, que, calendário
na mão, foi dando os nomes que Varnhagen atribuirá a Vespúcio, na viagem
anterior: perfeita concordância
cronológica e topográfica que falta a análoga de Varnhagen e liberta de outros
vícios. A saber:
Angra
de São Roque — 16 de agosto.
Santa Maria da Arrábida.
Cabo de Santo Agostinho — 28 de agosto.
Rio das Onze Mil Virgens — 21 de outubro.
Rio de São João (de Tiba) — 14 de novembro.
Ilha de Santa Bárbara — 4 de dezembro.
Rio de Santa Luzia — 13 de dezembro.
Serra de São Tomé — 21 dezembro.
Angra dos Reis — 6 de janeiro.
Rio Jordão — 13 de janeiro.
Rio de Santo Antão — 17 de janeiro.
Porto de São Sebastião — 20 de janeiro.
Porto de São Vicente — 22 de fevereiro.
Pináculo da Tentação — 25 de fevereiro.
Rio da Cananeia — 29 de fevereiro.
Santa Maria da Arrábida.
Cabo de Santo Agostinho — 28 de agosto.
Rio das Onze Mil Virgens — 21 de outubro.
Rio de São João (de Tiba) — 14 de novembro.
Ilha de Santa Bárbara — 4 de dezembro.
Rio de Santa Luzia — 13 de dezembro.
Serra de São Tomé — 21 dezembro.
Angra dos Reis — 6 de janeiro.
Rio Jordão — 13 de janeiro.
Rio de Santo Antão — 17 de janeiro.
Porto de São Sebastião — 20 de janeiro.
Porto de São Vicente — 22 de fevereiro.
Pináculo da Tentação — 25 de fevereiro.
Rio da Cananeia — 29 de fevereiro.
Varnhagen
quere — diz Duarte Leite — que o Rio de Janeiro fosse descoberto a 1 de janeiro
de 1501, mas engana-se no ano e talvez no dia, pois na hipótese era natural
escolher-se o nome de “rio de ano
bom”. Joaquim
Caetano da Silva e Varnhagen ignorando (como nós) quando Coelho regressou a
Portugal, imaginaram-no estacionado durante anos no Rio de Janeiro, onde fez
arraial: fundavam-se principalmente em que o mapa Kunstmann II, nas vizinhanças
da Guanabara, inscreve Piñachullo
detetio, onde leram Coelho
detentio. É
fantasia pura: a verdadeira lição, transtornada pelo cartógrafo italiano, é Pináculo da
tentação (assim no Mapa
anônimo de Turim, de 1523), nome imposto a um alto monte a 25 de fevereiro de
1504, pois a este dia se refere o evangelho de São Mateus à tentação de Cristo
no cume de uma elevada eminência. Dos evangelhos saíram também os nomes dos
rios de Jordão e de Cananeia, o primeiro imposto em 13 de janeiro, quando se
celebra o batismo de Cristo no rio Jordão; e o segundo em 29 de fevereiro, dia
de 1504 em que se comemorou o encontro de Cristo com a mulher de Cananeia, cuja
filha milagrosamente sarou, e o Barão do Rio Branco (Esquisse de l’histoire
du Brésil) por motivos,
paleográfico um, outro linguístico, discordam de Varnhagen neste ponto).
Deve-se dizer que o sistema de identificar os descobrimentos portugueses pela
folhinha, desde Frei Gaspar da Madre de Deus (Memórias para a história da
Capitania de São Vicente, São Paulo-Rio,
1920) é às vezes precário: por ele Gaspar Correa errou a data do descobrimento
do Brasil... Hummerich afirma, por ele ainda, que a 18 de maio de 1502 foi
descoberta, — pela armada de D. Estevão de Gama, (cinco navios atrasados da
esquadra de Vasco da Gama, na sua 2ª viagem) em trânsito para a Índia, — a Ilha
da Trindade.
A
22 de Setembro de 1502 chegara a
Lisboa o primeiro carregamento de pau-brasil, a que se deu o preço de dois
cruzados ou 400.000$ nossos, por arroba. Também peles de animais, bugios,
papagaios, algodão, pimenta da terra, começaram a ser apreciados. Talvez já
alguma especiaria. O Padre Antônio Vieira, em carta de 1675, escreveu: em tempo de
el-rei D. Manuel e logo no princípio dos descobrimentos do Brasil,
transportaram os portugueses para lá algumas plantas da Índia e entre elas a da
pimenta, as quais muito prosperaram; mas que julgando el-Rei, que esta cultura
viria a prejudicar os interesses do comércio oriental, mandara arrancar as
novas plantas, e proibira, sob graves penas, a sua cultura, que assim se
executou, escapando tão somente a este mal pensado extermínio o “gengive”, que,
por ser raiz, se meteu por debaixo da terra, e não pôde ser extinto (Cartas, 1928).
Com
os portugueses de Fernão de Noronha começaram, antes de 1504, a concorrer navegantes
Franceses; estes entraram em entendimento com os Índios, que lhes chamavam
“Mairs” para os distinguir dos Lusitanos, a quem chamavam “Peirós”. O brasil era o
interesse da terra, além das curiosidades dos mesmos índios, que não custavam a
embarcar, supondo ir, com eles, ao céu. Para estes Franceses a nova terra era
designada pelo seu produto, terre du
brésil, donde, por
menor esforço, le brésil ou le Brésil, como vieram a
chamar-lhe. Os portugueses, diz Varnhagen, chamavam “brasileiros” aos que
tiravam e se ocupavam com o brasil, como baleeiros se diz dos que
pescam baleias, negreiros dos que fazem
o tráfico dos negros: o gentílico substituir-se-ia ao epíteto profissional (o
mesmo dar-se-ia com os “mineiros”). Estaria assim, desde aí, antes de 1504,
admitido o Brasil e os Brasileiros, que depois viriam à escrita e à geral
admissão. No seu Esmeraldo, começado a
escrever em 1505, Duarte Pacheco já escrevia as gentes que habitam na terra do Brasil...
Portugal
soube logo dessas incursões francesas. Binot Paulmier de Gonneville, em 1505,
depôs perante o Almirantado de Normandia ter estado no Brasil, região que os
navegantes de Dieppe e St. Malo frequentavam. Anchieta escreveu: Na era de 1504 vieram os Franceses ao Brasil
a primeira vez ao porto da Baía e entraram em Paraguaçu (Cartas).
D’Avezac publicou documentos relativos ao navio “Espoir”, de Honfleur,
comandado por Binot Paulmier de Gonneville, que aqui esteve em 1504 (Annales
de voyages, Paris, 1869). Em 1509 foram levados a Ruão sete índios do
Brasil. Dom Manuel protestou, junto à Corte de França, contra armadores e
corsários, que escapavam à mesma jurisdição do seu país, e foi levado, ao cabo
de transigências e reclamações vãs, à vindita armada contra esses intrusos.
Em
1508 coloca-se a aventura de João Ramalho, o aventureiro de São Paulo que
veremos adiante. Dele disse Tomé de Sousa a el-Rei D. João III, que Martim
Afonso aqui o achara: Varnhagen apura que era o homem que há 60 anos aí estivera em
1568, segundo depôs em carta o Padre Baltasar Fernandes, escrita por comissão
de Anchieta: (1568 − 60 = 1508).
Em
1509 ou 1511 será a de Diogo Álvares, de Viana, o “Caramuru” dos índios,
náufrago nas costas da Baía, a quem a lenda emprestou uma espingarda, com que
assombrou os íncolas: depois a linguística interveio e o “Caramuru” foi
assimilado à moreia grande, peixe entocado nas pedras, comparado ao náufrago
encontrado entre os rochedos do Rio Vermelho. (Um neto, descobridor das minas
de Itabaiana, traduzira no próprio nome a alcunha avoenga, Belchior Dias
Moreia). D. Rodrigo de Acuña achou na Baía, em 1526, um cristão que havia 15
anos aí estava, de uma nau perdida (Navarrete, Collecion de los Viages y
descubrimientos, 1837: deve ter sido o Caramuru, diz-nos Rodolfo
Garcia; portanto 1526 − 15 = 1511. Mas, no Roteiro de
Pero Lopes (História da
Colonização Portuguesa) se
diz de hũ homem portuguez q avia xxii
(22) anos q estava nesta terra e seria o Caramuru, dissera Varnhagen.
Portanto 1531−22=1509. Portanto ainda, 1509 ou 1511). Diogo Álvares conseguiu
boas relações com os Índios, casando com a filha dum cacique, chamada Paraguaçu.
A tradição deu-lhe o nome de Catarina, mas Frei Vicente do Salvador, que ainda
a alcançou viúva, mui honrada, amiga de
fazer esmola aos pobres e outras obras de piedade, dá-lhe o nome de Luíza (História
do Brasil). Diogo Álvares e os seus habitavam onde é hoje o bairro da Graça
e seria próximo da Barra, ou arraial do Pereira (nome do donatário Francisco
Pereira Coutinho) a “Vila Velha”, substituída, em 1549, pela cidade nova, a
Baía de Tomé de Sousa, fundada no interior da baía de Todos os Santos. (Diogo
Álvares inspirou o poema de Santa Rita Durão “O Caramuru”, onde vem a lenda de
Moema, balbucio do romantismo nacional).
Publicou
Varnhagen o Llyuro da naao
bertoa que vay para a terra do brazyll... que partio deste porto de Lixª (Lisboa) a 22 de fevº (fevereiro) de 1511. Essa nau
Bretoa (houve mais de uma com tal nome em Portugal, o que presume ter sido
construída na Bretanha, terra de marítimos), foi armada por Bertolomeu
Merchioni (de Bertolomeu não se faria Bertoa?), Benedito
Moselli, Fernão de Loronha e Francisco Martins, e mandada a Cabo Frio: partiu
do Tejo a 22 de fevereiro, fundeou a 12 de maio na baía de Todos os Santos, a
26 chegou a Cabo Frio, carregou e a 28 de julho tornou para Portugal,
conduzindo cinco mil toros de brasil, vinte e dois tuins, dezesseis saguins,
dezesseis gatos, quinze papagaios, três macacos, tudo avaliado em 4$220 (ou 2.110.000$
de hoje), e 40 peças de escravos, mulheres na maioria, avaliados ao preço médio
de 4.000$ (2 contos de hoje). Crê Varnhagen que os Índios foram “resgatados”
legitimamente, isto é, trocados por facas, machados, espelhos, cascavéis e
avelórios, artigos de resgate, como se chamava e se praticava em África. Dessa
viagem fizera parte João Lopes de Carvalho, que demorara quatro anos no Rio,
havendo um filho de uma índia e tornando ao Brasil, como um dos pilotos de
Fernão de Magalhães.
Em
1512, será a viagem da caravela de Cristóvão de Haro que em requerimento de
1519 lembrava puede haber seis años poco
más ó menos, armou a embarcação em Lisboa para resgate no Brasil: Estevão
Fróes, que a comandava, foi levado do Brasil a Porto Rico, pelos ventos, onde
foi preso pelos Espanhóis e daí pediu proteção a el-Rei (As datas concordam, diz J. F. de Almeida Prado, Primeiros
Povoadores do Brasil 1500-1530, São Paulo, 1935, as da viagem de
Fróes e a dos dizeres do requerimento).
Refere-se
Damião de Góes (Crônica del-Rei Dom Manuel) a Jorge Lopes Bixorda que,
em 1513, tinha o trato do “pau-brasil” e viera falar a el-Rei trazendo três
índios frecheiros, cujas habilidades o cronista viu.
Será
de 1514 a
viagem de Dom Nuno Manuel e Cristóvão de Haro, mercador de Burgos e Antuérpia,
então ao serviço de Portugal, os quais armaram um navio, levando por piloto a
João de Lisboa, o outro da Coroa, pois dela será notícia a Gazeta Alemã, datada desse
ano, segundo o manuscrito achado por Haebler nos arquivos do Príncipe Fugger,
em Augsburgo. A Zeitung aus
Presilig Landt é um fólio
escrito da Madeira para Antuérpia, por feitor de alguma casa importante, com as
notícias da terra do Brasil. O “Nono”, do documento, foi, por Capistrano,
identificado a D. Nuno Manuel (Clemente Brandenburger, A nova gazeta da terra do
Brasil, São Paulo, 1922).
Em
1515 João Dias de Solis, dito Bofes de
Bagaço, piloto
português, criminoso e refugiado em Castela, a primeira vez pelo roubo de uma
caravela, a segunda porque matara a mulher no reino, tendo a Espanha
aproveitado os seus serviços, vai descobrir o Rio da Prata, tocando no Brasil
entre os Cabos de São Roque e Santo Agostinho, que avista, buscando Cabo Frio;
e, pelo Rio de Janeiro e Cananeia, tocando para diante, descobre o estuário do
grande rio do sul. Aí mataram-no os índios em que se fiara e os companheiros
rumaram ao norte, carregando brasil e tomando onze portugueses de uma feitoria
de Pernambuco. Ao protesto de Portugal, Castela troca esses prisioneiros por
sete espanhóis, presos na baía dos Inocentes, ao norte de Cananeia.
Varnhagen
cita, em 1516, a
solicitude de Portugal pelo Brasil, mandando, por alvará ao feitor e oficiais
de Casa da Índia, que dessem machados e
enxadas e toda a mais ferramenta às pessoas que fossem a povoar o Brasil.
Por outro alvará, ordem ao mesmo feitor e oficiais que procurassem e elegessem um homem prático e capaz de ir ao Brasil dar
princípio a um engenho de açúcar; e que lhe desse sua ajuda de custo e também
todo o cobre e ferro e mais coisas necessárias. Também o espiritual não era
descurado: a bula do Pontífice Leão X, de 1514, tornava as novas terras
sufragâneas do bispado de Funchal, na Madeira. O bispado do Funchal foi o
primeiro de que, depois da vigararia de Tomar, sede do Mestrado de Cristo a que
pertenciam as novas terras, e consideraram espiritualmente dependentes os primeiros
colonos e índios cristãos do Brasil.
Em
1516, diz ainda Varnhagen, haviam chegado tais notícias das suas navegações
(dos Franceses) no Brasil, que el-Rei Dom Manuel mandava por agentes seus
representar contra elas à Corte de França. A primeira viagem de Cristóvão
Jacques, neste ano, de reconhecimento à costa do Brasil, prende-se à
necessidade de conhecer os meios de vencer os corsários franceses, que
infestavam o litoral, e punham em perigo a própria soberania de Portugal. Nessa
viagem Cristóvão Jacques gastou os dias que vão de 21 de junho de 1516 a 9 de maio de 1519,
dois anos, dez meses e dezoito dias, fundando uma feitoria em Pernambuco,
explorando o sul de Santa Catarina ao Rio da Prata (Esteves Pereira, História
da Colonização Portugueza do Brasil). Esse Capitão virá a ser
enviado em expedição decisiva mais tarde, a dar caça aos intrusos.
O
fato mais importante de que em seguida temos notícia é a viagem de
circunavegação de Fernão de Magalhães, que tocou no Brasil, de rota para o Sul,
entrando no Rio de Janeiro a 13 de
dezembro de 1519, dia de Santa Luzia, donde o dar à baía essa invocação. Diz
Gaspar Correa: Partiu-se das Canárias de Tenerife e foi demandar o Cabo
Verde, donde atravessou a Costa do Brasil e foi entrar em um rio que se chama
Janeiro. Ia por piloto-mor um português chamado João Lopes Carvalhinho, o qual
neste rio já estivera e levou um filho que aí fizera em uma mulher da terra e
daí foram navegando até chegarem ao Cabo de Santa Maria. Pigafetta, o
escrivão do périplo, diz que João Lopes de Carvalho, “nosso piloto”, passara
quatro anos no Brasil; referiu-lhe os costumes de antropofagia dos aborígenes,
e, certamente, as palavras regionais, os 12 primeiros americanismos apontados:
rei, cacique; bom, tum; casa, boi; cama (rede), hamac; pente, chipag; foca, tarsi;
chocalho, itanimaracá; tesouras, pirame; anzol, pindá; milho, maiz;
farinha, auí. (Francisco Antônio
Pigafetta, Viagem ao redor do mundo,
ed. de Carlos Amoretti, tradução em francês do manuscrito que possui a
Ambrosiana, de Milão).
Às
reclamações de Dom Manuel, em 1516,
a Francisco I, por seu embaixador Jácome Monteiro,
sucederam as de Dom João III por João da Silveira, relativas às tomadas de naus
por Franceses, em 1521; em 26 Silveira comunicava que uma armada de dez navios se
aprestava para outra agressão. Foi então nomeado o Governador das partes do Brasil, sucessor de Pero Capico, Capitão de
uma das Capitanias do dito Brasil (prova de que havia mais de uma, diz
muito bem Varnhagen), cujo tempo terminara e que queria recolher-se ao reino.
Assim, diz Fr. Luiz de Sousa: No mesmo (ano de 26) despachou
El-Rey (D. João III) a primeira
armada que foy em seu tempo ao Brasil; Capitão-mor Cristóvão Jacques. Foy
correr aquela costa e alimpalla de cossarios, que com teyma a continuavão pollo
proveito que tinhão do pau brasil. E erão os mais dos portos de França do Mar
Oceano (Anais de El-Rei D. João Terceiro, 1844).
No
fim do ano estava Jacques na costa do Brasil, fundeado no canal que separa a
ilha de Itamaracá do continente, onde fundou uma feitoria, a de Pernambuco, bem
necessária à defesa da região, por muito frequentada pelos Franceses, que
chegaram a chamar, ao brasil, bois de
Pernambouc. Desse pau
carregou a nau, enviada ao reino e, com cinco caravelas, endireitou rumo do
sul, a percorrer a costa. Na baía de Todos os Santos, diz a tradição que, na
ilha dos Franceses, à foz do Paraguaçu, encontrou três navios bretões, que
faziam carregamentos, e com eles travou peleja, vencendo-os, e fazendo
trezentos prisioneiros, que levou à feitoria de Pernambuco. Recolhido ao reino,
além dos prisioneiros e carga, levou Cristóvão Jacques noções da terra
explorada, propondo-se a colonizador, e oferecendo-se para tornar ao Brasil com
mil colonos. Francisco I reclamaria, contra o dano sofrido, indenizações e, não
atendido, assinava carta de corso, contra Portugal, a João Angô.
As
ideias de colonização de Cristóvão Jacques tiveram o apoio de Diogo de Gouveia,
sábio teólogo, reitor do Colégio de Sainte Barbe em Paris e, depois, da
Universidade de Bordéus, que escreveu a el-Rei, em reforço desse povoamento por
capitanias. Mas a ideia não amadurecera no ânimo de D. João III.
Em
1530 parte uma expedição comandada por Martim Afonso de Sousa, para
reconhecimento do Brasil, exploração e defesa da costa, e primeiro
estabelecimento de sesmarias, a quem as pedisse. Seria evolução para as
capitanias hereditárias, que não eram novidade, já existentes na Madeira e nos
Açores. Com Martim Afonso veio seu irmão Pero Lopes de Sousa, a quem se deve a
obra memorável de um Roteiro da Costa do
Brasil. A 31 de Janeiro de 1531 estavam diante do Cabo de Santo Agostinho e já
na costa de Pernambuco; encontrando navios franceses deram-lhes caça, tomando
três, um queimado, outro enviado ao reino carregado de brasil, o terceiro incorporado
à armada, que ia a caminho do Rio da Prata. Na Bahia foram acolhidos por Diogo
Álvares, o Caramuru, e Pero Lopes achou, das baianas, que eram mui fermosas e não haviam nenhuma inveja às da rua Nova, de Lisboa
(Diário de Navegação, 1927). Depois
no Rio de Janeiro, onde se demoraram, fizeram desembarque e exploração,
terra a dentro: a gente deste rio é como a
da Baía de Todos os Santos, senão quanto é mais gentil gente, diz ainda Pero
Lopes. Do Rio foram a Cananeia; em terra encontraram um bacharel português, que
havia trinta anos que estava degredado
e por aí vivia. Tocando para o Sul, foram vítimas de pampeiro e tempestade, à
foz do Chui, destacando Martim Afonso a Pero Lopes e outros destemidos para
explorarem o Rio da Prata, subindo o Paraná e Uruguai.
Martim
Afonso tornara do sul a São Vicente, onde fundou a colônia, que tão famosa veio
a ser, núcleo de povoação dessas partes e ponto de penetração do litoral ao
sertão. Aí encontraram o português João Ramalho, o Caramuru de São Paulo, há
longos anos domiciliado na terra, aliado com o gentio e genro do cacique
Tibiriçá. Na colônia interior de Piratininga, João Ramalho assumiria mando e
governo. As colônias prosperaram, as sementes trazidas do Reino vingaram, a
cana de açúcar foi plantada e daria para o primeiro engenho. Pero Lopes que,
tornado, assistira e colaborara na fundação das duas vilas, relata a
civilização pegava de galho nestas regiões do sul do Brasil: repartiu (o
Capitão-mor) a gente nestas
duas vilas e fez nelas oficiaes; e poz tudo em boa ordem de justiça; do que a
gente toda tomou muito consolaçom com verem povoar vilas e ter leis e
sacrificios, e celebrar matrimonios e viverem em comunicaçam das artes; a ser
cada um senhor do seu; e vestir as injurias particulares;
e ter todos outros bens de vida segura e conservavel.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...