Abolição dos escravos
A
escravidão não fora inventada para o Brasil. Os negros de África foram a
mão-de-obra na América, por três séculos. Só o Brasil recebeu 3.300.000 desses
Africanos (Simonsen). Mas o Brasil foi o último país do mundo a ter escravos,
quando, por toda parte, já existia o trabalho livre. Precursores da abolição
foram Manuel Ribeiro da Rocha, advogado na Bahia, em 1758; o jornalista de São
Paulo, Veloso de Oliveira, em 1810. No projeto de Constituição, em 1823,
cuidara do assunto José Bonifácio. Ferreira França, em 38, dá cinquenta anos
para a extinção gradual: coincidiriam, com a data imposta pela imprevisão.
César Burlamaque em 39, Caetano Alberto Soares em 45, Perdigão Malheiro em 63,
o Visconde de Jequitinhonha e Silveira da Mota no Parlamento, foram
precursores. Tavares Bastos, desde 63, principalmente Castro Alves, desde 65,
agitam a opinião e os versos deste preparam a geração libertadora, da res sacra, res
integra, diz Joaquim
Nabuco, que era a escravidão no seu tempo, e que ele faz o crime odioso do
Brasil. O “Brasil é o negro”, dizia, ainda muito depois, Silveira Martins.
A
Inglaterra, desde o começo do século, empreendera a luta contra o tráfico de
africanos. Navios faziam a polícia dos mares e apreendiam os barcos negreiros:
no Congresso de Viena obtivemos a satisfação de 300.000 libras , indenização
dos prejuízos sofridos por nós, com o infame negócio. Nesses cruzeiros, até às
nossas águas territoriais, vinham as patrulhas britânicas. A opinião comoveu-se
e, por Paulino de Sousa e Eusébio de Queiroz, o Parlamento votou a lei de 50,
abolindo o tráfico, só em 54 realizado, dadas as sanções.
Estava
estancada uma das fontes: havia, agora, os nascidos escravos. Dom Pedro II
recebe da Junta Francesa de Emancipação um apelo pela liberdade e faz responder
que a abolição da escravidão é questão apenas de tempo. Pimenta Bueno, depois
Marquês de São Vicente, apresenta projetos sobre o elemento
servil:
era o nome usado então (66). Em 70, o deputado Teixeira Júnior provoca o debate
e toma parte, com os abolicionistas João Alfredo e Pereira Franco, no
Ministério Pimenta Bueno, ao qual sucede o do Visconde do Rio Branco, José
Maria da Silva Paranhos, que faz votar a lei do ventre livre (71),
sancionada pela Princesa-Regente D. Isabel, condessa d’Eu. Em 1885, a libertação proposta
dos escravos velhos, de Rodolfo Dantas, termina na lei Saraiva, da liberdade
dos sexagenários, que é sancionada no Governo Cotegipe. Agitação abolicionista
desencadeou-se no Parlamento, na Imprensa, nos comícios: Jaguaribe, Nabuco,
Ferreira de Menezes, Gusmão Lobo, José do Patrocínio, Ferreira de Araújo, Rui
Barbosa... são nomes a citar entre tantíssimos. Duas províncias, Amazonas e Ceará,
não têm mais escravos, vendidos quase todos os do norte para a “mata do café”,
ao sul. A agitação das ruas levou o Governo Imperial, no trono a Princesa
Regente, a confiar o poder a João Alfredo Correia de Oliveira, que fez
apresentar o projeto de abolição incondicional, sancionado a 13 de maio de 88.
Moralmente,
foi um sucesso: éramos o último povo da terra a ter, oficialmente, a escravidão
(continua, sob o eufemismo de “trabalhos forçados”, de que se ocupa a Sociedade
das Nações, nas colônias asiáticas e americanas, de puritanos países da
Europa...) Materialmente, uma desgraça: não tínhamos senão em parte de São Paulo
o trabalho livre, ocorreu no começo da safra de café, por isso perdida,
arruinada a lavoura da província do Rio, a mais importante no momento, com esse
roubo, propriedade garantida pelo Estado, espoliada sem indenização e sem
sequer assistir aos negros forros, que, abandonados, incapazes de ganharem a
vida, invadiram as cidades e as capitais. Foi, menos pelos escravos, do que
contra os senhores, a abolição. Depois de decretada, a grande preocupação, após
as festas, foi a queima dos livros, para impedir a indenização. Arruinaram-se
os lavradores e, sem trabalho livre organizado, a lavoura. Os conservadores
espoliados uniram-se aos liberais na decepção e facilitaram aos republicanos.
Custou o trono à Princesa Redentora, que pagou por todos. O Brasil pagou mais.
A
monarquia deixava-nos um país de 14 milhões de habitantes, 195 mil contos de
receita pública, o que era pouco, mas respeitado na América do Sul, com bom
nome na Europa, tradição e crédito: cada brasileiro devia então 13$500;
crescemos em população e orçamento; infelizmente perdemos a hegemonia no
continente sul-americano e o crédito, por sucessivas suspensões de pagamento,
não é grande, nem na América, nem na Europa. Com os empréstimos externos
esbanjados e a emissão de apólices e papel moeda para cobrir os déficits, chegamos, 50
anos depois, a dever, cada brasileiro, 900.000$. E não paramos. Do Império se
disse que era o “déficit”: a República não mudou... É triste dizê-lo, mas
história não é apologia e o patriotismo não exclui as verdades amargas, que
podem ser tônicas.
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