"Uma hora mais tarde, ela nem ousava passar diante das pessoas,
certa de que iriam rir e murmurar. E era sinceramente que odiava agora Julien
por não compreender isso, por não ter desses pudores, por não saber respeitar
essas delicadezas instintivas. Sentia que entre ela e ele um véu se interpunha,
formando um obstáculo, e percebeu pela
primeira vez que duas pessoas jamais se penetram até a alma, até o fundo dos
pensamentos; podem caminhar lado a lado, às vezes de mãos dadas, mas nunca se
identificam plenamente; o fundo moral de cada um fica eternamente inatingível,
por toda a vida."
GUY DE MAUPASSANT:
"UMA VIDA"
***
Os vínculos humanos serão sempre
limitados, de modo que ninguém se revela completamente ao outro. O elo que une duas pessoas fica assim condicionado
ao "momento extremo", em que
fatalmente prevalecerá o imperativo do ego. É o instante em que a confiança absoluta
devotada a alguém se transforma em decepção absoluta. Ter consciência de que as
pessoas podem "trocar de pele" conforme suas conveniências, talvez
seja a única maneira de se precaver contra as desilusões advindas das relações
humanas. Não se trata propriamente de esperar
sempre o pior das pessoas, mas de se manter resguardado para quando as máscaras
porventura vierem a cair. É por isso que
a falsidade nunca me causa espanto. No
mais fundo do âmago humano haverá sempre uma face desconhecida, um mistério que às vezes pode aparecer para surpreender ou para decepcionar. A consciência dessa realidade torna os
relacionamentos, se não mais seguros, pelo menos mais sinceros. Não temos, pois, nenhum controle sobre a
consciência do outro. Ainda que se imponha a força, o "fundo moral"
dela permanecerá sempre inatingível. É isso que nos tornam diferentes do avestruz...
É isso!
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