Antigo livro de matrículas do Externato
do Imperial Colégio de Pedro Segundo registra a matrícula do aluno Luís Pereira
Guimarães Júnior.
Livro da mesma espécie assinala em 1863
a matrícula do primeiranista Luís Pereira Guimarães Júnior nas aulas maiores,
ou de ensino superior, na Faculdade de Direito de São Paulo. A matrícula,
subscrita pelo lente e secretário da Faculdade, o doutor coimbrão José Maria de
Avelar Brotero, designou o matriculado como "natural do Rio de Janeiro e
filho de outro", a saber filho de pessoa da qual o estudante reproduzia o
nome com o acréscimo latino e distintivo de Júnior.
Passado à Faculdade do Recife em 1865, no
ano Seguinte Luís Guimarães teria para colega de terceiro ano jurídico um
poeta, Antônio de Castro Alves. Não terminaria este o quinquênio regulamentar
de curso, concluído em 1869 por Luís Guimarães em turma na qual com mais relevo
figuravam Tobias Barreto e Araripe Júnior.
Luís Guimarães saindo formado do Recife
a este deixava um livro de poesias, Corimbos. Livro de primeira
circulação na capital pernambucana onde o autor vivera vários anos e onde
compusera a maior parte da obra.
Acadêmico em São Paulo, Luís Guimarães
começara a poetar e escrever. No Segundo Reinado os Cursos Jurídicos de São
Paulo, Olinda e Recife constituíram centros de iniciação literária, escolas
preparatórias de palavra e pena para brilhantes cometimentos futuros de
oratória e de letras dos que saindo dos Cursos Jurídicos entravam na vida
pública meio adestrados para as suas lutas às vezes aspérrimas.
Luís Guimarães acabou elegendo carreira
mais de discrição que ruído, a diplomacia, no Império a carreira mais
facilitada aos portadores de um diploma de doutor ou bacharel em Direito.
Adido de legação, de primeira ou
segunda classe, tal o primeiro cargo da nossa diplomacia de então. Servia de
aprendizagem da arte de bem representar um país ante outros países,
observando-os e se mister os iludindo antes que iludissem.
Luís Guimarães estreou adido de legação
na América, de costume mandar os diplomatas principiantes a serviço no
continente de onde naturais. Antes do Velho o Novo Mundo de mapas e nações tão
diferentes.
O adido Luís Guimarães seguiu em 1872
para o Chile, aí dirigida legação nossa pelo barão Aguiar de Andrada, ministro
residente e bom mestre em matéria de relações internacionais e segredos de
chancelaria.
Secretário de legação, em 1873, em
Londres na era vitoriana, no mesmo cargo na legação junto à Santa Sé nos
pontificados de Pio IX e Leão XIII, ainda secretário de legação e depois
encarregado de negócios em Portugal reinantes D. Luís e D. Carlos, proclamada a
República no Brasil viu-se Luís Guimarães ministro plenipotenciário em 1892
mandado à Venezuela.
Tornava-se chefe quem no curso de
carreira tivera por guias Aguiar de Andrada, Penedo, Araguaia, Lopes Gama,
Carvalho Borges, com a circunstância de haver servido Luís Guimarães Aguiar em
Lisboa, de 1884 a 1888, com o barão Aguiar de Andrada seu chefe em 1872 no
Chile, quando Luís Guimarães adido de legação.
Em Lisboa, em maio de 1898, falecia
Luís Guimarães, nascido carioca a 17 de fevereiro de 1847.
Dito algo da vida e da carreira de Luís
Guimarães diplomata, volta-se exclusiva atenção para o homem de letras, nestas
principalmente poeta.
Em o nosso período romântico do século
passado a publicação do primeiro livro de versos de Luís Guimarães, Corimbos,
ficou entre a edição das Coroas Flutuantes, do poeta português, e a
das Espumas Flutuantes de Castro Alves.
A estampa dos Corimbos muito
deveu à animação de amigo de Luís Guimarães. Foi a do seu condiscípulo de
Faculdade no Recife e vindouro colega na diplomacia, Henrique Mamede Lins de
Almeida. Louve-se o dedicado pela escassez das dedicações.
Corimbos é bem livro de autor moço, de hinos ao Amor,
obra de poeta em plena adoração da Vida, fiado sem reservas nas suas promessas,
a principal o amor na cumplicidade das seduções femininas tão variadas, tão de
surpresas doces ou amargas.
Desde os Corimbos os versos
do jovem Luís Guimarães cantam o Mar, e quanto com ele se relaciona. Há
nos Corimbos, bem destacada na alvura de página inteira, esta
quadra:
Versos escritos na areia
Deus fez o amor, mas temendo
Rival tão belo e tão forte
Deu-lhe as lágrimas por guias
E por companheira a morte.
Deus fez o amor, mas temendo
Rival tão belo e tão forte
Deu-lhe as lágrimas por guias
E por companheira a morte.
O poeta datou a quadra:
— Bota-fogo 186...
Reticências substituíram último
algarismo. Só o poeta diria porquê.
Bota-fogo escreveu Luís Guimarães, tal
grafia usada outrora por alguns. E bom foi passar a quadra a livro, apagadiço o
lugar onde escritos os pequenos versos.
Duradouras ao invés são lembranças da
vida do poeta nos versos do Em Noite de Luar a Bordo dos Corimbos.
Referem-se de certo a um desses idílios de apenas o tempo das travessias. Em
geral passatempos para não perder o hábito de amar, na troca de juras eternas
para imediato olvido no primeiro porto onde os viajantes desembarcam.
Ninguém nos viu, ninguém nos
escutava,
Deserto era o convés.
Deserto era o convés.
O que o poeta recordou a Maria quantos
terão dito, dizem e dirão a outras de diversos nomes!
Lembro-me sempre — sempre me
recordo
Daquela noite de luar a bordo
Daquela noite de luar a bordo
repetiu ainda o poeta para saudade da
passageira que o encantou ao luar.
Foge o tempo, sempre irreparável,
transformando porém o poeta promissor dos Corimbos no
cinzelador de Sonetos e Rimas, no livro novo A Bordo.
No navio tudo dorme, a hélice rumoreja,
o homem do leme em vigília, o barco enorme à guia dos faróis. Dessa noite de
travessia disse o poeta:
Eu subo ao tombadilho. À noite
pura
Entrego a fronte... Às nuvens luminosas
Conto as minhas saudades dolorosas.
Entrego a fronte... Às nuvens luminosas
Conto as minhas saudades dolorosas.
Luís Guimarães não viajava apenas para
contar as milhas que o iam aproximando do porto de destino. Mesmo as cenas de
mar alto o interessavam.
Indo à diplomata no Chile, os
albatrozes, donos do espaço nas solidões marinhas, inspiram-lhe belo soneto,
verdadeiro quadro oceânico e datado — Mar Pacífico, 1872.
De outra vez, ao passar por Pernambuco,
o poeta n'alma revivendo o antigo estudante, inspira-se em saudades na sombra
noturna, ao bramir do Lamarão, de vagas em cachões balançando a âncora do vapor
quase a soltá-la, enquanto
Todos contemplam do Recife as luzes.
Que faz Luís Guimarães? Explica:
Era na escura Olinda, a penitente
Das negras catedrais, das negras cruzes
Que eu punha os olhos meus saudosamente.
Das negras catedrais, das negras cruzes
Que eu punha os olhos meus saudosamente.
E, para contraste, o poeta, viajando
ainda, no entre sós de mar e céu, enlevou-se a contemplar argenteando a toalha
das águas:
A grande, a calma, a solitária Lua!
Capitais ou não, também as cidades
mereceram versos de Luís Guimarães": Paris, "Princesa da Gália,
Empório do Universo"; Londres, "a milionária Londres indigente";
Roma, "a colossal Senhora dos monarcas da terra"; Veneza, "a patrícia
voluptuosa"; Sorrento, pintada em soneto-aquarela.
Nem se furta o poeta ao sortilégio da
natureza da sua terra. Em Sorrento a brisa, tênue, em mole eflúvio:
Cerzia as ondas da dormente enseada; em Paisagem, datada de Petrópolis,
“suspirava o rio tépido plangente".
E pelo rio as vozes afinando
As lavadeiras cantam tristemente.
As lavadeiras cantam tristemente.
Tristeza, essa bem a exprime Luís
Guimarães no Fora da Barra, datado de 1873, ao deixar o Rio de
Janeiro seguindo para Londres, quando
Na fugitiva luz do sol poente
Vai se apagando — ao longe — tristemente
Do Corcovado a majestosa serra.
Vai se apagando — ao longe — tristemente
Do Corcovado a majestosa serra.
Na Itália, em 1876, sente Luís
Guimarães a nostalgia do Brasil. No tão celebrado ager do em
torno de Roma, evoca o solo pátrio em íntimo gemido assim expresso:
É que nestas planícies nuas erra
O fantasma solene e enegrecido
Das montanhas azuis da minha terra.
O fantasma solene e enegrecido
Das montanhas azuis da minha terra.
Nos Sonetos e Rimas, com
forma apurada, Luís Guimarães continuou a não se esquecer do Amor, a
prestar-lhe o culto rendido nos Corimbos. Nos Sonetos e
Rimas oferece o poeta bastantes versos à amorável esposa sorrindo com
ela a horas felizes, com ela de dores sobretudo pela perda de filhos mal de
berço.
De sentimentos de família Luís
Guimarães deixou provas nos Sonetos e Rimas, sobretudo na Visita
à Casa Paterna, soneto que a imprensa e as antologias têm posto em contínua
circulação como o têm feito declamadores, de toda voz e gesto.
Luís Guimarães foi Homem do século XIX
e de um Brasil conhecedor da escravidão negra, ela também nos Estados Unidos
onde ainda se aviva no preconceito da cor. Não admira que os escravos
inspirassem versos ao poeta dos Sonetos e Rimas, sem os
arrebatamentos condoreiros de Castro Alves, nem o entre nostalgia e saudade dos
versos de Gonçalves Crespo ao reviver infância no Brasil onde bem de perto vira
o cativeiro no seu aspecto rural.
Composto de três partes é Sonetos
e Rimas. A segunda parte forma galeria, a dos Poetas Mortos, um
a um glorificados, em treze poesias. Trazem por epígrafe verso ou versos de
cada poeta evocado; verso ou versos de fecho a cada poesia de Os Poetas
Mortos, no grupo José de Alencar pelas páginas de "Iracema".
Tornando a vivos, seja dito que no todo
da beleza de Eva os poetas bastante se preocupavam sempre com o pé feminil,
real ou supostamente de mimo. Nos Sonetos e Rimas quatorze
versos de A Borralheira não deixam mal a asserção. A clássica
coscuvilhice humana logo personalizou a homenagem de A Borralheira,
dizendo-a prestada pelo poeta a formosa dama a cujos pés valia a pena deixar
preito.
Nos Sonetos e Rimas há
um soneto — As Duas Forças — no qual Luís Guimarães figurou
duas águias solenes, majestosas, pairantes no infinito. Uma foi de voo a
Júpiter pedindo-lhe a guerra, a tempestade; a outra águia subiu a Deus
rogando-lhe a paz e a liberdade. Abaixadas da imensidade a águia que fora a
Deus pousou em França, a que fora a Júpiter em Berlim.
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ESCRAGNOLLE DÓRIA
Revista da Semana, 13 de maio de 1944.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
ESCRAGNOLLE DÓRIA
Revista da Semana, 13 de maio de 1944.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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