Os começos de Monteiro Lobato
É
muito interessante conhecer as primeiras coisas que um escritor produziu, e
ainda mais a "primeira". E tivemos a sorte de descobrir a primeira
coisa escrita por Monteiro Lobato e publicada no jornalzinho "O Guarani",
dos meninos do Colégio Paulista, na cidade de Taubaté, onde nasceu o nosso
escritor. Vamos reproduzir ipsis litteris
essa "primeira coisa" — e já de entrada veremos que vem assinada com pseudônimo,
uma mania de Monteiro Lobato antes de aparecer "já feito" pelas
colunas do "Estado de São Paulo", muitos anos depois. O pseudônimo
usado por Monteiro Lobato em seu primeiro artiguinho impresso em jornal foi a
palavra "Josbem", de José Bento. Eis o artiguete de "O Guarani":
"RABISCANDO...
Como
sofria de insônia, escrevi a um conhecido médico perguntando qual o melhor
narcótico que ele conhecia, ao que me respondeu: "Caro Josbem: Há trinta
anos que sou médico e sempre tenho empregado como narcótico o ópio, a codeína e
outras. Mas há poucos meses, lendo a Enciclopédia
do Riso e da Galhofa, encontrei lá a seguinte anedota: EMENDA PIOR QUE O SONETO
— Um escritor escreveu no primeiro capítulo dum seu livro — outras coisas; na impressão saiu "oltras
coisas"; e o editor pôs na Errata "ostras coisas". Isto é o que
se chama emenda pior que o soneto". Ao acabar de ler essa "anedota",
um irresistível sono apoderou-se de mim, e quando acordei vi que estava ali um
narcótico, mais poderoso que quantos conhece a medicina. Tenho-o empregado com
admiráveis resultados em quem sofre de insônia, e é de fácil aplicação, porque
basta ler duas ou três vezes. Vou mandar felicitar o Sr. Pafúncio Semicupiu
Pechincha, autor de tão maravilhosa descoberta. (Assinado) Dr. Mebsoj". —
Nunca empreguei esse narcótico como manda a fórmula desse médico, porque desde esse
dia basta lembrar-me das anedotas do tal Pafúncio para que a insônia fuja
espavorida". — JOSBEM.
Parece
que essa "Enciclopédia do Riso e da Galhofa", da autoria de Pafúncio
Semicupio Pechincha, foi um dos primeiros livros que Monteiro. Lobato leu, — e
muito se impressionou, porque não só fez dele o objeto de sua estreia na
imprensa colegial, como várias vezes o citou mais tarde, em contos e artigos.
No conto "O Engraçado Arrependido", dos "Urupês", há este
trecho, a propósito do Sousa Pontes, o tal engraçado: "Sabia de cor a "Enciclopédia
do Riso e da Galhofa", de Fuão Pechincha, a criatura mais dissaborida que
Deus plantou no mundo..." Devia ser terrivelmente dissaborida a tal enciclopédia,
edição do velho Garnier, por que Lobato leu-a em menino e dela nunca mais se
esqueceu.
Essa
"estreia" de Monteiro Lobato na "imprensa" ocorreu em 1896.
Tinha ele pois 14 anos — e já prenunciava o escritor de mais tarde. Estilo
correntio, conciso e já a contar coisas. Monteiro Lobato nunca fez estilo por
estilo, nunca escreveu sonoridades que nada dizem. Sempre procurou contar alguma coisa, ou arrasar com
alguma coisa. A sua fúria arrasadora começou muito cedo. Aos 14 anos já arrasava
o tal Semicupio Pechincha, que talvez sobreviva apenas através do que Monteiro
Lobato disse dele no "Engraçado Arrependido",
A.N.
Revista "Fundamentos", outubro
de 1946.
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba
Mendes (2016)
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