9/02/2019

O velho Coelho Neto (Resenha)



O velho Coelho Neto

Ainda há pouco, um dos nossos escritores recordava, melancolicamente, o dia da coroação de Coelho Neto como príncipe dos nossos prosadores. Naquele tempo o prosador maranhense era o ídolo do público. Em sua frase caprichada e áspera, todos viam uma das mais perfeitas expressões do estilo em língua portuguesa, e se falava em Eça de Queirós como um ritmo superável. Depois, o público deixou de lado a frase bem feita e os períodos bem construídos e passou a se preocupar com as ideias, com os grandes problemas da vida. Coelho Neto, que fizera chegar até nós o tempo do romantismo, foi ficando esquecido, e, em vida mesmo, ele assistiu ao doloroso fim de sua fama. Mas esse esquecimento é, certamente, injusto.

Na língua arrevesada e diferente de Henrique Maximiliano Coelho Neto não há, como se pensa, apenas o vazio da forma. Há a ternura e a emotividade, em suas manifestações mais palpitantes. Num concurso de contos instituído por certa revista carioca, observamos, não sem alguma tristeza, que o nome de Coelho Neto não foi lembrado, e que apenas, ao que nos parece, um escritor votou em “Os velhos” como uma das grandes páginas da literatura brasileira. Ora, Coelho Neto, se não teve a técnica de Machado de Assis, teve, em compensação, maior poder de sentir a melancolia humana, as superstições, as crendices, os espantos que povoam, no Brasil, o espírito do homem. Seus contos e novelas de fundo regionalista são páginas insuperáveis, basta recordar aquele pequeno conto que está em “Treva” onde o prosador admirável fixou o medo do caboclo diante da fuga dos pombos, quando tinha em casa o filho doente.

“Os pombos”, que ainda não figura em nenhuma antologia, é certamente o maior conto de Coelho Neto e poucas páginas, em nossa literatura, se podem comparar a essa, que o mestre escreveu de um só jato, num impulso único, e nos deu, mesmo assim, sem tortura estilista, uma autêntica obra-prima.

O nome de Coelho Neto não merece a onda de esquecimento em que o envolveram. A circunstância de ter pertencido à Academia Brasileira e se ter proclamado o último heleno não quer dizer que ele fosse um empalhado ou um fóssil. Ao dizer-se “heleno” praticou uma atitude, e todos nós sabemos, em certos casos, o que valem as atitudes. Quanto a ter pertencido à Academia, Machado de Assis também figurou entre os quarenta, e anda, não obstante, perfeitamente desculpado desse passo em falso...


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Revista Careta, 20 de maio de 1939.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)

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