Há
cinquenta anos que se publicou o Estado Judeu ("Der Judenstaat") de
Theodor Herzl. Meio século!
Meio
século cheio de acontecimentos como em nenhum outro igual período da História
Humana. Esses acontecimentos se processaram vertiginosamente e daí a sua extraordinária
originalidade. Transformações sempre houve, mas não em ritmo tão acelerado. E
de tal forma se concretizaram essas transformações que de lá para cá o panorama
do mundo se modificou, diria antes se transfigurou por completo: — impérios
formidáveis se desmoronaram; organizações sociais multisseculares, e que pareciam
inabaláveis, ruíram ou se transformaram como por encanto. Vemos Repúblicas com
o nome de democracias criando o caráter absolutista e autocrático com o nome de
totalitarismo; monarquias aristocráticas ora pregando esse mesmo totalitarismo,
ora defendendo a democracia; e chegamos a um momento em que o mundo se nos
mostra em tal confusão que podemos aplicar-lhe a apóstrofe percuciente do nosso
grande Profeta: "..."toda cabeça está enferma e todo coração
desvairado" ( Isaías, 1:5).
A
China republicanizou-se; o império dos Czares desapareceu como regime despótico
e hoje é um conjunto de repúblicas; a Turquia deixou de ser uma potência europeia
se bem que adotasse o uso do chapéu; o Japão que vivia a sua idade média ainda
no século XIX surgiu de uma sangrenta revolução e se emparelhou, até há bem
pouco, com as modernas nações mais poderosamente temíveis; a Áustria ficou
anulada; e mil republiquetas surgiram no cenário do mundo.
De
todo esse caos se procura a causa. Uns responsabilizam a falta de
espiritualidade dos povos ou seja também a falta de religião; outros, a
deslealdade dos maus governos; estes pensam que as ideologias derivadas da
Economia Política causaram o mal, e aqueles afirmam que a ciência positiva
materializou demais os homens. É certo que a primeira e a segunda grandes
guerras revelaram aos homens o poder esmagador da Física e da Química modernas;
e ao mesmo tempo estes mesmos progressos tornaram o mundo menor para a ambição
expansionista dos homens.
Na
melhor das hipóteses, entretanto, estamos apenas diante de uma grande transformação
social.
As
sociedades chamadas conservadoras se retraem diante dessa transformação a que
assistimos, e de que não se pode ao certo afirmar ou negar que se encaminhe
para a paz ou para desastres maiores dos que acabamos de ver nestes últimos
anos.
Em
1896 só os homens de gênio poderiam pressentir os grandes acontecimentos que se
avizinhavam. Herzl foi um desses raros gênios previsores. O Estado Judeu é um grito
de alerta no meio da apatia dos que iam ser vítimas de grandes desgraças. Os
Judeus direta ou indiretamente acompanharam esses acontecimentos, e foram dolorosamente
apanhados na sua trama de calamidades por não haverem ouvido a voz do seu novo
profeta .
Depois
da Revolução Francesa como que começam a sacudir o torpor de um longo passado.
E com outras gentes ocorreu algo parecido .
Efetivamente,
o século dezenove é o século por excelência do despertar das nacionalidades. Os
Judeus despertam também. Mas com os membros dispersos e sem o apoio material do
território dificilmente poderiam realizar a sua justa aspiração. A atenção do
Povo de Israel continuava voltada para os seus estudos multisseculares e
desenvolveria cada vez mais a sua requintada mentalidade intelectual.
Tornava-se necessário que alguém consubstanciasse o seu grande ideal. Esse
alguém apareceu na figura extraordinária e genialmente inconfundível de Theodor
Herzl .
Associado
a ele desde os primeiros dias do Sionismo político, Max Nordau colaborou
eficazmente e estes dois homens representam na história do seu povo a expressão
lídima do moderno profetismo de Israel; tão notáveis que nestes últimos cinquenta
anos não temos feito mais do que por esta ou aquela forma repetir e glosar o
que estes Grandes Homens nos disseram; como os Nossos Pais, e nós ainda, não
fazemos mais do que repetir as palavras dos profetas Bíblicos. Se os comparamos
aos Profetas é porque nestes cinquenta anos as suas palavras se realizaram
impressionantemente. Mesmo as grandes desgraças ocorridas foram por eles
pressentidas e profetizadas. Quando os judeus alemães e a maioria dos seus
rabinos procuravam desmoralizar a obra de Herzl, Max Nordau fez, entre outras,
uma conferência em Berlim a 23 de janeiro de 1899 exclamando em dado momento:
"Dia chegará em que o Sionismo vos será tão necessário a vós outros,
alemães orgulhosos, como a esses miseráveis Ostjuden que temeis e aborreceis!
Dia virá em que também vós tereis de implorar a nossa ajuda, e em que
suplicareis que se vos dê asilo nesse país que menosprezais! Temei o porvir!"
Digam o que quiserem os doutores judeu-germânicos, mas o que é certo é que a
previsão profética do moderno Isaías se realizou exata e dolorosamente, e com
ela a angústia universal de Israel. Quanto ao gênio previsor de Theodor Herzl
basta que folheemos com interesse o Estado
Judeu para encontrarmos nas entrelinhas e como que falando acidentalmente
verdadeiras profecias de uma significação bem atual: "Não darão crédito às
minhas palavras até que tenham sido novamente objeto de perseguições."
Será preciso comentar?
O
antissemitismo nazista revelou ao mundo, e a nós em particular, que a
civilização atual não é bem o que imaginávamos quando moços: Liberdade,
Igualdade, Fraternidade — o belíssimo lema da Revolução Francesa. Século e meio
depois, esse ideal se nos apresenta como expressão vaga, irrealizada e parece
que por ora irrealizável. O grande Herzl o diz singelamente e por outras palavras:
"No estado atual do mundo, e sem dúvida ainda por muito tempo, a força se
sobrepõe ao direito". Daí a necessidade que havia de orientar o Povo de
Israel na direção dos seus verdadeiros destinos e O Estado Judeu foi o despertador dos letargiados, o verdadeiro
Mekis Nirdamim.
Neste
trabalho Herzl se revela estadista de gênio, conhecedor profundo de Economia
Política, jurista e legislador ao mesmo tempo, e enfim sociólogo por
excelência. Foi essa obra que desencadeou o sionismo político, o que tornou
compreensível a possibilidade da restauração da Nação Judia, levando este Povo
a realizações práticas que são tão ponderáveis que as nações atuais, interessadas
na construção de uma paz duradoura, enfrentam o problema da Palestina judia
como um dos principais fatores dessa paz.
Herzl
era um gênio e os gênios fazem obra criadora. Para nós Judeus, Deus criou o
mundo ex-nihilo. O gênio de Herzl
criou também ex-nihilo o Estado
Judeu, pois sua obra foi eficientemente criadora . Foi um verdadeiro milagre .
Foi uma ressurreição. Quaisquer, pois, que sejam os acontecimentos da política
internacional, este livro representará na história do mundo um fator decisivo
para a salvação de uma coletividade humana, entre as coletividades humanas.
Ficará perenemente sobrenadando, quaisquer que sejam as consequências ou
modificações futuras do mundo político — Fluctuat
nec mergitur. Pouco importa que o plano não se tenha realizado tal qual se
encontra nesta obra: o que é fato é que por este ou aquele processo o ideal
judeu surge vívido dentro do Direito das Gentes. E foi baseado nesse direito
que é o mais sagrado de todos, pois é o direito de viver como povo, que Herzl
se dedicou à salvação dos remanescentes do judaísmo. E nesse caráter é que
escreveu o seu livro. O efeito moral desta obra foi admirável . O Estado Judeu é, pois, a Bíblia do
Moderno povo de Israel.
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DAVID JOSÉ PEREZ
DAVID JOSÉ PEREZ
Revista "Ilustração Brasileira,
junho de 1955.
Pesquisa
e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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