Muito já se escreveu sobre Lobato como escritor,
tradutor, pioneiro, homem de ação. Entretanto, nada até agora se escreveu sobre
Lobato como homem de propaganda que ele também foi. Sim, porque além de um
propagador de ideias no sentido geral, a serviço dos homens, no campo da
cultura e na defesa da terra, Lobato também foi um publicitário especificamente
comercial. Foi um técnico em anúncios, profissão atualmente muito bem paga.
Ao que me lembra, seu primeiro grande trabalho como
publicitário foi quando adaptou o Jeca
Tatuzinho à propaganda de dois preparados farmacêuticos: Biotônico e a Anquilostomina Fontoura.
Como todos devem estar lembrados, Lobato apareceu
como homem de letras com suas famosas verrinas contra o caboclo, ao tempo do seu
"Velha Praga". E é lógico que eu discorde dos seus ataques ao matuto,
ataques que faziam deste indolente por natureza. E a prova de que tenho razão,
reside no fato do próprio Lobato ter criado o Jeca Tatuzinho, em cujo texto reconhece como uma das causas do "plantando
dá", a doença, somada com a falta de alimento, e o abandono dos pais da
pátria. Foi portanto como publicitário comercial que Lobato entrou para o bom
caminho. Rota segura e esclarecida que o levou até o fim, culminando com o
aparecimento do Zé Brasil, um
panfleto que entrará na história da literatura brasileira como convidado de
honra.
Vimos assim que, já de começo, foi como publicitário
que Lobato conseguiu provar sua grandeza. E, sem dúvida, uma grandeza
proveitosa para os fabricantes daqueles produtos que — consultadas as
estatísticas teremos a verdade — deveram sua penetração no mercado a esse
veículo inteligentemente elaborado.
Como folheto de propaganda o Jeca Tatuzinho está só.
Não só por ter sido o primeiro e único, mas também pela tiragem, algo espantoso
no gênero: até agora 16 milhões de exemplares. E não devemos nos esquecer de que
Lobato abordou o tema pelo lado negativo, o processo mais difícil da divulgação
do anúncio. A explicação do sucesso está na sequência recuperadora e na personalização
indireta do assunto. O lado aventureiro do tema também muito contribuiu, já que
todos nós temos um pouquinho de Crusoé no sangue. Com o J. T., Lobato entrava
no campo da publicidade como redator, ou "copywriter", vocábulo
corriqueiro nos meios propagandísticos. Um dos primeiros, e o mais famoso. Mas,
sua função de homem de propaganda não parou aí, pois Lobato, ao que sei,
redigiu e revisou muito texto de toda a linha Fontoura durante vários anos.
Essa informação eu colhi na Standard, empresa que em certa época distribuiu a
propaganda da Fontoura. É a integração corpo e alma de Lobato a mais esse meio
de vida. Integração que se estendeu a muitas de suas atividades. Na editora que
levava seu nome e na que transformou em sociedade, Lobato sempre tirou uma
casquinha contribuindo com suas ideias publicitárias. A "Revista do Brasil",
fundada por ele, não deixou igualmente de ser um veículo de propaganda. A União
Jornalística, mais tarde, então foi passo extremo dentro da profissão. Ele a
adquiriu para fazer a propaganda comercial de sua companhia de petróleo. Também
para uma campanha eleitoreira... que não sei no que deu, pois tudo ficou escuro
num certo 10 de novembro. Essa fase, portanto, o situa não apenas como técnico
em propaganda, mas também como dono de agência de publicidade. Não se poderá
negar que Lobato tenha sido um pioneiro e um inovador da publicidade no país,
pois somente depois dele é que a propaganda começou a desenvolver-se. Lobato
fundou ainda um jornalzinho-revista "Coisas Nossas" para tornar mais
fácil a penetração no mercado, das coisas que vendia.
E é ainda como publicitário que o encontro
fornecendo testemunhos da qualidade de certos produtos a empresas de propaganda
a serviço de determinados clientes. Um dos exemplos é o fac-símile de um
anúncio sobre máquina de escrever, que reproduzo aqui,
acompanhando este depoimento. Foi tão interessante esse testemunho, que o
cabeçalho — "a máquina tal" é
positivamente um términus", — se espalhou e ainda hoje perdura na
lembrança de muita gente. Consultando, fui seguramente informado de que esse
anúncio produziu ótimos resultados. Foi ainda, através da mesma carta que
Lobato demonstrou sua facilidade para os neologismos ao lançar a público o
termo "tipar", em substituição a escrever a máquina, longo e pedante.
Ao que sei, Manuel Bandeira empregou o mesmo vocábulo. Depois, por certo.
Ainda nesse terreno de colaboração com empresas de
propaganda — pela sua projeção no cenário nacional, Lobato estava escalado para
tomar parte num programa de rádio, patrocinado por uma firma internacional de
artigos elétricos. Formou também na propaganda radiofônica. Além das radiofonizações,
há vários anos, de obras suas, — exemplo: o "Sítio do Picapau Amarelo",
— ainda pouco antes de morrer, e mesmo nesse interregno, favoreceu a Record com
uma entrevista, a meu ver lucrativa ao veículo, mas também proveitosa à
América, pelas citações que
Na propaganda, a função do "copywriter"
(redator de anúncio) é não só a de criar os apelos de venda ou divulgação, mas
também de refundir uma ideia, já empregada, e com fundo valioso,
acrescentando-lhe outros pontos apropriados à época. Foi o que fez Lobato na 15ª
edição do Jeca Tatuzinho, ao
revisá-la. Transformou-o também em "tie-up" das campanhas que a
Fontoura vem fazendo de dois outros produtos seus: o Fontol e o Detefon. E é
nesse ponto então que topamos com mais um característico de Lobato,
publicitário. Sua facilidade em criar "slogans", em parte por sua
capacidade repentista de caboclo, em parte por sua simplificação dos meios de
expressão. Um exemplo dos seus "slogans" é aquele do "términus",
embora tenha sido usado como título, o que muitas vezes acontece em propaganda.
Se alguém se der ao trabalho de compilar sua obra monumental, encontrará sem
dúvida, uma boa série de "slogans" de vertical proveito à publicidade
comercial. De minha parte, porém, julgo que o mais apropriado deles todos foi
justamente o que ele empregou para o Detefon,
e ainda estou estranhando não ter o pessoal do Fontoura utilizado como "gingle",
incluindo a gravação nas campanhas de propaganda. Refiro-me ao "fon, fon,
fon, Detefon", que Lobato associa à buzina do automóvel do Jeca rasgando
as estradas. E eu completo, ligando-o ainda à buzina infernal da insetarada
amolante. Com fundo musical buzinante, teríamos um ótimo discozinho
publicitário... à custa de Lobato.
Muito mais, não se poderá negar, há que escrever
sobre Lobato, o publicitário. Não será porém, um simples depoimento... Meu
papel é o de prestar uma singela homenagem a esse grande brasileiro.
---
PEDRO NEME
PEDRO NEME
Revista "Fundamentos", outubro
de 1946.
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba
Mendes (2016)
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