Diversas
publicações espíritas noticiaram que Monteiro Lobato, nos últimos anos de sua
vida, se havia convertido ao espiritismo, o que exige uma retificação. Se é
verdade que ele olhava para os espíritas com muita simpatia, pois sempre viu
neles homens sinceros e honestos, não é menos verdade que jamais abdicou de sua
condição de livre atirador. Admitia a sobrevivência, é inegável, mas dela nunca
teve plena e absoluta convicção, como se pode concluir da última carta que
escreveu a seu velho amigo Godofredo Rangel:
"Não
é impunemente que chegamos aos 66 de idade. O que eu tive foi uma demonstração
convincente de que estou próximo do fim, — foi um aviso — um preparativo. E de
agora em diante o que tenho a fazer é arrumar a quitanda para a "grande
viagem", coisa que para mim perdeu a importância depois que aceitei a sobrevivência.
Se morrer, é apenas "passar' do estado vivo para o de não-vivo, que venha
a morte, que será muito bem recebida. Estou com uma curiosidade imensa de
mergulhar no "ALÉM"! Isto aqui, o corporal, já está mais que sabido e
já não me interessa. A morte me parece a maior das maravilhas; isto mesmo que
tenho aqui, mas sem o corpo! Maravilha, sim. Não mais tosse nem pigarros nem...
da coisa orgânica.
E
se não for assim? dirá você. E se em vez da continuação da vida a morte trouxer
extinção total do ser?
Nesse
caso, vis-ótimo! Entro já de cara no NIRVANA, nas delícias do NÃO-ser. De modo
que me agrada o que vem aí; ou continuação da vida, mas sem estes órgãos já
velhos e perros, cada dia com pior funcionamento, ou o NADA!.."
Lobato
encarava o espiritismo como um investigador, mas não como um crente, e jamais,
entre outras coisas, pôde entender o valor e a utilidade das preces que são
ditas numa sessão espírita. Chegava mesmo a ironizar os místicos "graças a
Deus" que dizem os crentes diante de qualquer fenômeno porventura
constatado numa sessão. Além disso, seus conhecimentos teóricos da doutrina
eram dos mais limitados, pois lera apenas superficialmente alguns livros de Allan
Kardec. Aceitava, entretanto, a hipótese do "sexto sentido" formulada
por Charles Richet e, como disse acima, embora ironizasse certas práticas, era
grande ó seu respeito pelo espiritismo e seus adeptos. E disso posso dar meu
testemunho pois, muitas vezes tive a oportunidade de assistir discussões suas a
esse respeito. Ficava contrariado com pessoas que procuravam negar os fatos
espíritas, atribuindo ao charlatanismo e à fraude os fenômenos porventura
observados numa sessão espírita. "Fraude é uma coisa e espiritismo é outra
completamente diferente", dizia ele. Nessas ocasiões costumava contar que
já assistira diversos fenômenos realmente interessantes que haviam desarrumado
por completo todas as ideias pacientemente arquivadas nas prateleiras de seu
cérebro, embora a arrumação primitiva houvesse sido feita com o máximo cuidado.
De
tudo isso se conclui que Lobato tinha pelo espiritismo um grande respeito e um
grande interesse, mas não se pode de forma alguma concluir que ele se tenha
tornado um adepto da religião de Allan Kardec.
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HUGO DE BARROS
Revista "Fundamentos", outubro
de 1946.
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba
Mendes (2016)
Excelente lugar. Muito útil. Obrigado pela empreitada.
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