Este incomparável poeta, que no fim do
século XVI sob a depressão do sentimento nacional, e no derrancamento do gosto
das pastorais italianas, brilha com a verdade da sua inspiração a par de
Bernardim Ribeiro, de Cristóvão Falcão e de Camões, é um fenômeno que só se
compreende pelo meio em que foi nascido e criado e pela realidade de uma emoção
amorosa. Lereno, como o poeta a si se
chama, formando este nome de Leiria, descreve a terra que é verdadeiramente uma
Arcádia em que a vida rural não carece de ser imaginada, em que os quadros
idílicos são todo o ambiente em que se respira e a vista alcança. É dali que
ele tira todas as suas representações objetivas e os lances da vida sem
artifício ou convencionalismo bucólico. As primeiras linhas da Primavera revelam esse meio que o fez
poeta: "Entre as fragosas montanhas da Lusitânia, na costa ocidental do
mar Oceano, onde se veem agora com maior nobreza levantadas as ruínas da cidade
antiga Calipo, há um espaçoso sítio partido em verdes outeiros e graciosos
vales, que a natureza com particulares graças povoou de árvores e fontes que
fazem nele perpétua primavera, em meio do qual se levanta um monte agudo de
penedia, cercado como ilha de dois rios, que pela fralda dele vão murmurando,
até que ajuntando-se no extremo da sua altura levam ao mar em companhia a
vagarosa corrente, e assim da parte do rio Lis,
que na cópia das águas é principal, como pela do claro Lena, que escondido entre arvoredos faz o caminho, é cultivada a
terra de muitos pastores, que naqueles vales e montes apascentam, passando a
vida contentes com seus rebanhos e com os frutos que a terra em abundância lhe
oferece... Aqui aonde Amor costuma conservar seu senhorio, mostrava cada dia
maiores efeitos dele... Uma entrada do verão, quando pelo costume dos naturais
do vale e por ajuntamento de outros pastores estrangeiros que ali traziam seu
gado pela abundância dos pastos daquela ribeira, havia entre todos muitos
exercícios de alegria costumados dos pastores, como eram músicas em porfia,
dúvidas amorosas, bailes e lutas de toureiro e outros jogos, em que havia na
montanha guardadores estremados. Lereno,
que na música a muitos do vale tinha vantagem, um dia que com o novo sol sobre
os floridos ramos, começavam as aves a celebrar a entrada do Verão e as aves e
boninas a se levantar da terra... escolhendo um lugar apartado, a que o
inclinava a própria condição, se foi assentar junto de uma fonte que está perto
do rio à sombra de um alto freixo, entre duas faias, e ali cantou..." Era
a iniciação do seu gênio poético, suscitado pela entrada do verão, como os apaixonados trovadores cantando pela reverdie: e esta precocidade, que cedo distinguia
o jovem Lereno, floresceu esplendidamente pela psicose de um amor exaltado, que
foi o tema exclusivo da sua obra literária. A beleza dessa idealização
subsiste, por si, mas melhor se aprecia determinando a realidade que lhe dá um
relevo objetivo. Os efeitos desse meio no desenvolvimento da organização
poética de Francisco Rodrigues Lobo ainda hoje são verificáveis: são esses os sítios da perspectiva pitoresca
de Leiria, em permanente idílio natural, mas para aspirar a atmosfera moral da
floração psíquica de Francisco Rodrigues Lobo, que vivifica toda a sua poesia,
importa pedir à sua obra a revelação do misterioso amor. A terra, que lhe foi
berço, esclarece o espontâneo bucolismo em que despendeu o seu temperamento
artístico; só o misterioso amor realça a beleza e sentido cujos versos,
admirados apesar de se acharem velados estranhamente.
Por circunstâncias das tremendas
crises sociais e políticas de fins do século XVI e começos do XVII, ficaram
ignoradas as principais datas da sua vida: são elementos para essa reconstrução
as referências de escritores contemporâneos, as tradições literárias colhidas
pelos bibliógrafos Nicolau Antônio, Barbosa Machado e o bispo do Grão Pará Fr.
João de São José Queirós, com os elementos pessoais que se encontram pela sua
obra, como o sincronismo das individualidades preponderantes contemporâneas com
quem conviveu. Pela coordenação de todos estes esparsos subsídios, a vida do
inspirado poeta é um verdadeiro poema.
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TEÓFILO BRAGA
"História
da Literatura Portuguesa: Os Seiscentistas(1916)
Pesquisa
e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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