França Júnior na Literatura Brasileira
França Junior, apesar de ser um dos patronos da Academia Brasileira de Letras, ou melhor, apesar de "imortal' (ou talvez por isso mesmo, numa época em que vivemos de paradoxos), pode ser incluído entre as figuras esquecidas da literatura brasileira. Nessa fase que atravessamos, em que o gênero biográfico se impôs ao agrado de toda a gente, e que vários escritores se têm dedicado a essa modalidade de arte tão sugestiva e atraente, nenhum deles ainda se lembrou de analisar a personalidade de França Júnior. Sobre a sua vida e sobre a sua obra — nem um só livro. Mesmo nas colunas dos jornais, raramente se encontram referências ao seu nome. E ainda há pouco, o cinquentenário da sua morte transcorrido no dia 27 do mês passado, passou quase despercebido. Apenas referências soltas, aqui e acolá, sem nenhuma significação. Esqueceram-se de colocar França Júnior como ele deveria ser colocado. Não como expoente da intelectualidade brasileira, mas como autor de uma obra vasta e interessante, profundamente curiosa e humana, e como um admirável conservador, que atraía para a pessoa grande número de admiradores.
No seu tempo, poucos
escritores alcançaram maior popularidade. Suas peças teatrais constituíram
sempre sucessos absolutos. Mereciam constantemente espontâneos e sinceros
aplausos. O mesmo se verificava com os seus folhetins, recebidos sofregamente
pelo público. Aliás, França Junior, como escritor, se caracterizava,
principalmente, pela arte de saber agradar. Não se dedicando nunca a assuntos
profundos ou transcendentes, que só podiam interessar a um número restrito de
pessoas, procurava, ao contrário, os temas simples e oportunos, aptos a
despertar o interesse de toda a gente.
Escrevendo sobre assuntos
banais, corriqueiros, medíocres, França Junior o fazia com tanta habilidade e
finura, que se tornava apreciadíssimo. A vida carioca de sua época tornou-se o
seu assunto predileto. Focalizou constantemente cenas familiares, rusgas de
namorados, costumes burgueses, surtos de feminismo, tudo colocando no lado
cômico e ridículo, sem, no entanto, perder a sua habitual elegância. Ainda
hoje, lê-se com agrado as páginas de França Júnior, que bem valem, conforme já
acentuara Vitor Viana, como uma documentação.
Na sua obra, ficou
impressionantemente retratada a sociedade de seu tempo, com todas as suas
minúcias, com todos os seus esnobismos. Ele, cujo objetivo principal era
divertir, realizou, sem dúvida, alguma coisa muito maior, deixando uma
documentação indispensável para os que quiserem estudar os costumes daquela
época, em que quase todos os seus aspectos ali ficaram condensados. Vitor
Viana, ao tomar posse da cadeira que tinha como patrono França Júnior, já
dissera que ele produziu mais para a história da nossa civilização, ainda por
fazer, do que muitos historiógrafos de profissão.
Além de tudo, ao falar de
França Júnior, não é possível lembrar apenas o teatrólogo e o folhetinista que,
no seu gênero e na opinião de muitos, até hoje não foi superado. Foi ele também
um conversador admirável. Não era dos que economizam inteligência para
aplicá-la exclusivamente na elaboração de seus trabalhos. Conversando, era
adorável — e sua inteligência borbulhava, com cintilações fulgurantes. Sobre
essa modalidade pessoal de França Júnior, muitos dos seus contemporâneos se
expandiram, inclusive Aluísio de Azevedo, que assim se exprimiu:
"O França é homem que, visto pela
primeira vez, nos faz vontade de ouvi-lo; ouvindo-o, temos desejo de ouvi-lo
mais, e se o ouvimos mais, acabou-se. Ficamos amigos. Então, se fala sobre
belas-artes... adeus minhas encomendas!".
Essas palavras, publicadas
ainda em vida de França Júnior, podem nos dar uma ideia do encanto que
despertava a personalidade do folhetinista, mesmo nos meios intelectuais, nos
meios mais exigentes. França Junior possuía, realmente, o dom, aliás, raríssimo
e irresistível, de bem focalizar todos os assuntos. Sabia agradar e prender com
entusiasmo. O mesmo Aluísio de Azevedo, no seu estilo irreverente, presta
maiores informações:
"Basta dizer que o diabo
do homem correu todos os museus da Europa, frequentou salões, câmaras
políticas, clubes, teatros, ateliers, boudouir, o
inferno! Para cada fato, opõe uma anedota; para cada tipo um bom dito; para
cada mulher, um galanteio".
Eis aí França Júnior, aquele
cujo cinquentenário da sua morte passou quase esquecido nos dias que correm.
Sua inteligência era bem esta: risonha, sugestiva, trepidante. E se, ouvindo-o,
tinha-se o desejo de ouvi-lo mais, também os que o liam se viam apoderados da
vontade de lê-lo mais. Ele escrevia como falava, e isto foi, justamente, um dos
segredos da sua imensa popularidade.
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NIOMAR MONIZ SODRÉ
NIOMAR MONIZ SODRÉ
Revista "Vamos Ler!", 31 de outubro de 1940.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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