Alberto Torres: O Profeta da Realidade
Chamaram-no Cassandra. Senão com alarde, pelo menos, intimamente. Muitos teriam dado de ombros às suas predições. Era — diziam — um visionário, com pretensões a profeta. Ou seria um ideólogo, notável sem dúvida, cheio de altos conhecimentos, um dos poucos eleitos para palmilhar os terrenos movediços da sociologia, mas sempre... um ideólogo. Alguns acreditavam-no um iluminado; outros, um teórico de fértil imaginação ou um utopista perdido num mundo estranho...
Homens de governo,
responsáveis pelo destino de todo um povo, teriam sorrido diante de suas
parlandas. Firmavam-se no conceito secular, repetido de maneira lírica e
insistente, da riqueza da terra, de seus inesgotáveis recursos, do "berço
esplêndido”, em que o Brasil repousava, "deitado eternamente”. Se ao
embalo falaz da evocação dessas maravilhas a vaidade indígena se satisfazia,
preferível seria incentivar as loas e cânticos de patriotismo oco, do que
descer à análise dos postulados enunciados por aquele homem que timbrava em ser
uma exceção.
Ele insistia. Não o escutavam,
mas também não o contradiziam de face, pois imenso era seu valor mental. Só um
intelecto de igual estofo poderia enfrentá-lo na liça. Deixavam-no, pois,
falar...
E tudo quanto ele predisse,
aconteceu. Os rumos errados da administração, trazendo o desconcerto das
finanças, da economia, da educação, da política, de tudo, enfim, que dimanava
de ordem do poder público, levaram o país ao desespero da revolução, ao êxodo
rural, à queima do café, à amargura de seu povo, condenado este ao pauperismo que
gera a desilusão e o indiferentismo, quando não a revolta. E de tal maneira,
que em meio desse processo desagregador do bem-estar coletivo, ninguém poderia
sustar-lhe a marcha, visto que os acontecimentos eram apenas consequência de
erros acumulados. Mesmo assim, diante do panorama desolador que foi se
desenrolando aos olhos de toda a gente, nem mesmo assim pode-se dizer que
houvesse surgido, com alento bastante para vencer, um movimento de emenda da
mão, uma conclamação ao bom-senso, uma resistência ao descalabro.
Continuamos errando, e às
vezes, fazendo praça da insistência no erro. É certo que errar é humano; mas a
obstinação no erro, positivamente, não o é.
Agora, à distância e em meio
dos problemas quase insolúveis criados pela inobservância à pregação cívica, em
cujas tábuas o ruralismo tinha a força de um postulado, o vulto do profeta se
avantaja sobremaneira, dominando meridianamente a paisagem, onde se debate, em
confusão, um povo que foi conduzido sem norte, porque não havia bússola.
O profeta chamava-se Alberto Torres.
Ele, ao se oferecer
oportunidade, quando em limitado trecho do país detinha rédeas de comando,
voltou suas vistas parar onde deveria iniciar o lado prático de sua campanha.
E, naturalmente, atacou o setor da organização escolar, reformando de modo
fundamental o obsoleto edifício da educação. De seus princípios então expostos,
surgiram ensinamentos preciosos, tais os contidos neste tetrálogo:
PRIMEIRO — a necessidade de
considerar a instrução primária como elemento básico para a formação exata da
nacionalidade.
SEGUNDO — a conveniência de
organizar o aparelhamento escolar, sem a cópia ridícula da legislação
estrangeira, quase sempre inadaptável ao nosso meio e de resultados ineficazes,
produzindo a fusão e a balbúrdia, por não serem atendidos os verdadeiros
interesses nacionais.
TERCEIRO — o imperioso dever
de dotar as zonas rurais com instrução adequada, para formarmos o trabalhador
brasileiro, dispensando-nos da imigração, que não vem solucionar os problemas
da nossa economia, mas, apenas, resolver a situação pessoal do próprio
imigrante.
QUARTO — o franco estímulo à iniciativa
individual em matéria de ensino, quando bem orientada, pois o Estado ainda não
emprega para a solução do problema cultural da formação da nacionalidade os
grandes elementos imprescindíveis à sua consecução."
Nestes quatro itens está todo
um programa de governo, programa revolucionário, cujo seguimento determinaria a
transformação de um país que se desenvolvera tumultuosa e desordenadamente, sob
a influência de civilizações de empréstimo ou servilmente copiadas, em uma
potência de caráter próprio, original, consciente de seus fins e de seu
destino.
Era um pensador quem os
propunha, uma voz moça que repelia o pessimismo e desacertos do passado para
traçar rumos ao futuro; era um homem de método e clarividência quem traçava o
plano de solução dos problemas sociais e administrativos do Brasil,
submetendo-os a uma ideia geral de unidade. Não vamos, porém, estudar a
filosofia de seu pensamento; se não nos faltasse ânimo, faltar-nos-ia espaço,
tantos e tão grandes são seus conceitos estatuídos relativamente à Política,
esta arte de governar os povos, em nome da qual, entretanto, os aventureiros
fizeram medrar a política, ou
artifício demagógico de embair multidões, através de conciliábulos na penumbra.
Vamos apenas e ligeiramente
descrever-lhe a vida, para que sua obra seja patente aos que dela se alhearam,
não porque o desejassem, mas devido ao sensacionalismo dispersivo e trepidante
de nossos dias, que lhes colocou tapas nos olhos, assim limitando-lhes o campo
de descortino.
Desde já, esclareça-se
todavia, que o apostolado de Torres não se perdeu. Manteve-se presente, por
isso que a bandeira tombada por ocasião de sua morte, foi empunhada por seus
discípulos, à frente dos quais se ergueu a figura de Sud Mennucci, o laureado
autor da "A Crise Brasileira de Educação", verdadeira bíblia do
ruralismo, em homenagem a cuja efeméride jubilar escrevemos estes gatafunhos
sem cor nem tom.
Alberto de Seixas Martins
Torres era filho do magistrado, mais tarde senador da República, doutor Manuel
Martins Torres e de dona Carlota de Seixas Torres. Nasceu aos 26 de novembro de
1865 na fazenda da Conceição, em Porto das Caixas, município de Itaboraí, na
então província do Rio de Janeiro.
***
Ambiente rural. O casarão da
fazenda. Papai e Mamãe. Uma babá que o teria ninado. A escravatura na faina dos
cafezais. laiá e ioiô, Suns Cristo
sinhá, a bênção sinhô... A casa da farinha, a moenda, o cavalicoque de
estimação, um companheirinho de andanças, talvez pretinho... Estas e outras que
tais seriam suas recordações da infância, remembranças saudosas do primeiro
capítulo da vida.
Em chegando o tempo de se tornar gente, deixou o bucólico recanto
da meninice, seguindo para a Corte, a fim de iniciar seu curso de humanidades.
Estudou, a princípio, no internato dirigido por dona Maria Constança, irmã do
bispo de Mariana e do Dr. José Maria Correia de Sá e Benevides, lente da
Faculdade de Direito de São Paulo. Transferiu-se se depois para o colégio do
notável pedagogo Dr. Menezes Vieira, o qual teria ocasião segundo testemunho do
barão de Ramiz Galvão — de dizer que “Alberto Torres constitui uma das maiores
glórias da minha missão de professor."
Sua precoce inteligência mais
se fez notar quando, com apenas 14 anos, matriculou-se na Faculdade de
Medicina, o que conseguiu graças a uma licença especial concedida por decreto
do Imperador. No entanto, sentindo despertar sua verdadeira inclinação,
abandonou o curso no terceiro ano, ingressando, a seguir, na Faculdade de
Direito de São Paulo.
Apesar do verdor da idade,
desde logo expandiu no velho casarão conventual os seus sentimentos liberais,
pondo em foco os problemas sociais e políticos do momento. Era o pensador, o
evangelista, que já se revelava. Sua dialética, de fascinante contágio,
exornada com a transcendência das questões, transforma-o sem detença num
legítimo líder. Agita-se a colmeia do largo de São Francisco; a Palavra
inflamada do moço Torres se esbate pelas arcadas claustrais, por aquelas mesmas
arcadas que ainda guardavam a lembrança da passagem de Castro Alves. Assuntos
da importância da extinção, do cativeiro e da instituição da República são
tratados em assembleias, tendo como fulcro o jovem estudante. Com Luiz Murat, Xavier
da Silveira e Gaspar da Silva, funda o Centro Abolicionista de São Paulo. E,
como não podia deixar de acontecer, Torres faz surgir à luz folha acadêmica, o Ça Ira, republicana e de combate à
escravidão; posteriormente, com outros colegas, edita A Ideia, e depois, em dezembro de 1883, de parceria com Figueiredo
Coimbra, torna-se fundador do primeiro vespertino paulista, a Folha da Tarde, sempre com as mesmas cores
político-sociais.
Um incidente, porém, com o
professor Leite de Morais, que Torres criticara em artigo no Diário Popular, leva-o a transferir-se
quando no terceiro ano, para a Faculdade de Recife. Solidário com ele,
acompanha-o quase toda a turma; da qual faziam parte, entre outros espíritos de
escol, Raul Pompeia e Xavier da Silveira. Em 1886, ao atingir maioridade, conquista
o diploma, logo regressando para o Rio de Janeiro, onde abre escritório de advocacia
junto com Ubaldino do Amaral e Tomás Alves.
Apaixonado por seus ideais,
Alberto Torres enceta sua fase de atividade em prol da abolição e da República.
Escreve em jornais e revistas; ao lado de Luiz Murat, Ferreira de Menezes,
Patrocínio, Lopes Trovão, Sampaio Ferraz e outros, presta eficiente concurso às
campanhas; em 1889 funda o Clube Republicano de Niterói. Seu pai é o chefe do
partido liberal; ele, porém, é pela transformação do regime; não aceita, por
isso, o cargo de promotor público, para o qual o nomeara o governador da
província, conselheiro Carlos Afonso, irmão do presidente do Conselho de
Ministros, visconde de Ouro Preto. Desenvolve grande atividade, como secretário
do Partido Republicano; substitui de fato a Silva Jardim, sempre ausente em
serviço da propaganda; mantém-se em contato com os chefes Quintino Bocaiuva,
Glicério, Rangel Pestana, Campos Sales, Aristides Lobo, Saldanha Marinho, todos
já entrados em idade, enquanto que ele conta apenas vinte e quatro anos.
Proclamada a República, deixa
de ocupar o cargo de ministro plenipotenciário em Bruxelas, para o qual o
nomeara o governo provisório. Prefere agir na política do estado, junto com
Silva Jardim, contra o governador Francisco Portela, que seria deposto com a
ascensão de Floriano ao poder.
Rapidamente se processa sua
condução aos postos eletivos. Deputado à primeira constituinte estadual,
torna-se líder da maioria e projeta o estatuto básico fluminense. Como deputado
federal, passa a representar seu estado na primeira legislatura constitucional
da República.
Sem embargo de sua mocidade,
revelou-se, através de seus discursos e de seus projetos, uma das maiores
figuras do Parlamento, atacando os problemas mais complexos, sempre em defesa
de um ideal nacionalista. O sociólogo e o estadista despontavam de maneira
estuante naquele moço que não procurava o recurso pirotécnico das frases
sonoras e tropos literários, para tão somente explanar-se de modo conciso e
ponderado, eloquentemente sóbrio e persuasivo.
Dada sua projeção no cenário
político nacional, o presidente Prudente de Morais, ao reorganizar seu
ministério, chamou-o, em 30 de agosto de 1896, para ocupar a pasta do Interior
e Justiça, talvez a mais importante do governo. A tarefa a desempenhar era
pesada e de alta responsabilidade, pois a organização político-social
republicana era incipiente, e cumpria fortalecê-la, máxime quando ainda estavam
patentes as consequências da guerra civil que abalara o país. Poucos meses,
entretanto, permaneceu no cargo, deixando-o quando o Dr. Manuel Vitorino, então
no exercício da presidência da República, ordenou a intervenção federal na
cidade de Campos, à revelia do ministro. Um gesto altivo e de independência
que, junto aos seus títulos, concorreria para elevá-lo à presidência do Estado
do Rio de Janeiro.
Tinha, então, 31 anos de
idade. Exerceu o mandato de 1º de janeiro de 1897 a 31 de dezembro de 1900. O
mais moço ocupante do palácio do Ingá, durante quatro anos lutou pela
instauração de verdadeiras normas democráticas e de defesa do homem brasileiro,
atacando frontalmente as práticas oriundas da vesgueira política. Claro, foi
combatido; mas a despeito de tenaz oposição, seu governo foi uma era de
progresso, de proteção ao colono nacional e de estímulo às iniciativas
privadas; foi, sobretudo, uma administração que se baseou no amparo,
disseminação e racionalização do ensino popular, abolindo costumes rançosos e
imitações pernósticas de modelos estrangeiros. Notáveis foram as providências
tomadas relativamente à educação rural, conforme se depreende deste pequeno destaque
de um relatório do diretor da Instrução Pública naquele quatriênio, Dr. José
Bernardes Paranhos da Silva:
"Compreendendo a
necessidade de dotar os professores do Estado da cultura necessária para
orientar com acerto nas escolas rurais os que se destinariam à vida dos campos,
instituiu nos estabelecimentos de ensino normal a cadeira de "Economia
rural, noções de agronomia e zootécnica, demonstrando, de agronomia e
zootécnica", desde logo, a necessidade de preparar uma política de
trabalho rural que nos isentasse da importação de braços estrangeiros e que evitasse
o congestionamento dos grandes centros urbanos, porquanto, como bem frisou
Alberto Torres em um dos seus trabalhos, "atrair imigrantes é um
expediente sugerido pelo descuido intelectual dos políticos, não para solver o
problema da organização do trabalho, mas para acudir à sua crise permanente,
cada dia mais grave por efeito da própria panaceia adotada.”
A situação financeira,
entretanto, das mais difíceis, agravada pela crise do café, muito dificultou a
marcha da administração; acrescentem-se ainda os embaraços opostos por interesses
particulares, que se manifestavam em feroz oposição política e poder-se-á
calcular quão tormentoso foi seu período governamental. Deixou a presidência
sentindo o peso da guerra que lhe moviam, enojado com o ambiente mefítico em
que sobrepairava. Desiludido, fatigado, nobremente renunciou a qualquer gesto
para continuar em posição de mando; afastou-se da atividade política, pensando,
naturalmente, que havia necessidade de evangelização para poder conquistar
terreno na compreensão das massas.
Contava, na ocasião, 35 anos.
E pela primeira vez na história do Brasil, e até hoje, pôde alguém com tal
idade, mínima permitida pela Constituição, subir as escadas do Supremo Tribunal
e assentar-se como ministro nomeado pelo presidente Campos Sales, nas poltronas
daquela alta Corte, entre as venerandas figuras de eminentes jurisconsultos.
Erudito, ágil na percepção dos
fatos, eloquente, Rio Branco admirava-o; tentou, mesmo, incluí-lo na
representação brasileira ao Congresso Pan-Americano reunido no Rio de Janeiro
em 1906, não o conseguindo, porém, devido à posição de juiz de Alberto Torres,
que o inibia para o caso.
No Supremo Tribunal, suas
sentenças demonstraram à evidência que, além de administrador e político, ele
era jurista que julgava com clareza, elegância e sabedoria, honrando a
intelectualidade pátria.
Embora seja de poucos sabido,
Alberto Torres foi, também, poeta. Do valor de seu estro, faça-se a avaliação
por estes versos:
Sobre verde
colina, uma casinha branca.
Pousa, como uma
pomba entre festões de rosas;
Ao lado uma
cachoeira as águas murmurosas
Vai rolando, entre
os musgos e os lírios da barranca.
No céu de eterno
azul, o sol de eterno brilho
Entorna sobre a
casa o dilúvio da luz;
Serpenteando, a
montanha um sinuoso trilho
Para o ninho de
calma, entre sebes conduz...
De um bosque bem
cerrado à sombra hospitaleira
Os pássaros
cantando as festas da alegria,
Dão-me os bons dias
quando eu saio à luz primeira,
E me dizem adeus
ao som da Ave Maria.
Eis o sonho, o
ideal, eis e ambição modesta,
Que, para o fim da
vida, a minh'alma ilumina.
Mas como sonho que
é, e o último que resta,
Tombará sobre mim,
pobre sonho em ruinar...
Ia nestas linhas uma predição.
Áugure do seu destino, Alberto Torres antevia que seu desejo de paz jamais
seria alcançado. E não o foi, realmente...
***
Sentindo-se abalado na saúde,
aposentou-se em 1909.
A moléstia era insidiosa, mortal.
Iria-o consumindo devagar, martirizando-o. O cérebro, porém, íntegro, luminoso,
sem jaça, desferiria voos ainda mais elevados, agora que ele trocava a toga do
magistrado pela clâmide do filósofo. É a fase mais brilhante de sua vida essa
que vai de 1909 até sua morte em 1917. Não mais ação e luta, mas pensamento,
doutrinação, evangelho; de qualquer forma, uma continuação de sua mocidade
heroica. Escreve, sob um título implícito de "nacionalismo", três obras
basilares: "O Problema Nacional Brasileiro", "A Organização
Nacional" e "As Fontes de Vida no Brasil", em cujas páginas
profetiza a conjugação do homem com a terra, vendo naquele uma parte integrante
do solo, do solo que é a riqueza na exuberância de sua produção; não admite o
êxodo rural, considerando-o uma calamidade, desde que a emancipação econômica
do país está na dependência do campo. Ei-lo que diz:
"A terra nos pode suprir
de tudo que carecemos para viver. Com a criação das indústrias agrícolas
comuns, capazes de produção para o comércio, e com a localização do maior
número possível de brasileiros em situação de poderem obter da terra, como se
dá nos países mais civilizados, tudo de que pode carecer uma família,
solveríamos dois problemas: o de suprir, nas cidades, as populações ocupadas
com outras indústrias, dos gêneros indispensáveis à vida ordinária, e o de
criar conforto e prosperidade, para grande número de patrícios nossos... Localizar
em boas terras famílias brasileiras é o dever elementar de assistência, imposto
à sociedade pelo interesse de uma geração que se vai perdendo, na ociosidade ou
no parasitismo...
E por esse caminho, indica o
programa a seguir no terreno da educação:
"Demos terra a todos os
homens válidos; instrução primária, a todos que podem ver e ouvir; instrução
secundária e superior, a todos os que são capazes, não a dando a nenhum que não
o seja; educação social e profissional, também a todos; e não temamos o futuro.
O Brasil é um país destinado a ser o esboço da humanidade futura.
Saboia Lima, seu maior
biógrafo, assim se expressou:
“Se Alberto Torres amou a
humanidade, como Pasteur, reservou para a pátria a sua predileção,
destacando-se um pouco da linha humanista para trilhar a estrada
verdadeiramente nacional quando sentiu que a nossa desorganização podia um dia
levar o povo brasileiro a ficar, como o hebreu, perdido nos areais do deserto,
a chorar pela Canaã de tantos sonhos.”
E Sud Mennucci, discípulo que
de todos foi o mais eficiente na aplicação de seus ensinamentos, alertando os
espíritos com a candência da sua "A Crise Brasileira de Educação",
interpretou a "fórmula conciliadora da justiça social" preconizada pelo
mestre fluminense, dizendo:
"Essa fórmula,
apaziguadora dos espíritos, nós só a encontraremos na educação e na educação
pelo trabalho e para o trabalho. É a tentativa mais alta, mais fecunda, mais
bem intencionada que um governo poderá realizar."
***
Inegável, sem dúvida, a
cooperação que o homem, dentro de seu trabalho, tem que manter com a terra;
abrace, pois, o lavrador as madrugadas, beba na inspiração divina da natureza o
alento para amar entranhadamente o solo em que nasceu e que o envolverá na
transformação universal; agarre-se ao chão que produz, que é a permanente seara
da riqueza; tenha a consciência ruralista, que sem ela não poderá medrar o progresso
racional; transmita às gerações a mística da obra do Criador, que é a única que
poderá salvar o urbanismo jactancioso às voltas com seus problemas de racionamento
alimentar, de congestão e de pletora; liquide-se de uma vez, nesta terra que
tem tudo para ser feliz, com o pauperismo humilhante, com a vergonha de legiões
de retirantes que morrem de miséria na decantada terra da fartura; coloque-se à
margem essa "instrução pública que é um sistema de canais de êxodo da
mocidade do campo para as cidades e da produção para o parasitismo" , e
que desapareçam do cenário, pela compreensão e pelo altruísmo, aqueles que, por
negativismo ou conveniência, ainda combatem a doutrina torreana.
Obreiros do ruralismo somos
nós também; com nossa fé e com o pouco que nos é dado participar. Não nos
cansaremos, pois, de bradar pela reforma do ensino, visto que só pela educação
especializada do homem do campo, desse patrício esquecido que, em verdade,
representa o Brasil autêntico, o Brasil da hinterlândia, simples, honesto,
valente e construtor de uma civilização original, o Brasil que produz e dá sem
nada pedir, e que por isso nada recebe daqueles que consomem sem produzir, só
assim teremos contribuído para a realização de uma pátria nova. E feliz. Onde
haverá sempre terra para lavrar, pão para alimentar, água para dessedentar.
Onde não haverá párias. E nem nababos destituídos do sentimento de
solidariedade humana...
E se algum serviço mais
podemos prestar, este será o de insistirmos para que todos os brasileiros,
desde o que se assenta na mais alta curul até o mais humilde alfabetizado,
leiam, contritos, num ato de penitência para resgate dos pecados de que todos
somos passíveis, em maior ou menor escala, os livros do profeta do ruralismo, desse
grande Alberto Torres cuja visão ultrapassou a própria época, projetando-se no
futuro. Alberto de Seixas Martins Torres morreu em 29 de marco de 1917.
Desesperado, talvez menos pela doença cruciante que o torturava do que pela perversa
indiferença e ignorância derrotista do ambiente, atirou-se num precipício, indo
beijar lá em baixo, a terra-mãe, de onde se elevaria à consagração da
posteridade.
---
Revista do Professor, maio de 1955.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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