Eça de
Queirós e sua obra
Muitas vezes me tenho procurado explicar a razão desta
espécie de febre com que a público português, o mais inteligente e o mais
culto, não lê — devora, cada novo romance de Eça de Queirós. Porque nunca
semelhante interesse — entre a mesma classe de leitores — despertaram os
romances de Camilo, apesar do seu enorme talento e da maestria com que manejava
as letras sendo de todos os escritores do século XIX o que melhor lhe conhecia
os segredos e os efeitos.
E de todas as vezes tenho chegado sempre à mesma conclusão: que o interesse que despertam os romances de
Eça de Queirós, resulta do fato do seu autor ser o escritor que em Portugal, deste
século, e depois do visconde Almeida Garrett, atingiu o maior grau dessa cultura
literária, mundana e cosmopolita, que hoje em dia constitui a suprema aspiração
do chamado — “homem moderno.”
A nossa época, é uma época eminentemente sensualista. Idealismo
ninguém sabe o que seja, e ninguém ousa cultivá-lo. De quando em quando, aparecem
em diferentes centros da Europa alguns espíritos que pretendem — por mero esnobismo
intelectual — reagir contra esta constante preocupação de gozo raffiné, que devora a nossa época de
decadência. Mas são tudo reações inúteis, porque são meramente artificiais.
O ideal do nosso português moderno e mundano, é ser como o
visconde Reinaldos, oprimo Basílio, ou o Carlos da Maia; ter o ceticismo e o humour do João da Ega; atingir a cultura
de Fradique Mendes; amar essas lindas flores de decadência, essas finas
mulheres ligeiramente românticas, da escola de madame Bovary ou de Francillon,
e que atravessam os romances de Eça de Queirós, deixando um rasto de boa
perfumaria delicada e cara; e viajar como o Teodorico, com Topsius ou sem
Topsius, desde as portas da Havanesa
até às regiões sugestivas do Egito e de Palestina...
Como Balzac, Eça de Queirós também talhou em português uma
espécie de Rastignac, símbolo do verdadeiro dândi e do apaixonado, que muda por
vezes de nome, num ou noutro livro, mas conserva sempre o mesmo fundo de caráter
e o mesmo cunho de personalidade. E cada homem culto, filho desta civilização
que só procura avivar o espírito para o gozo materialista da existência,
encontra nesse tipo desenhado por Queirós
o seu figurino, — isto é: o que ele desejaria ser, como ele desejaria
pensar, e como ele ambicionaria amar...
A este atrativo puramente humano e que constitui o segredo
do romance, pois toda a obra de arte não é mais do que uma concepção do mundo
exterior, segundo o temperamento do artista, — há a juntar, aos livros de Queirós,
essa mesma incerteza da vida moral e material, que fez escrever a Sully Prud'homme
o seu livro Que sais-je?... — a mesma
dúvida em que a alma moderna se debate, sem saber onde reside a suprema bem-aventurança,
se no puro ceticismo, isto é, na descrença, se nas consolações idealistas duma
profunda fé religiosa...
Gozo e angústia, é a quanto se resume a acanhada vida
contemporânea, e que Eça de Queirós tão superiormente traduz. O autor do Primo Basílio, quando escreve, tem o condão
de fazer da sua prosa de artista, um claro espelho onde se reproduz nitidamente
a elite da sociedade moderna.
Não há homem mundano que nessa obra não encontre um qualquer
farrapo da sua alma; nem mulher que aí não veja indicada uma das muitas lutas
da sua consciência, alguma das satisfações do seu orgulho, um ou outro dos
insofridos arrebatamentos do seu coração amante...
Por isso os romances de Eça de Queirós, entre o público português,
são sempre esperados, não com interesse, — com voracidade!
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MARIANO PINA
Revista
Moderna, 20 de novembro de 1897.
Pesquisa
e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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