Oh! O Carnaval!
Delírio, nevrose, cólera, febre,
deboche, insolências, malcriações, imbecilidades, calinadas, cachorradas,
absurdos, vaias, apupos, ironia soez, sarcasmo carroceiral! Toda a fina flor da
cretinice, todas as maravilhas da ignorância, todas as belezas da falta de
gosto e compostura, todos os ridículos saem à rua, entrelaçados, confundidos,
aos pinchos, aos berros, aos pinotes, aos saracoteios e às galhofadas!
É a festa magistral da besta que
acorda dentro de cada folião!
A loucura invade, alastra, domina,
impera, sobre a floresta emaranhada da multidão que tumultua, com os nervos
satanizados, na bacanal presidida por Momo!
Saltam para a rua, nos três dias de
carnaval, milhares de indivíduos que o ano inteiro outra coisa não fizeram
senão esconder atrás da máscara lugar-comum — a cara, sentimentos, vocações e
miríades de canalhices dissimuladas. Trocam a máscara, e exibem-se tal qual
como desejariam ser o ano inteiro.
A gentalha que nada faz no capítulo
das indecências, nesses três dias, narcotizando um resto de vergonha que
dormita no abismo das suas entranhas, passa descaradamente a fazer tudo. Todas
as castas sociais resvalam na sua altura até ao atascadeiro, onde a populaça
rebrama de bebedeira carnavalesca. Os homens pedem tudo, as mulheres não negam
nada...
É a epopeia do exagero, a tragédia bufa dos instintos! Todos se conhecem, e todos, alapardados atrás de máscaras, perguntam idiotamente:
— Você não me conhece?
E esta exclamação é proferida por uma
multidão inteira que está cansada de se conhecer e se detestar.
Tudo se gasta a rodo. A Miséria, fantasiada
ricamente, esquece-se dos seus tugúrios e das suas longas privações.
A Usura, mascarada de perdulária, vem
à praça pública gastar as suas economias de duvidosa procedência.
Esplêndido, maravilhoso o Carnaval!
O Triângulo transforma-se num verdadeiro
desfiladeiro de doiradas aberrações. E como, nesta terra de fazendeiros, tudo
se improvisa, nas três noites do delírio máximo passam apitando, cantando,
gesticulando, a pé e de automóvel, moças que distribuem volúpias e velhas que
destilam concupiscências. E pondo uma nota jocosa e hilariante passam, de
roldão, mendigos fantasiados de fazendeiros e fazendeiros fantasiados de
mendigos!
E a loucura triunfa, estrangulando 365
dias de tédios e aborrecimentos!
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Fonte:
Rafael Rodrigo Ferreira: "O 'literato ambulante': antologia e estudo da obra de Sylvio Floreal - 1918-1928" (Tese). Universidade de São Paulo - USP. São Paulo, 2018.
Fonte:
Rafael Rodrigo Ferreira: "O 'literato ambulante': antologia e estudo da obra de Sylvio Floreal - 1918-1928" (Tese). Universidade de São Paulo - USP. São Paulo, 2018.
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