Quem tudo quer tudo perde
—
Parece que bateram! — disse o carvoeiro.
—
Foi o vento, — respondeu a mulher.
Efetivamente,
a velha cabana, levantada junto às primeiras árvores da floresta, parecia
gemer, e tremia abalada pelo vendaval, que levantava, em torvelinho, as folhas
secas, arrancava robustas árvores, deixando-as tombadas, com as raízes
retorcidas à flor da terra.
Os
filhos do carvoeiro, três rapazinhos e uma menina, que era a mais nova, cercavam-no,
pálidos de medo, persignando-se toda vez que um relâmpago alumiava a cabana.
A
chuva jorrava com fragor e na floresta crescia o barulho das árvores.
De
novo o carvoeiro disso:
—
Parece que bateram! Talvez seja algum viajante fugindo à tempestade!
Nenhum
dos pequenos se atreveu a ir à porta, que rangia aos empurrões do vento.
A
pequenita, porém, enchendo-se de coragem, decidiu a ver se havia alguém.
Justamente
chegava à porta, quando, de novo, bateram clamando:
—
Dai-me um agasalho, pelo amor de Deus!
Sem
hesitar, a pequenita virou o ferrolho, e, com uma lufada violenta, ao clarão de
um relâmpago, um velho precipitou-se no interior humilde. Era alto e magro,
estava coberto de andrajos. No lugar em que se deteve ainda atordoado, ficou
uma poça d’água, tão encharcado estava.
O
carvoeiro levantou-se para recebê-lo; o velho, depois de abençoar a pequenita,
abeirou-se do lume, tiritando, a falar da devastação que a tempestade ia
fazendo por aquelas terras.
Deram-lhe
do que havia no armário: pão, queijo e frutas, e o peregrino, confortado,
tomando ao colo a pequenita, pôs-se a afagá-la carinhosamente.
Lá
fora a tormenta continuava a rugir.
—
Habitais um sítio muito arredado e triste, disse o velho carvoeiro.
—
É verdade, é bem triste! Dá-me a floresta que vendo, a água que bebo, e a caça
de que me nutro. O lugar é melancólico, mas nunca nos faltou o necessário,
porque o meu trabalho o sabe tirar das árvores e das tocas.
Depois
de um silêncio, em que pareceu meditar, o velho disse, alisando os cabelos da
pequenita:
—
Tendes, entretanto, a fortuna muito perto de casa. Na caverna da
floresta
há um tesouro guardado desde os tempos do rei Salomão. Quem lá for, e tirar, de
cada vez, quando possa conduzir sem fadiga, tornará ao lar tranquilamente;
aquele porém que se exceder na carga, terá no próprio sítio o castigo da
ambição.
—
O que dizeis é verdade!? — exclamou o carvoeiro alvoroçado.
—
Só a verdade vos digo, — afirmou o velho.
Os
pequenitos, que tudo ouviram, logo resolveram visitar, na manhã seguinte, a
caverna da floresta em procura do tesouro.
Caindo
a noite, amainada a borrasca, o velho, apesar das instâncias do carvoeiro e da
mulher, tomou o cajado, depois de agradecer a hospedagem e de abençoar a
pequenita.
Na cabana ninguém dormiu; e, aos primeiros
albores da madrugada, saíram todos — o carvoeiro, a mulher e os três rapazitos.
A
pequena ficou para guardar a casa e preparar a refeição.
Embrenhou-se
a família. Cada qual levava um saco, contando regressar com grande cópia de
ouro.
Chegaram
a caverna, que ficava em sítio temeroso, e vagarosamente, penetraram.
Bem
ao fundo viram como um monte de brasas que topetava com a abóbada — eram
luzentes barras de ouro.
Rojaram-se
todos, e, esquecidos das palavras prudentes do velho, puseram-se a encher os
sacos, sempre achando pouco o que guardavam.
O
carvoeiro levantou-se, e, com esforço, aos arrancos, arrastou seu saco até o
limiar da caverna, sem poder erguê-lo, tão superior às suas forças era a carga.
A
mulher mal se podia mover, tirava o seu saco aos empuxões, arquejando; o mesmo
faziam os pequenos com o exemplo dos pais.
Um
deles, porém, recordou as palavras do velho; mas o carvoeiro irritou-se:
—
Ora, o velho... se bem andou, longe vai! Quem sabe se eu me havia de abalar de
casa por uma barra de ouro! Temos a fortuna à mão, tolos seremos se a não
aproveitarmos!
Lentamente,
esforçadamente, chegaram ao limiar da caverna, mas logo se sentiram presos.
Os
pés afundaram no solo alongando-se em raízes, os corpos mudaram-se em troncos,
os braços estenderam-se em folhagem, e transformados em árvores, ali, ficaram,
bracejando ao vento.
Debalde
a pequenita esperou-os para o jantar. Em vez deles, chegou a noite.
Na
manhã seguinte, foi ela à floresta, procurou-os, chamou-os, e, guiando-se pelas
pegadas que haviam ficado na terra mole, foi ter à caverna.
Passou
pelas árvores, sem perceber que eram os seus parentes, e estacou deslumbrada
diante do cógulo de ouro.
Alegre,
rindo, apanhou três barras das mais luzentes; sentindo, porém, o peso
demasiado, e, lembrando-se da recomendação do velho, desfez-se de uma, e,
folgadamente, ia saindo, quando ouviu as vozes escarninhas:
—
Por tão pouco não valia a pena teres vindo de tão longe! Volta à caverna, e
toma outras barras de ouro!
Sem
dar ouvidos à sedução, a pequenita passou as árvores, e regressou à cabana.
No
dia seguinte, tornou à caverna, e com mais duas barras voltou contente.
Repetindo a viagem durante meses, tornou-se dona de todo tesouro.
Uma
tarde, sentada à porta da cabana, chorava, quando viu vir uma velhinha que
parava de instante em instante, fatigada.
Convidou-a
a descansar um momento, e deu-lhe do que tinha, e enquanto comia, a velha
pediu-lhe a razão das lágrimas que lhe arrasavam os olhos.
—
Choro os que perdi, meus pais e meus irmãos. Sou rica, riquíssima!
Tenho
mais ouro nesta cabana do que tem o rei no seu erário; dá-lo-ia todo, de bom
grado, pela antiga pobreza, se, com ela, voltassem os que perdi!
Enquanto
ela chorava, ia a velha, astutamente, recolhendo as suas lágrimas em um
pequenino vaso de cristal. E disse-lhe, por fim:
—
Vamos à caverna! És digna de ser amerceada!
E
logo, ágil como se a levassem asas invisíveis, a velhinha transportou-se da
cabana à floresta, levando a pequenita.
À
entrada da caverna, pôs-se a aspergir as árvores com as lágrimas, e logo se
desfazia o encanto, e, um a um, reapareceram o carvoeiro, a mulher e os
rapazitos.
Antes,
porém, que eles se tirassem do espanto, disse a velha á pequena:
—
Aqui os tens! Leva-os contigo, e que lhes fique na memória este caso!
Toda
a ambição é prejudicial. O homem não deve tentar o impossível: quem muito quer,
tudo perde; e é com perseverança e trabalho que se consegue a fortuna.
Como
um fumo que se dissolve, a velha desapareceu, e a pequenita, abraçando os pais
e os irmãos, reconduze-os à cabana, onde lhes mostrou a riqueza acumulada com
paciência se sem fadiga, com a qual passaram a viver na cidade, com o fausto
que o ouro lhes garantia.
E
o carvoeiro, bendizendo o coração da filha, referia-lhe os tormentos que haviam
sofrido, ele e os seus, durante o tempo que viveram metamorfoseados em árvores.
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