Quem
me avisa...
Ontem
houve uma larga conferência entre
o Sr. D. Afonso e o Sr. D. Manoel,
versando sobre o parecer do Conselho do Estado,
relativamente à dissolução do Parlamento.
o Sr. D. Afonso e o Sr. D. Manoel,
versando sobre o parecer do Conselho do Estado,
relativamente à dissolução do Parlamento.
(Dos jornais)
— E então?
—
Lá votaram o decreto, dissolvendo a Gamara.
—
Dissolvendo a Gamara! Mas tu não podes assinar esse decreto, sem cometeres um perjúrio.
—
Ora essa!
—
Mas é assim mesmo, pequeno. Juraste manter a Constituição, não é verdade? Pois
esse decreto é uma navalha com que a rasgas, e acho de mau agouro entrar na
vida de navalha em punho.
—
Mas o tio...
—
Bem sabes que eu sou assim. Quando tenho alguma coisa que dizer, digo-a de
forma que todos me entendam. A ti, mais do que a ninguém, eu tenho obrigação de
falar com a maior franqueza, embora isso te escandalize.
—
Acha então o tio...
—
Acho que tu não deves assinar tal decreto, sejam quais forem as razões que
aleguem para te obrigarem a assiná-lo.
—
Mas o conselho de Estado...
O
conselho de Estado! Fia-te nesses gajos, e verás o tombo que apanhas. Eu
conheço-os de ginjeira. Bem se importam eles encravar-te, se com isso servirem
as manigâncias dos respectivos partidos!
—
Ora a minha vida! Antes eu tivesse morrido também, que me não via agora nesta
situação desesperada, querendo manter-me dentro dos meus estritos deveres de
rei constitucional, e a sentir-me empurrado para um terreno escorregadio e
perigoso.
—
Morrer! Não digas tolices.
—
Tolices! Era a tranquilidade para mim, e era o trono para o tio.
—
O trono para mim? Eu estava-me... Tu estás doido, pequeno...
—
Bom; mas já agora não há remédio senão assinar o decreto.
—
Pois sim; mas olha que só o primeiro passo é que custa.
—
Não, lá isso não. Uma vez restabelecida a normalidade...
—
Bem sei; uma vez restabelecida essa famosa normalidade, para onde te empurram
os políticos, já nem te prestarás a ouvir os meus conselhos, porque lerás
perdido todos os escrúpulos de rei constitucional.
—
Verá que se engana. Não consentirei...
—
Não consentirás! Tiveste a primeira fraqueza, praticaste a primeira
ilegalidade, caíste irremediavelmente nas unhas desses galfarros que tudo
sacrificam, as instituições e o país, aos seus interesses inconfessáveis e às suas
ruins paixões. Foi assim que os políticos prepararam a morte de teu pai e de
teu irmão.
Cambada!
Quem
os mandasse de presente ao diabo, o que não seria difícil, com um pouco de boa
vontade, prestaria um ótimo serviço a Deus, ao Povo e ao Rei.
Apanhasse-os
eu debaixo da minha alçada, e verias como lhes sacudia as orelhas com o
pingalim, obrigando-os a puxarem direito, metidos aos varais, como potros de
amansia.
Malandros!
---
Pesquisa, transcrição e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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