7/11/2019

Pérsia vs. Grécia (História), de Monteiro Lobato



Pérsia vs. Grécia
Dona Benta escreveu num papel o título deste capítulo e perguntou ao menino o que significava aquele vs. entre dois nomes. Pedrinho não soube responder.
– Simples abreviação da palavra latina versus, que quer dizer "contra". Pérsia contra Grécia – é o que está escrito aqui. Na notícia dos jogos de futebol os jornais usam muito está palavra. "Realiza-se amanhã a luta do Narizinho Futebol Clube versus o Emília Torneirinha Clube..."
Pois naqueles tempos houve um verdadeiro match entre a Grécia e a Pérsia. Ciro, o rei dos persas, conquistara a Babilônia e outros países importantes, com exceção da Itália e da Grécia. O seu sucessor, o rei Dario, quis dar à Pérsia a dominação do mundo, e viu que faltava pouca coisa. Faltavam aquele pedacinho que era a Grécia e a tal bota italiana.
Ora, os gregos haviam fomentado uma rebelião na Pérsia, de modo que não faltou a Dario pretexto para a guerra. "Quero puni-los pelo que me fizeram e depois anexarei suas terras às minhas". E tratou disso. Construiu uma grande esquadra e preparou um exército que, sob o comando do seu próprio genro, fosse castigar os gregos. Mas uma tempestade destruiu a esquadra e o exército teve de voltar do caminho.
Furioso com o genro, com o mar e com os deuses, os maiores culpados do desastre, Dario decidiu ir ele próprio sovar os gregos, logo que nova esquadra e novo exército estivessem prontos. Enquanto isso, mandou mensageiros com intimação a todas as cidades gregas para lhe mandarem um punhado de terra e um pouco d'água como sinal de que se rendiam sem luta.
Tão forte e poderoso era por esse tempo o rei persa que muitas cidades gregas se apressaram em mandar a terra e a água exigidas. Atenas e Esparta, porém, recusaram-se, apesar de serem umas pulguinhas comparadas ao vastíssimo império de Dario. Os atenienses agarraram o mensageiro persa e o meteram num poço, dizendo: "Aí tens terra e água". Os espartanos fizeram o mesmo.
– Esparta com certeza limitou-se a jogar o mensageiro no poço sem dizer coisa nenhuma, observou Narizinho. Isso é que seria uma resposta bem lacônica...
– Realmente, minha filha. A uma resposta dessa poderíamos chamar o cúmulo do laconismo, porque nem uma só palavra seria necessária – bastava o ato... Mas era isso o que Dario queria – os preparativos para a guerra foram intensificados. Fez ele construir grande número de trirremes.
– Que é trirreme, vovó?
– Uma embarcação de bom tamanho, movida de cada lado por três ordens de remo.
– Não entendo bem...
– Sim, três ordens de remos de casa lado – isto é, uma fileira de remos em cima, outra um pouco abaixo e a terceira ainda um pouco mais abaixo – e dona Benta desenhou uma trirreme.
– Pois é, continuou depois; os persas construíram 600 trirremes, que levavam, cada uma, 200 soldados, além dos remadores. O exército inteiro tinha – quantos homens, Pedrinho? Depressa, de cabeça...
– Doze mil! Respondeu o menino.
– Cento e vinte mil! emendou Narizinho, que era muito boa no cálculo rápido.
– Um milhão e duzentos milhinhos! gritou lá do fundo a boneca.
– É isso mesmo, Narizinho, disse dona Benta, fingindo não ter ouvido o cálculo da Emília. Cento e vinte mil homens foram embarcados e, como não houvesse tempestade durante a travessia, todos chegaram sem novidades às praias da Grécia.
– Em que ponto desembarcaram?
– Numa planície de nome Maratona, a dezoito quilômetros de Atenas. Assim que os atenienses souberam da chegada dos persas, trataram de avisar o povo de Esparta. Esparta ficava a 240 quilômetros de Atenas. Se fosse hoje, não seria nada essa distância. Hoje manda-se uma comunicação daqui à China em alguns segundos. Mas naquele tempo não havia telégrafo, nem telefone, nem trem, nem avião – nada rápido. E parece que em Atenas nem bons cavalos havia, porque num momento de tanta gravidade o meio usado para se comunicarem com Esparta foi um mensageiro a pé, de nome Feidípedes. Feidípedes correu a noite e o dia inteiros, sem parar sequer para comer – e no segundo dia chegava a Esparta.
Mas não lhe valeu correr tanto, porque os espartanos declararam que, como estavam na lua minguante, não podiam partir em socorro de Atenas; tinham de esperar pela lua cheia... Havia em Esparta essa superstição, como nós temos aqui a da sexta-feira e a do pé esquerdo e mil outras.
Os espartanos podiam esperar pela lua cheia porque estavam longe dos persas, mas os atenienses não podiam esperar nem um minuto – e marcharam contra eles. O exército ateniense compunha-se de apenas dez mil homens, comandados por Milcíades; contava ainda com mais mil homens de uma cidade vizinha, aliada a Atenas. Total: onze mil – ou menos de um para cada dez soldados persas.
– E aposto que os gregos vão vencer, disse Pedrinho. Quando os contadores de história começam com esses cálculos, é para preparar uma surpresa...
Dona Benta riu-se da finura do neto.
– Pode ser, disse ela, mas note, Pedrinho, que os gregos eram atletas admiráveis, como não havia outros no mundo, de modo que o número de persas não significava grande coisa. O resultado foi a derrota completa de Dario em Maratona. Note ainda que os gregos estavam lutando pela própria vida, e coisa nenhuma dá mais coragem aos homens do que isso. Não sabem a história do cão e da lebre?
Ninguém sabia.
– Um cão perseguiu uma lebre sem poder alcançá-la. Os outros caçoaram dele. "Esperem lá", disse o cão. "Eu estava correndo por esporte, mas a lebre correu para salvar a vida. Era natural que ganhasse".
– E que aconteceu depois aos gregos, vovó?
– Aconteceu que os gregos ficaram numa grande alegria. Feidípedes, o mensageiro que levara o aviso a Esparta e também se batera em Maratona, logo depois da batalha partiu de carreira para Atenas afim de dar a grande notícia. Mas ainda não estava refeito do grande esforço da primeira corrida, de modo que ao alcançar a praça do Mercado deu a boa nova e caiu morto.
Em honra a esse herói foi instituída nos Jogos Olímpicos uma carreira com o nome de Maratona, na qual a distância a correr era exatamente a distância entre Atenas e Maratona.
– Em que ano foi isso, vovó?
– No ano de 490 a.C. A batalha de Maratona tornou-se a mais famosa da História. O rei persa teve de voltar para o seu reino, surrado e envergonhado. Mas a coisa não parou aí. O jogo ia continuar.

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José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948)
Pesquisa: Iba Mendes (2019)

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