—
Perdão; o cavalheiro pode criticar à sua vontade as leis da República, mas só
por ignorância ou má fé negará que a lei da Separação é a lei base do Regime.
—
Está perfeitamente enganado; a República não precisava desse alicerce, e estou
certo de que sem ele teria mais consistência e firmeza.
—
O senhor é tolo!
—
E o senhor, além de tolo, é malcriado.
Cresceram
um para o outro, trocaram dois sopapos, e, como os separassem imediatamente,
abalou cada um para seu lado, resolvido a mandar testemunhas ao outro.
Ambos
reclamavam a qualidade de ofendido, mas essa reclamação era pró forma. Queriam
bater-se. Assentou-se em que o duelo seria à espada, só terminando quando
houvesse da parte de algum deles manifesta impossibilidade de continuar.
Ao
primeiro assalto, ficou um ferido no ombro direito, e o outro levemente
arranhado um pouco acima da linha do sangradouro. Via-se que não estavam ali
para que constasse das atas terem-se batido com galhardia, mas para vingarem
uma afronta grave.
Quase
ao fim do segundo assalto, feridos ao mesmo tempo, os dois estacaram, deixando
cair a espada, um tocado no peito, abaixo da clavícula esquerda, e o outro
tocado no ventre, justamente sobre a linha branca.
Ao
cabo de três longos meses de tratamento, suspensos entre a vida e a morte, os médicos
que os tratavam deram-lhes alta, e foi como se Lázaro se erguesse da sepultura,
correndo a encher os olhos de luz, respirando o ar com força, porque diluído nele
havia a liberdade.
Cruzaram-se
à porta da mesma livraria, na rua do Ouro, o que saía demorando-se no trottoir,
a receber os abraços dos amigos e as felicitações de um condiscípulo que
chegara na véspera, e só então soubera do sucedido.
—
Tem a lei da Separação? Gostava de a ler...
—
Não tenho; o último exemplar vendi-o agora mesmo, àquele senhor que além está,
e que saía quando vossa excelência entrava.
---
Pesquisa, transcrição e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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