No dia
seguinte dona Benta esqueceu dos judeus e pegou nos gregos.
– Também em
terras banhadas pelo Mediterrâneo, disse ela, outro povo apareceu, de muita
importância na história do mundo: os Helenos ou Gregos. Tinham o nome de
helenos porque foi um homem chamado Heleno, de origem ariana, que se
estabeleceu naquelas terras e formou o povo. Hélade, era o nome da terra dos
helenos.
Começa-se a
ouvir falar desta gente ali pelo ano 1.300 antes de Cristo, tempo em que os
hebreus estavam deixando o Egito. Os gregos não tinham um deus único, como os
judeus, nem adoravam astros, como os babilônicos. Possuíam doze deuses
principais e um certo número de deuses menores, que moravam no Monte Olimpo, a
mais alta montanha da Grécia. Lá viviam uma vida muito semelhante à dos homens,
porque os deuses gregos eram humaníssimos, isto é, tinham o mesmo temperamento
e as mesmas paixões das criaturas humanas. A única diferença era que, como
deuses, podiam mais do que os homens.
O alimento deles chamava-se ambrosia
e sua bebida, néctar.
– Que
gostoso devia ser! exclamou Pedrinho. E não se sabe hoje o que eram esse néctar
e essa ambrosia, vovó?
(Para mim, a
tal ambrosia era pamonha de milho verde, murmurou Emília ao ouvido do
visconde).
– Não, meu
filho, respondeu dona Benta. Não se sabe hoje, nem se soube nunca. Se os deuses
permitissem que os homens lhes desvendassem todos os segredos, os homens
acabariam virando deuses. Por isso castigavam os abelhudos, como um tal
Prometeu que furtou o fogo do céu para o dar aos homens. Como castigo, Zeus, o
dono do fogo, amarrou o ladrão a uma montanha de nome Cáucaso, onde um abutre
lhe vinha bicar o fígado todos os dias.
– Bicar só,
vovó? Por que não o comia duma vez?
– Sim; o
castigo era esse – um bicamento do fígado que durasse eternamente.
–
Eternamente? Quer dizer que ele ainda está no Cáucaso?
– Não; meu
filho. Aquele tremendo Hércules, cuja lenda você sabe, foi lá e libertou-o. Mas
os deuses gregos eram os seguintes: Zeus,
ou Júpiter, o pai de todos e o mais
poderoso. Senta-se num trono com uma águia aos pés, tendo na mão o raio, isto
é, um zigue-zague de fogo. Quando queria vingar-se de alguém, arremessava esse
raio, seguido dum trovão – como um índio arremessa a lança. Depois vinha Hera, ou Juno, mulher de Zeus e a primeira das deusas; Juno trazia sempre
consigo um pavão. Depois vinham os outros.
– Diga o
nome de todos, vovó, pediu Narizinho.
– Havia Poseidon, ou Netuno, que era irmão de Zeus e governava os mares num carro puxado
por uma parelha de cavalos marinhos, tendo na mão o tridente – enorme garfo de
três pontas. Netuno provocava tempestades, ou fazia as tempestades cessarem com
uma simples pancada de tridente nas ondas. Havia Hefestos ou Vulcano, o
deus do fogo. Era um ferreiro manco, que trabalhava numa oficina dentro da
Terra. A fumaça da sua forja saia pela cratera dos vulcões – que se chamaram
assim por causa dele, Vulcano.
Havia Apolo, que era o mais belo de todos e
governava a luz e a música. Todas as manhãs Apolo aparecia no horizonte guiando
o carro do Sol e dava volta no céu para iluminar o mundo. Havia Ártemis ou Diana, irmã gêmea de Apolo, deusa da Lua e das caçadas. Diana vivia
de arco e flecha em punho, perseguindo os animais. Havia Ares ou Marte, o terrível
deus da guerra, que só estava satisfeito quando via os homens a se matarem uns aos outros. Havia Hermes ou Mercúrio, o mensageiro dos deuses, o leva e traz. Tinha asas no
capacete e usava uma vara mágica de paz, que posta entre duas pessoas em luta
imediatamente as fazia amigas.
– Já vi um
retrato de Mercúrio, disse Pedrinho, mas a vara mágica tinha duas cobras
enroladas.
– Sim, isso
foi duma vez em que topou duas cobras engalfinhadas e interpôs a vara mágica
para separá-las. Em vez de se separarem, as cobras enlearam-se na vara e nunca
mais dali saíram. Chamava-se caduceu,
essa vara mágica de Mercúrio.
– A senhora
já falou de oito deuses. Faltam ainda quatro, vovó.
– Havia Atena ou Minerva, a deusa da sabedoria, que nasceu dum modo muito especial.
Júpiter teve uma dor de cabeça horrível, que não passava com aspirina nenhuma.
Desesperado, chamou Vulcano para que lhe rachasse a cabeça com um golpe de
malho. Vulcano obedeceu; mas em vez de ficar a cabeça de Júpiter em papas,
deixou escapar, armada de escudo e lança, a sua filha Minerva!
– Que
beleza! exclamou a menina.
– Havia Afrodite ou Vênus, a deusa do amor. Vênus era a mais bela das deusas, como
Apolo era o mais belo dos deuses. Nascera da espuma do mar e tinha um filhinho
de nome Eros ou Cupido, habilíssimo em flechar corações com flechas invisíveis.
Havia Vesta, a deusa do lar e da
família. Havia Deméter ou Céres, deusa da agricultura. Havia Plutão...
– Pare,
vovó! gritou Pedrinho. Com Ceres já contei doze. Esse Plutão é demais na dúzia.
– Eram doze
no Olimpo, explicou dona Benta, mas havia ainda este Plutão, irmão de Júpiter,
que tomava conta do inferno. A dúzia era realmente de treze. Isto falando só
dos graúdos, porque com deuses menores e semideuses eram mais. Lembro-me das
Três Parcas, das Três Graças, das Nove Musas. Só aqui temos quinze.
A religião
grega nada tinha de semelhante à dos hebreus ou egípcios. Era alegre e poética.
Em vez de adorarem os deuses, os gregos invocavam-nos sempre que tinham
necessidade de auxílio. Também lhe faziam sacrifícios,
isto é, ofertas de animais ou coisas. Matavam o pobre animal e o queimavam numa
pira, ou altar, para que a fumaça fosse enternecer o nariz dos deuses no
Olimpo. Durante esses sacrifícios prestavam atenção a tudo quanto se passasse
em redor, afim de descobrirem algum indício de que o deus estava se agradando
ou não. Esses indícios chamavam-se presságios.
Um bando de aves que voasse no momento, um trovão que trovejasse, um raio que
caísse – tudo eram presságios, bons ou maus, conforme a interpretação dada.
– E os
oráculos, vovó? perguntou a menina. Tio Antonio disse outro dia que a senhora
para ele era um oráculo.
– Pobre de
mim! exclamou dona Benta com modéstia. Apenas sei um bocadinho mais que ele,
porque sou mais velha. Que é oráculo? Vamos ver isso. Perto da cidade de
Atenas, que era a principal da Grécia, erguia-se, nas encostas do monte
Parnaso, uma cidadezinha de nome Delfos. Em seus arredores havia uma racha na
montanha, donde escapava um gás, tido como hálito de Apolo. Esse gás deu origem
à instituição do famoso Oráculo de Apolo em Delfos.
– Como era
isso, vovó?
– Assim. Uma
sacerdotisa, ou pitonisa, sentava-se numa trípode, ou banqueta de três pernas,
colocada no mais forte do gás. Passado uns minutos, a ação do gás a fazia cair
em estado de delírio. Era então consultada por um sacerdote, e suas respostas,
em geral confusas ou sem sentido como as de todas as criaturas fora de si, eram
interpretadas, valendo como resposta
do próprio deus Apolo. Vinha gente de muito
longe consultar o afamado Oráculo de Delfos, que na maior parte das vezes
dizia as coisas de modo a tanto poder ser carne como peixe. Um rei, por
exemplo, o consultou sobre o resultado da guerra declarada a outro rei. O
oráculo respondeu: ‘Um grande reino está prestes a cair.’ O rei ficou na mesma.
Que reino ia cair, o seu ou do inimigo?
– Bem
espertinha a tal pitoniza! murmurou Pedrinho.”
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José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948)
Pesquisa: Iba Mendes (2019)
José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948)
Pesquisa: Iba Mendes (2019)
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