“Os Caboclos”
Valdomiro Silveira, nome
suficientemente conhecido no mundo das letras, rompendo com longos anos de
modéstia, acaba de publicar, editado pela casa editora Monteiro Lobato &
Cia., um livro medularmente brasileiro e genuinamente paulista.
Falar de Valdomiro Silveira é tarefa
que requer um longo e apurado estudo, tanto da sua personalidade moral como
intelectual.
É advogado e nesse mister nunca deu
margem a que se lhe apontasse o mais leve deslize que depusesse contra a sua
robusta honestidade.
Valdomiro, como todos o chamamos na
intimidade, é um desses homens dotados desse fluido interior, que irradia
espontaneamente sobre todas as pessoas que dele se acercam.
Apesar dos seus múltiplos e vastos
conhecimentos, nunca tomou uma atitude insolente de mestre para transmitir a
outrem aquilo que adquiriu com longos e longos anos de estudo num contínuo
holocausto, cirandando livros e mais livros pelo crivo do seu cérebro, que lhe
proporcionaram, num trabalho lento de assimilação, um cabedal de cultura
máscula.
Não se tem notícia que tenha algum dia
ostentado o mais tênue vislumbre de cabotinismo!
É um sereno na vida, apesar da
profissão, e a sua arte é também um prolongamento dessa mesma serenidade.
Visto através de qualquer prisma é
sempre o mesmo homem, inteiriço no caráter e perfeito no intelecto.
É um retraído por convicção e não por
timidez.
Vive a máxima de Taine: “espalha a tua
obra e esconde a tua personalidade”.
E assim fez.
O seu livro “Os Caboclos” é um atestado
eloquente não só do quanto ele é intelectual, mas também do quanto é
brasileiro.
É, como disse um outro grande escritor
e irmão, Agenor Silveira —“Valdomiro Silveira com a só publicação de “Os
Caboclos”, vai ensinar muita coisa do Brasil aos brasileiros de agora”.
Nesse livro ninguém como ele soube
focalizar aspectos da vida dos caboclos do nosso hinterland paulista.
E fez mais: tratou da vida dos
caboclos, sem ódio e rancor.
Descreveu-lhe a vida em toda a sua
rusticidade e a alma em todos os seus anseios, na sua esplêndida e brutal
realidade, sem ridicularizá-los e diminuí-los naquilo que são!
Fez obra flagrante de verdade, além de
profundamente humana!
Os seus personagens, quando falam,
falam como pensam e nunca falam como pensa o escritor que, para ser fiel, soube
integralizar nesse meio com a ótica da sua observação límpida e apta para
fotografar com precisão única todas as cenas que observou e que alfim
estereotipou, de acordo com a terra, o meio e o homem.
E não se diga que Valdomiro fez simplesmente
obra visual; não.
Porque ele não só viu os caboclos, mas
chegou até mesmo a senti-los, se tal pode afirmar, dentro do halo da sua visão.
É, enfim, um livro uno, coeso e
completo, tanto pelo esmerilhado da forma, que de uma simplicidade modelar, como
pela efabulação e desenrolar do assunto, de uma precisão como não há outro no
gênero escrito até hoje no Brasil.
“Os Caboclos” é um livro que fica, no
acervo da nossa literatura, à margem, ocupando um lugar de destaque.
E ao lado de Paulo Setúbal, com a
“Alma cabocla”, e Monteiro Lobato, com os “Urupês”, forma Valdomiro da Silveira
com “Os Caboclos”, marcando uma era de ressurgimento literário e de
independência mental do Brasil.
Jornal
"O Comércio de Campinas", 25 de janeiro de 1921.
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Fonte:
Rafael Rodrigo Ferreira: "O 'literato ambulante': antologia e estudo da obra de Sylvio Floreal - 1918-1928" (Tese). Universidade de São Paulo - USP. São Paulo, 2018.
Fonte:
Rafael Rodrigo Ferreira: "O 'literato ambulante': antologia e estudo da obra de Sylvio Floreal - 1918-1928" (Tese). Universidade de São Paulo - USP. São Paulo, 2018.
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